Viola para todos os gostos
16 de Fevereiro de 2018, por Renato Ruas Pinto 0
Fevereiro é quando descobrimos qual é o hit do carnaval que nos vai ser enfiado goela abaixo em doses cavalares. Para quem procura outros sons, vou falar de mais dois bons lançamentos ainda de 2017. Quem me segue sabe o quanto admiro a viola caipira. E motivos não faltam. É um instrumento que tem um timbre único e muitas possibilidades, muito além da música caipira. E para ilustrar essa versatilidade, os dois trabalhos mostram a viola em terrenos distintos: a música caipira tradicional, chamada atualmente de “raiz”, da dupla Índio Cachoeira e Santarém, e o som instrumental de Ricardo Vignini, que coloca a viola e seus ponteados a serviço de estilos como o rock e sonoridades de música celta ou nordestina.
O nome do álbum, “Ponteando Tradições”, de Índio Cachoeira e Santarém, já explica o que vamos ouvir. Música caipira tradicional no melhor estilo de dupla bem entrosada e que desenvolve seus temas apoiados pelos contracantos e solos da viola. Ambos são músicos experientes nesse cenário, já tendo participado de duplas como Cacique e Pajé, no caso de Cachoeira, e com o violeiro Tião do Carro, no caso de Santarém. O repertório é predominantemente autoral e os cantores assinam nove das quinze faixas. As temáticas, por sua vez, remetem aos clássicos de viola: ora a vivência em um idílico ambiente rural, ora o lamento do caipira que foi obrigado a abandonar o campo para sofrer na poluída cidade grande. Não faltam também referências sempre presentes na música caipira como as festas na roça, as populares e as religiosas como a folia de reis e a dança de São Gonçalo.
E há também uma peça instrumental, “Lamento Latino”, de Índio Cachoeira. Sou grande admirador do seu trabalho e do seu virtuosismo como instrumentista. Autodidata e luthier que fabrica os próprios instrumentos, Cachoeira carrega toda uma tradição de grandes violeiros e é dono de uma técnica singular e impecável. Recomendo muito ouvir seus dois discos de solos de viola caipira. Enfim, “Ponteando Tradições” é um disco que precisa ser ouvido por quem gosta da música caipira tradicional e por violeiros que querem estudar os ritmos como o pagode de viola, cururu e as modas.
Ricardo Vignini tem uma história bem diferente. É um roqueiro de origem, mas que em determinado momento encontrou e abraçou a viola. Aí fica a dúvida se ele trouxe a viola para o rock ou o rock para a viola. Ele vem fazendo há um bom tempo com o violeiro Zé Helder a dupla Moda de Rock, onde interpretam clássicos do rock com duas violas caipiras e sobre o qual já escrevi. É um autêntico trabalho de fusão de estilos por valorizar nos arranjos os ritmos típicos de viola. Em seu último trabalho, o disco “Rebento”, ele mostra o devido respeito à linguagem caipira, mas sem se prender a estilos e sempre deixando claro a sua veia roqueira. Seja em músicas onde o rock seja a tônica, como em “Beijando o Céu”, onde faz uma homenagem nada disfarçada a Jimi Hendrix, ou nos seus solos e ponteios em músicas que remetem à música caipira como “O Bonde dos Fontes”.
O disco conta com participações especiais que deram um colorido muito legal, como a gaita de Sérgio Duarte e a percussão do veteraníssimo Marcos Suzano, ambas na faixa “Pé Vermelho”, além da criativa percussão de André Rass, parceiro de Vignini em seu outro projeto, a banda “Matuto Moderno”. Merece nota também o belíssimo piano de Ari Borger em “Ventos de Novembro”, mostrando que a viola conversa bem com outros instrumentos harmônicos. Vignini com seu disco confirma que a viola caipira não só está passando por um renascimento e um crescimento sem precedentes, mas também que sua sonoridade permite navegar em mares que passam longe da música caipira, sem limite de rótulos ou ortodoxias de estilos.
E assim a viola segue expandindo limites e nos encantando com sua sonoridade. Seja no trabalho tradicional de Índio Cachoeira e Santarém, ou na renovação promovida por Ricardo Vignini, a certeza é que esse instrumento vai continuar nos surpreendendo.
O “Disco do Tênis”
16 de Janeiro de 2018, por Renato Ruas Pinto 0
Em 2017, comemoram-se 45 anos do primeiro disco solo de Lô Borges, aquele apelidado de “Disco do Tênis” por conta da inusitada capa que retrata seu surrado par de tênis. Um disco gravado por um jovem que completava 20 anos naquele momento e, apesar da pouca idade, já tinha mostrado do que era capaz no lendário “Clube da Esquina”. Foi gravado em parceria com Milton Nascimento no ano anterior.
Para comemorar o aniversário e resgatar esse importante disco da música brasileira, o músico e compositor – e profundo conhecedor da música do Clube da Esquina – Pablo Castro convenceu Lô Borges a lançar um show executando o álbum na íntegra e com seus arranjos originais. Diga-se de passagem, foi a sua primeira execução ao vivo, pois Lô Borges, como mostrarei mais abaixo, nunca fez uma turnê do disco e se afastou da música por um tempo após o seu lançamento em 1972. Assim, antes de falar do show, é preciso contar um pouco dessa história.
Lô Borges havia acabado de gravar seu primeiro disco, o “Clube da Esquina”, no qual assinou oito canções em uma verdadeira seleção de obras-primas que inclui, entre outras, “Nuvem Cigana” e “O Trem Azul”. A gravadora Odeon apostou as fichas no seu talento e assinou com Lô Borges um disco solo, para sair na sequência. O compositor tinha, porém, pouca bagagem e estava, literalmente, com o baú de composições vazio. Entretanto topou o desafio e gravou o “Disco do Tênis” em um ritmo frenético. Com o estúdio já agendado, a rotina era pesada, como ele descreve no seu depoimento ao site Museu Clube da Esquina: “é um disco que eu fiz sob pressão. [...] Eu não tinha as músicas para fazer o disco, então eu compunha a música de manhã, o Márcio Borges fazia a letra à tarde e à noite eu ia para o estúdio e botava na roda para os músicos fazerem os arranjos comigo”. Durante o show, ele contou que teve música para a qual ele mesmo foi obrigado a fazer a letra momentos antes de entrar em estúdio, por não ter um letrista disponível.
Após o lançamento, Lô Borges estava esgotado e resolveu se afastar do mundo da música e shows para amadurecer como compositor. O resultado foi um hiato entre o “Disco do Tênis” e o seguinte, “Via Láctea”, que saiu somente em 1979. Além disso, o “Tênis” ficou sem uma turnê de divulgação, o que foi um dos motes para o resgate proposto por Pablo Castro, ao recrutar a banda e dirigir o show. Esse resgate foi mais do que oportuno, não só pela qualidade artística de um grande disco, mas também pelo seu valor histórico. O álbum é um retrato do nascimento e consolidação do Clube da Esquina como um movimento musical que revolucionou a música brasileira com suas harmonias inusitadas, novas temáticas de canções e a fusão da MPB com influências como o rock dos Beatles.
O resultado foi um show que fez justiça ao disco pela fidelidade aos arranjos originais. E isso por si só é um desafio e tanto pela complexidade das composições de Lô Borges, que combinam harmonias não tradicionais e melodias nada triviais. Além disso, o músico aproveitou todo o show para contar histórias sobre a composição e gravação de várias músicas, o que deu um ar de uma audição guiada bastante rica, não só pela contextualização das mesmas, mas também por algumas histórias divertidas. É legal ver que a resposta do público foi positiva pela agenda que envolveu várias cidades e pelo ótimo clima no dia do show, quando assisti ao último do ano no fim de dezembro, em São Paulo. Espera-se que o projeto não pare por aí e continue levando esse trabalho, acompanhado da venda do disco em vinil, por esse nosso Brasil, carente de conhecer a história da MPB e seus grandes artistas.
E o disco em si? É assunto para ser retomado em outra coluna, mas fica o convite para o leitor buscar na internet ou plataformas de streaming e descobrir um excelente álbum que mostra o quanto o Clube da Esquina foi inovador e renovador dentro da música brasileira.
(Aproveito para agradecer ao amigo historiador e pesquisador de música popular Luiz Henrique Garcia pela indicação de material de leitura para esse artigo).
Música plena
12 de Dezembro de 2017, por Renato Ruas Pinto 0
De tempos em tempos surge a oportunidade de ver um grande show, daqueles que você sai quase sem acreditar na qualidade do que ouviu e maravilhado com os caminhos que a música é capaz de percorrer quando tem artistas de calibre a seu serviço. Eu tive a felicidade de assistir ao show do disco “Dos Navegantes”, lançado esse ano pelo trio incrível composto por Edu Lobo, Romero Lubambo e Mauro Senise e as sensações foram aquelas e outras tantas. São artistas que deveriam dispensar apresentações, mas essa não é a realidade da música popular brasileira, que está fora da grande mídia e não presta o mínimo de reverência que alguns artistas merecem.
Romero Lubambo é um violonista e guitarrista radicado nos Estados Unidos há mais de trinta anos, e lá construiu uma carreira sólida, além de ser um requisitado músico de estúdio. A qualidade e a precisão do seu violão explicam porque ele já tocou com artistas de uma lista que inclui Wynton Marsalis, Paquito D’Rivera, Yo-Yo Ma e muitos outros. Mauro Senise é um brilhante saxofonista e flautista e que também tem no currículo participação em discos e shows da nata da MPB como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e Toninho Horta. Além disso, fez parte de grandes grupos de música instrumental, com destaque para o Cama de Gato, um inovador grupo de jazz fusion com sotaque brasileiro do qual Senise foi um dos fundadores.
Edu Lobo, por sua vez, é praticamente um capítulo a parte da música brasileira. Com apenas vinte e dois anos conquistou o festival da TV Excelsior com “Arrastão”, uma parceria com Vinícius de Moraes, em uma interpretação que revelou Elis Regina ao grande público. Em 1967 fez história no festival da TV Record ao ganhar com “Ponteio”, uma parceria com o poeta Capinan, concorrendo contra canções que se tornaram históricas como “Roda Viva” de Chico Buarque e “Domingo no Parque” de Gilberto Gil. Depois envolveu-se em alguns projetos que marcaram época como as trilhas dos espetáculos “Arena Canta Zumbi” e de “O Grande Circo Místico”, esse em parceria com Chico Buarque. Edu Lobo é, sem dúvidas, um dos maiores melodistas de música popular – e não estou falando só de MPB – e seu estilo sofisticado influencia compositores até hoje. E a ideia da gravação de “Dos Navegantes” veio justamente após uma homenagem de Senise e Lubambo a Edu no disco “Todo Sentimento”, lançado antes pela dupla e para o qual convidaram Edu para cantar duas canções.
Após a gravação, tiveram a ideia de um álbum somente com faixas menos conhecidas de Edu em uma formação enxuta, o que deu destaque à interpretação de Edu e às suas melodias. Assim, “Dos Navegantes” foi gravada somente com os sopros de Senise e o violão de Lubambo, que é uma orquestra por si só, e o contrabaixo de Bruno Aguilar, além do apoio em algumas faixas da percussão de Mingo Araújo e o piano do grande Cristóvão Bastos. O resultado é incrível e de uma beleza ímpar, o que só confirma o talento de Edu Lobo como melodista e o virtuosismo de Senise e Lubambo. De quebra, Edu mostra qualidade como vocalista, capaz de interpretar as suas difíceis melodias, o que não é tarefa para qualquer cantor. Curiosamente, das onze faixas, somente “Noturna”, o encerramento do disco, é instrumental. As demais são composições de Edu com parceiros antigos: Chico Buarque, Capinan, o mestre das letras Paulo César Pinheiro, Cacaso e Ronaldo Bastos. O clima do disco, não só pela delicadeza do conjunto instrumental escolhido, mas também pelo repertório, é bastante intimista. Com o show não foi diferente, apesar de que ao vivo deram uma apimentada no repertório com algumas canções mais quentes e conhecidas de Edu.
É uma experiência sempre especial ouvir música sendo tocada na sua plenitude: músicos virtuosos, canções de primeira linha e interpretações sinceras. Não é sempre que se reúne um elenco desse quilate, o que confirma a vocação do Brasil para a produção de músicos excepcionais. Pena que muitas vezes o nosso próprio país não os dá o devido reconhecimento.
“Vida difícil de levar”
14 de Novembro de 2017, por Renato Ruas Pinto 0
Seguindo com os bons lançamentos do ano, vou pegar carona na última coluna na qual mencionei o Coletivo Casazul. O disco da vez é de outro artista que faz parte do coletivo, o Luiz Gabriel Lopes, que trouxe à luz o álbum “Mana”. Eu o conheci quando assisti ao lançamento do seu disco “O Fazedor de Rios” e fiquei impressionado com o seu trabalho de compositor – vale destacar a qualidade de suas letras e melodias – e no palco também. Comecei a seguir mais de perto sua produção e a outra surpresa foi a extensão do seu trabalho não só solo, mas com outros grupos.
Luiz Gabriel leva vários trabalhos em paralelo, com destaque para o grupo “Graveola e o Lixo Polifônico” (ou só Graveola mesmo) e o trio “Tião Duá”, além de participação em discos de outros artistas ou mesmo como produtor. Seguindo suas movimentações nas redes sociais, logo se percebe que é um artista que está em constante movimento, tocando em todos os cantos do Brasil e até em excursões para o exterior. E nessa agitação ainda sobra tempo para mais um trabalho solo de qualidade, o “Mana”. O disco, que guarda similaridades com “O Fazedor de Rios”, mostra que Luiz Gabriel tem um trabalho bastante coerente e com uma marca pessoal bem nítida.
Analisando o trabalho de artistas da chamada “nova MPB” e que tiveram algum sucesso comercial, eu fico com uma sensação de que o que predomina é a leveza e doçura das canções. Ambas são importantes e necessárias, afinal, também é função da música nos fazer esquecer das amarguras da vida de vez em quando. Porém, há horas nas quais penso que falta um pouco de energia para que as composições não descambem para a irrelevância e acabem sendo chamadas, na melhor das hipóteses, apenas de “fofinhas”. Luiz Gabriel, por sua vez, consegue fazer um disco que predomina a leveza, mas com músicas que promovem um casamento muito interessante de melodia, ritmo e letra que trazem peso e relevância ao conjunto. Em outras palavras, é o tipo de música que, ao mesmo tempo, faz o seu corpo se mexer com a pulsação, mas também te faz prestar atenção na letra e pensar. Diga-se de passagem, uma combinação que poucos artistas conseguem fazer com frequência e o melhor exemplo talvez seja Gilberto Gil.
Sobre o disco em si, é um trabalho autoral e Luiz Gabriel só não assina uma das faixas, “Matança”, de Augusto Jatobá. O instrumental é econômico, mas de ótimo gosto. Contando, na maioria das faixas, com somente bateria, contrabaixo, flauta e sua guitarra ou violão, Luiz Gabriel mostra mais uma vez que sabe conduzir os arranjos e tirar um ótimo resultado dessa formação enxuta e entrosada. Tal como eu já havia observado em “O Fazedor de Rios”, Luiz Gabriel não se prende a estilos e o disco desfila vários ritmos, do baião a uma tradicional balada, mas sem perder a coerência ao longo do álbum ou soar confuso. Finalmente, é justamente essa coerência que me atrai pelo gosto de se ouvir um álbum que passa longe de ser só um apanhado de canções mas, ao contrário, tem algo que conecta as canções, ainda que seja difícil definir o que traz essa unidade.
Sobre a produção do disco, Luiz Gabriel apostou de novo no financiamento coletivo com recompensas interessantes que incluíam até shows particulares para os mecenas mais generosos. O resultado é mais um trabalho produzido na raça por um artista que sabe se virar. Como citei antes, nas redes sociais logo se vê que, como diz a música, o artista vai aonde o povo está. Com uma agenda agitada, Luiz Gabriel está sempre na estrada, seja com banda ou só com seu violão. E não nos resta nada senão aplaudir o artista que, mesmo tão jovem, já tem uma produção digna de nota e apoiar a sua batalha em um país que prefere reclamar da música empurrada pelos grandes veículos ao invés de se antenar no que está acontecendo no bar ou no pequeno teatro. Como o próprio Luiz Gabriel canta na faixa “Música da Vila”, “vida fácil de artista é difícil de levar”. E que ele siga na luta.
Revoada de música boa
08 de Outubro de 2017, por Renato Ruas Pinto 0
Eu disse na minha última coluna que o ano está quente em termos de lançamentos e vou continuar comentando aqui o que tenho ouvido de bom. Desta vez vou comentar um lançamento da mais alta categoria: “Revoada” de Irene Bertachini e Leandro César. Antes de apresentar do disco, faço primeiramente algumas observações sobre o Coletivo Casazul.
O Coletivo Casazul (visite www.coletivocasazul.com), mais do que uma reunião de artistas, também é um espaço que conta com estúdio e de onde têm saído trabalhos autorais impressionantes, inclusive alguns que já comentei aqui ou na página da Trilha Sonora no Facebook (@TrilhaSonoraBR). Os artistas colaboram nos discos uns dos outros e produzem discos solos ou em conjunto. Dada a qualidade, volume e consistência da música que está sendo produzida ali, talvez o coletivo possa ser chamado, no futuro, de “movimento”. Irene e Leandro fazem parte do coletivo e esse lançamento confirma a qualidade sobre a qual estou falando.
Irene Bertachini é o que se pode chamar de artista completa: compositora, ótima violonista e flautista e dona de uma voz lindíssima. Já sigo o trabalho dela junto ao coletivo “Amostra Nua de Autoras” e o solo também. 0uça o excelente “Irene Preta, Irene Boa” para o qual só tenho elogios. Leandro César, além de multi-instrumentista se dedica à experimentação e criação de instrumentos. Já ouvia bastante outro trabalho com a participação dele – o grupo Ilumiara e o seu ótimo disco homônimo – e tinha ideia da qualidade de seus arranjos e como instrumentista. A parceria foi extremamente feliz e produziu um disco de altíssimo apuro instrumental e arranjos de primeira, a maioria assinada por Leandro. O vocal fica a cargo de Irene, com sua voz precisa, cristalina e interpretação que sabe o momento de ser delicada ou incisiva, apesar de que este disco esteja mais para o delicado. Em tempos de mp3 tocando em sequência aleatória, ou de listas pré-estabelecidas pelas plataformas de streaming, é sempre uma satisfação ver artistas se dedicando a construir um álbum com canções que se encadeiam e se completam para serem ouvidos na íntegra.
Quando falo em álbum, vale destacar o belo trabalho das capas e encarte que contam com um trabalho gráfico muito legal e algo bastante curioso. Mais do que a conexão subjetiva entre as canções e arranjos, há um fio que conecta todas as páginas do encarte, ligando fisicamente as canções da capa à contracapa. Voltando às músicas, Irene e Leandro assinam quase todas as faixas com parcerias entre si ou outros compositores. O convidado que aparece com destaque é o carioca Thiago Amud, um compositor da nova geração, que merece ser escutado e que assina duas faixas e canta em uma delas.
Nesses dias de composições fáceis, monopólio comercial de um estilo e artistas de uma só música, um disco do naipe de “Revoada” é um oásis de criatividade. E é também uma linha de resistência de um tipo de música que um dia foi regra no nosso país e hoje é quase exceção, lutando como uma “guerrilha” promovida de forma independente. Falando em disco independente, esse foi gravado através de um convite de um centro dedicado à música ibérica em Portugal. Entretanto, ao que parece estar virando regra para trabalhos do tipo, contou com uma campanha de financiamento coletivo para ser finalizado. Então não se pode deixar de louvar também a coragem dos artistas, não só por propor um tipo de música que tem passado longe do sucesso comercial, mas também por se empenhar em um projeto de tal envergadura, trazendo à luz um trabalho complexo, que é irretocável das músicas ao trabalho do encarte. Disponível nas plataformas digitais de streaming e até no Youtube, não há desculpa para não ouvir “Revoada”. Mas ainda assim recomendo conhecer o CD e seu belo encarte, que acrescentam um gosto extra na audição