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As pequenas casas de show

14 de Maio de 2019, por Renato Ruas Pinto

Em minhas viagens, sempre que vou a uma cidade com tradição musical, faço questão de ir a casas de show para conhecer a música local. O tempero costuma ser melhor em casas menores, onde se tem a chance de ouvir artistas menos conhecidos e mais autênticos. Tive a felicidade de ir a pequenos clubes que impressionaram pela qualidade da música ali executada e pelo absoluto respeito da plateia para com os artistas – um tipo de relação entre público e música que não costumo ver com frequência em nossas terras.

Nova Iorque, por exemplo, é uma das mecas do jazz. Na cidade ainda sobrevivem clubes com décadas de existência, como o Birdland, fundado em 1949 e no qual já tocaram todas as lendas do jazz, como Charlie Parker, Miles Davis, John Coltrane e outros. No tradicional bairro boêmio do Greenwich Village, há algumas dúzias de pequenas salas dedicadas ao estilo, como o Village Vanguard, em atividade desde 1935, o famoso Blue Note, ou espaços quase escondidos, como o Smalls Jazz Club. Esse último faz jus ao nome (small é “pequeno” em inglês). É um porão tão minúsculo que, se você passar desatento na rua, quase não vê a pequena porta que dá acesso ao subsolo. Esses clubes possuem algumas características em comum. Em todos há uma preocupação muito grande com a qualidade do que se toca lá e com a curadoria da programação. A segunda, e que mais chama atenção, é o respeito do público pelos artistas. Durante as execuções, ainda que haja serviço de bebidas, o silêncio absoluto impera na plateia, que só conversa nos intervalos.

Em um passado distante, havia no Brasil, ao menos nas cidades maiores, pequenas casas de show que prezavam pela qualidade do que se tocava. E a plateia ia por conta do show, não necessariamente por conta da cerveja ou dos tira-gostos. No começo dos anos 60, quem se arriscasse a ir no tradicional edifício Malleta, no centro de BH, na boate Berimbau, talvez topasse com um ainda desconhecido Milton Nascimento tocando contrabaixo com seu parceiro Wagner Tiso. Ou, nos anos 50, quem passou pelo hoje lendário Beco das Garrafas, uma pequena travessa sem saída em Copacabana, teve a chance de ver a Bossa Nova nascer, além de assistir, ainda no começo de suas carreiras, a artistas que se tornariam lendas, como Baden Powell ou Elis Regina.

De lá para cá, muita coisa mudou. A música ao vivo nos bares continua existindo, porém, na maioria das vezes, como um som de fundo. E ainda há quem reclame do volume do som porque “atrapalha a conversa”... Conheço algumas poucas casas que valorizam a música autoral ou instrumental e onde a plateia guarda o devido respeito e deixa a conversa de lado para apreciar a arte. Porém, fico preocupado ao ler declarações como a do proprietário da casa “A Autêntica”, de Belo Horizonte, que está se firmando como uma referência para shows autorais. Ele disse que somente ingressos e bebidas não são suficientes para fechar as contas, de modo que começou a abrir o local para almoço, a fim de equilibrar os gastos.

Penso que o caminho para o estabelecimento desse tipo de casa passa um pouco por educação do público, não só em termos de audição, isto é, do estímulo para se ouvir coisas novas e originais, e não só artistas e músicas consagradas, mas também de comportamento, no sentido de entender que o momento do show pode ser ocasião de apreciação da música e não de convivência social. Quanto à primeira mudança, creio que há esperança. Na minha cidade, São José dos Campos, há uma unidade do SESC que dá muita abertura para novos artistas e sempre percebo uma boa resposta do público, que prestigia e participa ativamente da programação. Ou seja, espaços que tiverem a coragem de dar tal abertura podem ter uma resposta positiva. Já o segundo aspecto – o comportamento durante o show – talvez seja um pouco mais difícil de mudar. No entanto, se imposto no começo, talvez a plateia se acostume com a ideia. A se ver. Enquanto isso, fico na torcida para que mais espaços assim surjam e que tenham a devida resposta do público. Seria uma utopia minha?

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