Trabalhador rural de Resende Costa reutiliza pneus na construção de muros e outras benfeitorias em sua propriedade

Criatividade e trabalho gerando benefícios ao meio ambiente


André Eustáquio


Dé e sua esposa Celinha em frente ao muro construído com pneus usados (foto André Eustáquio)

O trabalhador rural Eder Fernando Coelho, o Dé, divide seu tempo entre a carvoaria e a lida com a terra em sua propriedade no povoado do Cajuru, zona rural de Resende, onde reside há 16 anos com sua esposa Gilcelia Aparecida Coelho, a Celinha. O trabalho na terra, paixão que Dé cultiva desde menino, ganhou há dez anos uma nova motivação: os pneus usados.

No período em que trabalhava como autônomo em Itaguara (MG), capinando e roçando pastos, em certo dia Dé passava pela rodovia Fernão Dias, que estava sendo duplicada, e viu que uma obra de arrimo estava sendo feita nas margens da rodovia reutilizando pneus velhos como matéria-prima. A curiosidade despertou-se: “Eu vi aquilo, achei bonito e falei: vou fazer isso lá em casa”.

No início, predominou a praticidade. Ao lado de sua casa havia uma ribanceira que começava a desabar, o que causaria sérios transtornos. Era necessário, portanto, construir um muro de arrimo para conter a terra que cedia. “Fiz um orçamento em Resende Costa e Passa Tempo para saber quanto custaria construir um muro de cimento. Não ficaria menos do que cinco mil reais. Foi quando tive a ideia de construir o muro com pneus velhos”, conta Dé.

Pouco a pouco, Dé começou a juntar os pneus vindos de cidades da região como Itaguara, Passa Tempo, Desterro de Entre Rios e São João del-Rei, e começou a construir seu muro. Ele reuniu pneus de motocicletas, carros de passeio, trator, caminhões e carretas. Porém, foi a carga de pneus vindos de São João del-Rei que impulsionou a construção do muro, que se arrastava há quatro anos. “Foi com esses pneus que o trabalho no muro rendeu e eu consegui terminar”. Dé utilizou 800 pneus na construção do muro, que possui 2,5 metros de altura e 35 de comprimento. O custo da obra? 250 reais. “Esse valor foi o que eu paguei ao Juninho do Tião Gouveia para ele trazer os pneus de São João del-Rei, de caminhão”, diz o construtor que trabalhou sozinho, portanto, não teve nenhuma despesa com mão-de-obra. “Eu começava às 16h:30min, quando voltava do carvão e ficava até à noite. Contei somente com a boa vontade de pessoas que me deram os pneus e dos amigos que me ajudaram a trazê-los para cá”.

 

A construção    

Dé explica como construiu o muro: “Depois de escolher os pneus, eu pensei em como fazer para prendê-los e ao mesmo tempo não deixar que a terra cedesse. Aí comecei a cavar a terra, abri um buraco na ribanceira inteira, fui encaixando os pneus e enchendo eles de terra”.

Todo o trabalho foi feito artesanalmente, sem o auxílio de tijolos, pedras e cimento. Há somente pneus e terra. A construção ficou segura e bonita, mas Dé ainda não está satisfeito. Além de inteligente e criativo, ele é minucioso e deseja padronizar os pneus: “Eu faço, desmancho, faço de novo até ficar do meu jeito. Não gostei desses pneus grandes aqui no muro [ele se refere aos pneus de caminhão e trator]. Vou trocá-los por pneus pequenos pra ficar tudo igual. Depois quero pintá-los de preto para realçar a cor natural deles”.

A construção do muro de arrimo entusiasmou Dé a reutilizar pneus em outros lugares de sua casa. A escada de acesso ao pátio de entrada é feita de pneus preenchidos com cimento.  A base da caixa d’água foi construída com pneus de trator. Nos canteiros que circundam a casa, Dé utilizou pneus de carro. “Já estou reunindo mais pneus para construir outro muro do lado de baixo da casa e também uma mesa”, revela Dé, para desespero de sua esposa Celinha, que diz, em tom de brincadeira, não aguentar mais tanta confusão de terra. “Ele vai cavando e espalhando terra pelo terreiro inteiro. Faz uma confusão danada. Falo sempre que o Dé é igual a um Tatu para terra; nunca vi gostar tanto (risos)”, diz Celinha. Dé precisa de mais trezentos pneus para começar a construir o outro muro. “Isso aqui não vai terminar. Vai longe... (risos)”, diz a esposa, resignada.

 

Benefícios

A obra de duplicação da Fernão Dias despertou o interesse de Dé pela reutilização de pneus e, consequentemente, trouxe benefícios econômicos e ambientais à sua propriedade. Atualmente, Dé reutiliza 1.300 pneus em calçadas, muros e outras benfeitorias e praticamente não teve gastos durante o processo de construção. “Imagine se esses pneus estivessem jogados na natureza ou cheios d’água por aí!”, reflete ele, consciente da sua colaboração com o meio ambiente. Sobre o muro de arrimo, Dé não tem dúvidas acerca da eficácia do material escolhido: “Se eu tivesse feito de cimento, certamente já teria trincado. Com os pneus está seguro”.

Trabalho, paciência e paixão explicam o gosto de Dé pela construção reutilizando pneus que já foram descartados. E o trabalho dele está apenas começando. “Eu ainda vou fazer muitas coisas com pneus. Já pesquisei na internet e vi que têm pessoas que fazem esculturas de pássaros, gangorras usando os pneus. Pode ser que fique meio rústico, mas quero fazer (risos)”, planeja o construtor.

 

Paixão pela terra

Dé e Celinha moram nas terras onde ele nasceu, no seio de uma família numerosa. “Somos cinco irmãos e eu sou o único homem”, conta Dé, que descobriu a paixão pela terra ainda menino. “Eu lido na terra desde os sete anos de idade. Comecei acompanhando meu pai, que era agricultor. Minha mãe foi professora na escola daqui do Cajuru”. Quando está mexendo na terra, Dé costuma tirar os sapatos para sentir o chão. “Quando chove e tem barro é ainda melhor”, afirma ele.

Aos 38 anos de idade, Dé nem pensa em deixar o sítio para viver na cidade, ao contrário do que deseja sua esposa Celinha. “Minha vontade é de morar em Resende Costa, continuar os estudos, mas o Dé diz que não sai daqui”, lamenta Celinha. “Eu nasci aqui, meu umbigo está enterrado aqui. Não vou para a cidade de jeito nenhum”, conclui Dé.

 

Colaboração: Romeu Vale.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário