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A beleza e a fúria da natureza

25 de Fevereiro de 2025, por Renato Ruas Pinto

As belezas que a natureza nos propicia são sempre fontes de inspiração e relaxamento. Mas a mesma natureza que encanta também traz medo e destruição. O documentário “À sombra do vulcão” (“Under the volcano”, no original) conta uma história interessante que mostra esses dois lados. No final dos anos 70, George Martin, o consagrado produtor dos Beatles, resolveu abrir um estúdio na pequena e empobrecida, mas paradisíaca, ilha de Montserrat, no Caribe. Pelo estúdio passaram artistas do quilate de Paul McCartney, Rolling Stones, Dire Straits, Elton John e The Police e discos notáveis foram gravados lá. A soma de discos que entraram para história, um lugar exótico e um desastre de proporções bíblicas são os ingredientes que dão o tom do ótimo documentário.

George Martin foi o produtor que levou os Beatles a explorar o máximo de seu potencial criativo e a fazer história. Em 1965 ele deixou de ser o responsável pelo selo Parlophone, ligado à EMI, e fundou sua própria companhia, a Associated Independent Recording (AIR), que contava com um estúdio de alta qualidade em Londres. Navegando de barco com a família no Caribe, conheceu Montserrat e fez uma casa na ilhota, que tem pouco mais de 100 quilômetros quadrados e uns 4.000 habitantes. Vislumbrou a ideia de montar um estúdio na ilha, com acomodações para os músicos e técnicos e que serviria como uma espécie de retiro para a produção dos trabalhos. A ilha era servida por voos comerciais apenas de aviões de pequeno porte e não dispunha de rede hoteleira. Assim, os envolvidos na produção eram obrigados a passar os dias totalmente concentrados no trabalho em estúdio.

Foram muitos os desafios para se montar, em um lugar remoto, um estúdio à altura dos melhores do mundo. Somente a joia da coroa do estúdio, uma sofisticada mesa de mixagem de 46 canais, pesava mais de uma tonelada e pode ser vista no filme sendo transportada precariamente sobre tambores de metal para ser colocada no local. Somem-se à mesa os equipamentos para gravação em fita em vários canais, amplificadores, pianos e teclados, microfones de alta qualidade e dá para se ter ideia da complexidade do empreendimento. Imagino que em uma ilha tão pobre não devia haver uma rede elétrica de qualidade, o que possivelmente obrigou a instalação de geradores e equipamentos necessários para gerarem um sinal elétrico potente e com a estabilidade requerida pelos eletrônicos sensíveis.

Superada a montagem, o desafio era não só convencer os artistas a se deslocarem para uma ilha distante, mas também conciliar suas concorridas agendas com um retiro pelo tempo que a gravação de um disco exigia. Além disso, ainda que o estúdio contasse com chefes de cozinha e funcionários totalmente à disposição dos músicos, provavelmente as instalações não estavam à altura do luxo a que esses clientes VIPs estavam acostumados. Ainda assim, as belezas naturais e o clima tropical eram um convite ao relaxamento.  Podem-se ver no documentário os artistas gravando trajando calção, camiseta e chinelos e com bronzeados de fazer inveja. Nos intervalos, ainda podiam se divertir velejando ou fazendo aulas de surf com os moradores da ilha.

Nos dez anos em que o estúdio operou, produziu discos dos mais diversos estilos. Do pop do Duran Duran ao heavy metal do Black Sabbath. Vários artistas passaram por lá e alguns várias vezes, como Elton John, que registrou três álbuns. No final dos anos 80, porém, o cenário da música estava mudando e empresários não viam com bons olhos essa dinâmica de retiro por vários dias, de modo que o estúdio foi desativado. Em 1995, uma boa parte da ilha foi devastada pela erupção de um vulcão. Isso criou uma zona de exclusão no território que forçou uma parte da população a ir embora. George Martin, inclusive, organizou um grande concerto beneficente para arrecadar fundos e que ficou registrado no show “Music for Montserrat”. Hoje as instalações do estúdio ainda estão lá, mas completamente abandonadas e virando ruínas. Se as paredes pudessem cantar, com certeza sairia música da melhor qualidade.

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