Um requiem ao resende-costense Alair Coêlho de Resende

(1931-2021)


Homenagem Especial

André Eustáquio Melo de Oliveira*1

fotoAlair Coêlho ao lado da presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, Zélia Maria Leão Terrell (Foto arquivo pessoal)

No último dia 26 de abril, Resende Costa perdeu um filho dileto e apaixonado. O advogado, escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei, Alair Coêlho de Resende, morreu aos 90 anos de idade, em São João del-Rei. Trabalhador incansável, intelectual de fôlego, a vida do dr. Alair Coêlho foi devotada a grandes paixões: a família, o Direito, as letras, as artes e, especialmente, a sua eterna e querida Resende Costa. Em nossas muitas conversas, ele não cansava de confidenciar-me com voz firme e carregada de um saudosismo nostálgico, típico de um trovador prestes a se declarar à sua amada: “Ter de me afastar de Resende Costa foi para mim, em toda a minha vida, uma verdadeira sentença de condenação”.

A morte do Alair deixa uma daquelas lacunas difíceis de serem preenchidas. Sua personalidade marcante, de inteligência rara e sedutora, fez dele uma pessoa inigualável, daquelas das quais sempre desejamos estar próximos. Alair foi orador oficial da Academia de Letras de São João del-Rei (ALSJDR). Na tribuna da AL, ele raramente precisava se ater a um discurso escrito. A palavra soava fácil da sua boca, seus pulmões expeliam o impulso vital, o elã que conferia brilho, garra e vibração a uma oratória rara e convincente.

Apaixonado pela casa de Milton Viegas, defensor incondicional da cultura mineira e são-joanense, cidade que ele adotou para si até os últimos dias de sua vida, Alair era quem dava, quase sempre, as boas-vindas aos novos acadêmicos da ALSJDR. A presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, Zélia Maria Leão Terrel, a quem o Alair carinhosamente chamava de “minha presidente”, lamentou a morte do amigo e confrade: “Sendo meu orador oficial na AL, com uma voz grave e bonita, dr. Alair acentuava sua personalidade, postura e integridade sem deixar de lado sua humildade. Era o primeiro a chegar e o último a sair em nossas assembleias, porque sentia que seus pares lhes eram primordiais. Perdemos nosso amigo querido, nosso colaborador de todas as horas, nosso exemplo de ser humano e o maior fã da nossa Arcádia.”

Alair contraiu a Covid-19 no transcorrer de 2020. Recuperou-se, porém a doença lhe deixou sequelas. Aos 90 anos, completados em fevereiro último, sua saúde encontrava-se fragilizada. Todavia, mesmo antes do seu coração marcar os últimos compassos que regeram uma vida intensa e vibrante, Alair manteve-se atuante e fazendo planos. Ao lado de sua “mana” Stela Vale, ele iria lançar mais um livro. Não deu tempo. Deus o chamou para mais perto de Si e a eternidade plena lhe foi oferecida serenamente, sem dor, sem sofrimento. “Sua passagem para o outro plano foi tranquila e sem alarme, o que nos faz pensar que Deus o chamou bem em silêncio, para não despertar nossas dores”, disse Zélia Terrell.

 

Um resende-costense apaixonado

Ouvir o Alair falar de Resende Costa e declarar-se eternamente apaixonado por ela nos fazia encantar ainda mais pela nossa cidade. Sua memória, lúcida e prodigiosa até o fim, desvelava uma Resende Costa que imaginávamos ter surgido de páginas ilustradas de um lindo romance bucólico e pastoral. O teatro, as ruas, as festas religiosas, as lajes, o Buraco do Inferno, o vôlei com as amigas, o oficio de sapateiro, os amigos que partiram... Imagens que povoaram, durante 90 anos, as lembranças do Alair e o fizeram suportar a terrível “condenação” de tão cedo ter sido condicionado a deixar sua amada cidade a fim de trabalhar e constituir uma bela família.

A vida, no entanto, não foi tão severa com o resende-costense obrigado a se tornar ausente. Ela tratou de corrigir a grave sentença condenatória e o reaproximou de sua terra nos últimos anos. Aqui ele lançou seus mais recentes livros, apoiou e incentivou a amiRCo (Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa) e o Jornal das Lajes, do qual era leitor voraz e entusiasta. Sua paixão pela terra natal levou-o a querer e lutar sempre por ter a presença de mais resende-costenses nas cadeiras da Academia de Letras de São João del-Rei. Ele assumia, com o humor que lhe era peculiar e sorriso sincero, que se orgulhava de pertencer à “bancada de Resende Costa na Academia”.

Assim como uma mãe sofre pela morte do seu primogênito, Resende Costa hoje chora a perda do Alair, ao mesmo tempo em que o agradece pelo orgulho que ele sentia de aqui ter nascido, vivido e voltado – ainda que a distância física o tenha imposto alguns obstáculos, os quais ele tratou de superar através da memória, das lembranças e de um coração palpitante, confessadamente apaixonado.

A professora e colunista do JL, Regina Coelho, revela alguns marcantes episódios que vivenciou ao lado do seu primo, os quais confirmam uma personalidade íntegra, voltada a querer sempre o bem e ajudar aqueles a quem ele tanto estimava. “Ao me formar em Direito (1987), recebi do Alair, advogado atuante em São João del-Rei e região, um honroso convite: o de trabalhar com ele, o que segundo o próprio, lhe daria um enorme prazer. Eu apenas sorri. Por reiteradas vezes esse aceno veio à tona. Dizia o primo falar sério e aguardar o momento de eu lhe dizer um sim. Sob sua orientação ética, segura e competente, eu teria seguido esse caminho não fosse um outro já sendo trilhado com a certeza de nele querer prosseguir: o da Educação. Ainda assim, estivemos juntos em muitos momentos. Era um danado o Alair – homem de prosa culta, voz firme e presença imponente onde quer que estivesse. Em fevereiro último, quando completou 90 anos, como resposta a uma mensagem de áudio enviada a ele parabenizando-o pelo dia, agradeceu-me com a elegância de sempre: ‘Querida prima Regina, a sua lembrança, os seus cumprimentos tornam o meu aniversário mais rico e minha vida mais digna de ser vivida. Muito obrigado mesmo!’ Mais uma vez, Alair, bondade sua me tratar com tanta consideração. Ouso contestá-lo. Foram todos seus os méritos de uma vida digna levada a efeito em sua plenitude. Eu é que lhe digo: Muito obrigada mesmo!”

A existência do Alair entre nós chegou ao fim. Permanecerão a saudade incessante, a admiração que não finda, os ensinamentos que não perecerão, a retidão de uma vida íntegra, paradigma de exemplos a serem seguidos e multiplicados eternamente.

Requiescat in pace, resende-costense dr. Alair Coêlho de Resende!

 

*Editor-chefe do Jornal das Lajes, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

Comentários

  • Author

    Agradeço a materia que, ainda com os olhos razos d’agua, trazem alegria ao meu coração e ouso dizer, ao coração de meu irmão Eugênio e de minha irmã Marillac. Somos filhos do filho das Lajes com os seus horizontes musicais como dizia o nosso falecido pai. Sendo ele filho também dos Quatro-Cantos com a sua bucólica centricidade, do Gremio de Teatro sempre querido, dos Cruzeiros molhados para atrair a bondade de uma chuva em meio à seca, do Expedicionário, terror das cidades vizinhas. Nosso pai Alair nos herdou o amor por Resende Costa, de tal modo que, apesar do erro geográfico de não termos nascido na cidade de pedra, os tres nos consideranos resende-costenses de coração. vadit et adsumit patrem diligebat caeli partem urbis.


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