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Eterno Maluquinho

23 de Novembro de 2022, por Regina Coelho

nascido em Caratinga (MG), recém-completados 90 anos em 24 de outubro último, Ziraldo Alves Pinto está recluso, com a saúde bastante debilitada. De acordo com a família, por ordens médicas, Ziraldo não mais concede entrevistas, justamente ele, sempre tão falante.

“Vocês podem achar que eu estou um pouco triste, falando devagar, porque não é meu estilo. Acontece que eu, de repente, fiquei velho. Foi outro dia. Eu acordei de manhã e estava velho. Mas eu estou alegre, estou feliz da vida”, disse ele, usando um de seus inseparáveis coletes, em um vídeo gravado em 2019 para a divulgação de uma exposição realizada à época em sua homenagem.

Solicitado agora a falar sobre esse genial artista, entre outros elogios ao mestre, o quadrinista Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica, ressalta que “Ziraldo diz que o mais importante é ler. Mas para que isso aconteça, cada vez mais é preciso ter autores como ele para arrebatar milhões de crianças leitoras”, desejando ao amigo e colega de profissão “90 anos de sorrisos e muito mais”.

Com mais de 200 livros publicados, Ziraldo é um incontestável fenômeno editorial. O Menino Maluquinho (1980), um de seus best-sellers, ganhador do Prêmio Jabuti em 1981 pela Câmara Brasileira do Livro, na categoria Literatura Infantil, acumula números impressionantes: 18 edições, 135 reimpressões e já vendeu mais de 4,1 milhões de exemplares. Sua obra é também um sucesso de crítica, com o reconhecimento unânime de seu grande valor artístico.

Segundo Leonor Werneck dos Santos, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ziraldo “deu um grande impulso à literatura infantil no Brasil, trouxe a literatura infantil para um lugar de destaque, inclusive academicamente”. E acredita que isso se deu por um conjunto de fatores, como a criatividade, a atualidade dos temas, a “linguagem que toca fundo no leitor de todas as idades, o traço e o projeto gráfico que parecem tão simples mas são cuidadosamente pensados e dialogam com a proposta de cada livro”.

Da combinação do nome da mãe, Zizinha, com o do pai, Geraldo, surgiu o nome Ziraldo, que se tornou sinônimo de talento para o caricaturista, cartunista, chargista, jornalista, escritor, pintor e ilustrador que, por volta dos 6 anos, teve já um de seus desenhos publicados no jornal Folha de Minas. Ao longo de sua multifacetada carreira, trabalhou em importantes veículos de comunicação do país, sendo um dos fundadores do jornal O Pasquim (1969 - 1991), célebre semanário de humor e resistência ao regime militar.

Ainda em 1960, foi como artista gráfico que esse mineiro, hoje nonagenário, realizou o sonho infantil de se transformar num autor de histórias em quadrinhos e ver publicada a primeira revista brasileira do gênero feita por um só autor, a Pererê, rebatizada mais tarde como A Turma do Pererê, um marco na trajetória dos quadrinhos no Brasil e um grande feito para o compulsivo leitor e desenhista desde a infância.

O criador do personagem Maluquinho – uma criança que vive com uma panela na cabeça, menino alegre, sapeca, cheio de imaginação, que adora aprontar e viver aventuras com os amigos –, entre incontáveis e inesquecíveis personagens infantis ou não, deu vida também a Flicts (uma cor à procura de seu lugar no mundo), livro no qual usou o máximo de cores e o mínimo de palavras. Por não ser tão forte quanto o vermelho, por não ter a imensidão do amarelo e nem a paz do azul, Flicts, que é feita de um bege terroso, sente-se excluída das demais cores até descobrir que “a Lua é Flicts”.

Sustentada num simbolismo atemporal, por isso mesmo atual ao falar de exclusão, essa obra foi oferecida de presente pela Embaixada dos EUA no Brasil aos três primeiros astronautas a pisar na Lua em 1969. Ano também de lançamento de Flicts. E da vinda de dois deles (Neil Armstrong e Michael Collins) ao país em outubro.

Aclamado e premiado aqui e no exterior, Ziraldo é a conjugação perfeita de traços e palavras a favor das artes e da educação.

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