Jessé de Souza, em seu livro A Elite do Atraso, dedica-se a dar “uma resposta crítica ao clássico Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda, eternizado por incontáveis intelectuais de todas as colorações ideológicas e partidárias”. É o que está escrito na orelha do livro.
O autor defende uma tese fundamental: somos o que somos não por nossa herança portuguesa, mas porque a escravidão não terminou. Ele subordina a permanência de tal movimento social a três fatores ou aspectos: o capital econômico, o capital cultural e o capital social das relações pessoais.
O primeiro capital, sumamente importante, “dado que a elite econômica pode comprar as outras elites não econômicas”. O capital cultural, entendido como “a incorporação pelo indivíduo de conhecimento útil ou de prestígio”. E o social, caracterizado pelas “relações pessoais”.
Interessante como o notável pensador e escritor enfatiza a permanência da escravidão ligada a esses três fatores capitais. A cada um deles corresponde uma forma de escravidão: a econômica, a cultural e a relacional.
A escravidão econômica salta aos olhos de qualquer um nesse país das desigualdades. A escravidão cultural tem origem nos primórdios da vida daquelas pessoas que nascem sem a devida assistência, sem o devido amparo afetivo, sem a alimentação necessária, com mães impossibilitadas de dar o apoio afetivo aos filhos e, muitas vezes, distantes deles, sem poder lhes garantir a certeza de um amor indispensável para sua formação. Tais crianças crescem impossibilitadas de adquirir os conhecimentos que a vida exige. Tudo isso a confirmar a insuficiente educação, que caracteriza nossa gente e que nos impede de ser um povo à altura de suas possibilidades. Com essa escravidão cultural, é pouco o que se pode esperar das pessoas ao viver em sociedade. Essa escravidão, essa vida sem condições mínimas favorecedoras de uma autoimagem positiva, prolonga-se ao longo dos dias, deixando as pessoas incapazes de ocupar e exercer papéis a que teriam direito na sociedade. Tornam-se pessoas realmente pobres, escravas das condições mínimas de uma vida digna.
A escravidão das relações pessoais caracteriza aqueles que “não têm com quem contar”: vivem na tremenda escravidão da solidão existencial, apesar de sermos um povo “cordial”, marcadamente focado nas pessoas. A ausência de tais relações não só empobrece a vida, como dificulta a existência decente nas diversas redes que a sociedade constrói para seus cidadãos.
Li o livro de Jessé, satisfeito com a análise que apresenta “outras formas de escravidão”. Identifiquei-me com o pensamento-chave do autor, que apresenta nossa herança escravocrata “usada para oprimir todas as classes populares, independentemente da cor da pele”.
Uma grande discordância, entretanto, mantenho com o autor: não consigo ver na Lava-Jato “o pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão”. Vejo nisso uma clara adesão à ideologia que nos levou onde nos encontramos: caos político e econômico.
Prefiro manter minha independência intelectual a sujeitá-la a uma ideologia político-partidária.