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As flores do bem

17 de Setembro de 2015, por Regina Coelho

Escritos com inicial maiúscula, Açucena, Amarílis, Angélica, Camélia, Cássia, Clívia, Daisy, (margarida, em inglês), Dália, Flor-de-lis, Gardênia, Hortênsia, Íris, Jacinto, Magnólia, Margarida, Narciso, Petúnia, Rosa, Vanda (uma espécie de orquídea), Verbena e Violeta são nomes de pessoas. Em outros tempos, aqui mesmo em Resende Costa, vivia um casal cujos filhos, todos eles, inclusive os homens, receberam alguns desses nomes, originalmente designativos de certas flores. E como é primavera, falemos delas, das plantas em geral, de seus nomes e curiosidades.

Mosquitinho, peixinho (ou orelha-de-coelho), pratinho-de-doce, esporinha, camaradinha, buchinha e amor-agarradinho são termos diminutivos reveladores da singeleza dessas espécies. Esse último caberia ainda na categoria dos nomes românticos como colchão-de-noiva, amor-perfeito, beijo, candura, suspiro (de tudo quanto é cor), saudade, flor-do-papai (que floresce em agosto). Por alguma característica específica, quase todas as denominações populares são bem sugestivas. Algumas são mais. Por exemplo: chifre-de-veado, costela-de-adão, moeda, bailarina, bico-de-papagaio, pata-de-elefante, copo-de-leite, unha-de-vaca, girassol, lírio-da-paz, pena-de-pavão, brinco, boca-de-leão, crista-de-galo, camarão, confete ou julieta. Na contramão dessa ideia, aparece a catinga-de-mulata, que é uma das ervas mais conhecidas. No item “Diversos”, não pode faltar o dinheiro-em-penca. E também a bela rosa-do-deserto, a comigo-ninguém-pode (contra o mau-olhado), a árvore-da-felicidade (que a pessoa não pode comprar, tem que ganhar), a perfumosa dama-da-noite e o manacá (que muda de cor e exibe ao mesmo tempo tons variados). E ainda a prímula, cujo nome popular é pão-e-queijo, a flor-de-seda (ou flor-de-maio) e a gloxínia, que floresce no Natal e parece um sino. Não faltam nomes irreverentes e engraçados como a cara-enrugada (um tipo de begônia), a maria-sem-vergonha, a maria-peidorrreira (jogada no fogo, estala) e a flor-de-defunto.

Das orquídeas e samambaias (a paulistinha, a chorona, a renda portuguesa), passando pelas parasitas e trepadeiras, cabem aqui as árvores frutíferas com a exuberância dos pessegueiros, maracujazeiros, das laranjeiras e gabirobeiras em período de floração. Em seu ambiente natural, florescendo na pedra, no cascalho, no orvalho e, às vezes, sob as adversidades do vento, as flores do campo são um espetáculo à parte.

Presentes nas datas mais significativas como expressão de nossos mais nobres sentimentos de pesar ou de alegria e mesmo usadas em ocasiões meramente protocolares, as flores conferem beleza e leveza à vida. E inspiram artistas como Van Gogh, o pintor dos girassóis. Aliás, um belo e refulgente campo dessa espécie é um dos principais cenários do clássico Os girassóis da Rússia, filme estrelado por Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Já Érico Veríssimo em Olhai os lírios do campo, romance cujo título é baseado num trecho do Sermão da Montanha, destaca essa qualidade de lírio em analogia ligada às palavras de Jesus. Em A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, ganha destaque a bonita flor sem perfume. Citadas em músicas de todos os tempos, as flores são cantadas em prosa e verso, sendo a rainha delas especialmente lembrada por Cartola na antológica As rosas não falam. Do poeta francês Charles Baudelaire, a obra As flores do mal é assim explicada pelo autor numa carta: “Neste livro atroz, pus todo o meu pensamento, todo o meu coração, toda a minha religião (travestida), todo o meu ódio”.

Explicação dada e confirmada, as flores de Baudelaire são importantes símbolos de aspectos sombrios da condição humana, as flores do mal. Pelo propósito do texto e pela nossa felicidade, optemos pelas flores do bem, com todas as suas conotações. E saibamos nos deixar encantar pelo espetáculo dos ipês floridos espalhados por aí.

 

P.S.: Pela parceria na produção do presente artigo, dedico-o à minha irmã Fátima. Também aos demais apaixonados por flores.

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