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A pandemia e as artes

21 de Julho de 2020, por Renato Ruas Pinto

Infelizmente escrevo esta coluna ainda vivendo sob o fantasma de uma pandemia sem precedentes. Além de estarmos pagando o mais alto dos preços – a perda de vidas – estamos assistindo a uma crise social sem tamanho, com várias pessoas perdendo todo o seu sustento porque suas profissões demandam exatamente aquilo que precisa ser evitado, o contato social. Uma das categorias mais afetadas é a dos profissionais envolvidos com artes e entretenimento. Sem shows e com teatros e cinemas fechados, há uma massa enorme de profissionais que do dia para noite perdeu todas as possibilidades de trabalho.

Aí alguém pode lembrar que estão acontecendo as transmissões ao vivo, as lives, além dos vídeos no YouTube ou outros canais que remuneram os artistas. Sim, é fato que todo dia tem uma live rolando e algumas excelentes, por sinal. Porém, alguns esclarecimentos são necessários. O primeiro diz respeito ao modelo de remuneração de canais como YouTube ou o streaming (Spotify, Deezer e afins). Todos pagam aos artistas somente frações de centavos por execução de música ou vídeo de modo que só ganha dinheiro para valer quem consegue ter seu material visto ou ouvido centenas de milhares ou milhões de vezes. Assim, quem consegue faturar nestas mídias são aqueles que já têm grande público e, provavelmente, têm menos problemas financeiros para atravessar a pandemia.

O segundo esclarecimento é definir o que é o segmento de artes, cultura e entretenimento. É muito fácil lembrar do artista, quem está na frente do palco. Porém, existe toda uma indústria ao redor para fazer a máquina andar. Além dos músicos de apoio ou banda, ainda temos os profissionais da iluminação e som e os responsáveis por cenário, figurino e maquiagem. E há funções de apoio importantes como os funcionários do espaço de shows (da portaria à manutenção e limpeza), o transporte de artistas e equipamentos, as equipes de marketing e vendas de ingressos e vale contar até os atendentes da lanchonete do teatro. Pesquisas mostram que este setor da economia tem o tamanho próximo ao da nossa indústria automobilística em termos do dinheiro que ele gira. E daí podemos concluir o tamanho do estrago e a quantidade de profissionais e famílias afetados pela pandemia e que não podem se virar com lives e ou venda de músicas.

E para minimizar o impacto da crise, o que podemos fazer para apoiar o setor? Como país, precisamos garantir que estes profissionais estejam incluídos nos programas assistenciais do governo. Felizmente, alguns artistas de envergadura como Milton Nascimento e Gilberto Gil ajudaram com lives beneficentes para fundos de ajuda para profissionais das artes. Então fique de olho nesses eventos e, se possível, contribua. Finalmente, você pode contribuir também direto para os artistas independentes.

Voltando à questão da remuneração dos artistas, a internet nos trouxe uma facilidade de acesso à informação, mas trouxe junto um pensamento não muito correto de que agora tudo tem que ser gratuito. Conhecimento, música e notícias ao alcance do clique e sem custos. Se por um lado isso teve um efeito positivo de democratizar o acesso, por outro causou um impacto muito grande em quem produz conteúdo, seja ele música, livro ou até mesmo jornalismo.

A produção de conteúdo de qualidade demanda dinheiro, seja para contratar músicos para o estúdio ou para manter uma página na internet. Falando especificamente de música, se a pirataria praticamente matou a venda de música em discos – e até a venda de mp3 como o iTunes fez por muito tempo já não existe mais – o artista passou a depender quase exclusivamente da renda de shows. Hoje, sem o show remunerado, é hora de mudarmos a nossa postura de consumidor e valorizar o trabalho dos profissionais. Por exemplo, comprando música como fazíamos antigamente. Alguns artistas têm feito pré-venda de seus trabalhos antes de disponibilizar no streaming. E outro dia vi um artista anunciando um novo álbum, mas somente com venda pela internet e deixou claro que não iria disponibilizar no Spotify tão cedo.

Enfim, creio que é hora de repensarmos nossa atitude e valorizar o trabalho dos artistas e autores, em especial os pequenos e independentes. Valorize o artista independente de sua preferência comprando sua obra, seja um livro, sua música ou quadros. Se você gosta do que ele ou ela produz, só assim podemos mantê-los capazes de nos alimentarem com sua arte, alimento mais que essencial para a alma. E não se esqueça de atitudes simples e que ajudam a dar visibilidade ao trabalho deles: assinar canais no YouTube, curtir e divulgar nas redes sociais. Não custa nada e ajuda a aumentar a visibilidade de quem merece e precisa.

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