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1969 e o fim do sonho

17 de Setembro de 2019, por Renato Ruas Pinto

No mês de agosto comemoraram-se os 50 anos do festival que marcou uma época e se transformou em um marco da cultura moderna: o festival de Woodstock. Desde seu acontecimento, ele foi tema de músicas, filmes, livros e referência recorrente na cultura popular. Ele não foi o maior festival de música e pode-se discutir se foi o mais importante. Mas ainda assim, fixou-se no inconsciente coletivo e é louvado a ponto de entrar no campo da mistificação de suas narrativas. Tal como mito, hoje é difícil separar realidade e lenda daquilo que se fala a respeito. Independentemente das idealizações, o festival foi um momento crítico e conseguiu ser, ao mesmo tempo, o ponto alto e talvez o encerramento de um capítulo incrível da história recente que envolve toda a revolução musical e de costumes causada pelo rock e passagens fascinantes como o movimento hippie.

O rock havia mudado de patamar. Além de ritmo musical, passou a ser um influenciador de comportamento, moda e estética. No campo musical, na trilha aberta por Bob Dylan e pelo álbum “Sergeant Pepper’s” dos Beatles, o estilo se tornava denso para se converter em voz de uma geração. Em 1967 acontece o “Verão do Amor”, que reúne em San Francisco hippies que esperavam novos tempos. No mesmo ano, tem lugar o festival Monterey Pop, na Califórnia, pioneiro dos grandes eventos e que apresenta uma seleção de artistas de fazer inveja. Já em 1968, parece que o mundo estava a ponto de explodir, com agitações em todos os continentes.

Paris ardia em chamas em maio enquanto a ofensiva do Tet no Vietnã apontava para a impossibilidade dos EUA de vencerem uma guerra que já era contestada no país. No Brasil a ditadura endurecia e o 5º Ato Institucional baixado pelos gorilas jogaria o país em anos de trevas. Na antiga Tchecoslováquia, o plano de se instalar um socialismo mais liberal é esmagado pelos tanques soviéticos. Assim, no ano seguinte, a realização de um festival que prometia três dias de paz e amor seduziu a juventude. Vários artistas declinaram o convite para participar, mas alguns admitiriam depois o arrependimento por não participar daquele momento histórico. O público, porém, superou as expectativas dos organizadores e invadiu a pequena cidade de Bethel, no estado de Nova Iorque. Como os portões foram abertos para evitar confusão, nunca se saberá quantas pessoas compareceram, mas a estimativa mais aceita dá que cerca de 400.000 participaram do evento.

Após uma sucessão de grandes shows, talvez muita gente tenha saído de lá cheio de esperança com o futuro. Essa vibração inspirou imediatamente a belíssima canção “Woodstock”, de Joni Mitchell, que, ironicamente, não participou do festival, mas ficou fascinada com os relatos do parceiro David Crosby, do Crosby, Stills, Nash & Young, que lá estiveram. Porém, o que se sucedeu depois não confirmou as expectativas de um novo mundo. A guerra do Vietnã não acabou, o mundo continuou dividido entre o capitalismo, socialismo e um cinturão de pobreza e o movimento hippie começou a declinar. O rock, por sua vez, entra em uma fase de menos inocência e mais olho no dinheiro. Começa o tempo das grandes turnês com shows em estádios gigantes e toda sorte de excessos.

No ano de 1969, alguns eventos ajudariam a reforçar a sensação do fim do sonho. Os Beatles gravariam o seu último álbum, o “Abbey Road”, enquanto os Rolling Stones ficariam marcados pelo assassinato de um expectador no festival de Altmont. O que pretendia ser uma espécie de Woodstock na Costa Oeste terminou com a violência dos temidos motoqueiros Hell’s Angels, contratados para fazer a segurança do evento.

Assim, Woodstock, com tudo o que aconteceu e foi fantasiado ao seu redor, parecia ser um farol da nova era de aquário, mas acabou se tornando talvez o último ato de um sonho. Seria ele o mais importante festival de todos os tempos? Creio que sim. Deixem-se de lado os números, as histórias e estórias. É um marco que será lembrado por muito tempo como símbolo de um mundo de paz sempre possível.

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