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Do coração de Minas

12 de Fevereiro de 2019, por Renato Ruas Pinto

O ano de 2018 foi generoso em bons lançamentos, de modo que ainda não consegui falar por aqui de todos que gostaria. Dois discos, em particular, me chamaram a atenção pela qualidade e pelo sabor mineiro, gosto especial para um mineiro na diáspora, como eu. Os discos em questão são “Nativo”, de Wilson Dias, e “O Anjo Na Varanda”, de Tavinho Moura. Dois artistas completos e de primeira grandeza e com pontos que os unem, como o trabalho dedicado à viola caipira e à música tradicional do interior de Minas.

Tavinho Moura, uma figura central do Clube da Esquina, mostra em “O Anjo na Varanda” mais um álbum à altura do seu talento de compositor e intérprete. Autor de harmonias sempre sofisticadas e melodias nada óbvias, Tavinho reúne um belo time para dar forma a um álbum com gosto de memórias pessoais e afetivas caras a ele. O convidado especial é o competente guitarrista e violonista – mas que no disco se desdobra em outros instrumentos, como o baixo e o trompete – Beto Lopes. Além disso, ainda há convidados de luxo, como o violão de Chiquito Braga, violonista que criou uma verdadeira escola do violão mineiro e influenciou várias gerações, e Nelson Angelo, outro personagem de destaque do Clube. De luxo também são as parcerias do disco: de Ronaldo Bastos e Chico Amaral ao sempre presente Fernando Brant, que assina a maioria das letras, algumas resgatadas da trilha sonora do musical “Fogueira do Divino”.

As melodias surpreendentes de Tavinho Moura têm algo de influência de Edu Lobo, justamente o homenageado na única faixa não assinada por Tavinho: a belíssima “Morte de Zambi”, da lendária montagem “Arena Canta Zumbi”, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri. Tavinho também conta com os ótimos vocais de Mariana Brant, Bárbara Barcelos e Trio Amaranto. A qualidade desse elenco ficou evidente por conta da opção de um arranjo extremamente econômico no instrumental. E, quando se faz essa escolha, tanto instrumentistas quanto cantores precisam se desdobrar, pois não há onde se esconder e os espaços precisam ser bem preenchidos. Enfim, é um disco que optou pela simplicidade, mas que tirou dela uma obra extremamente refinada.

Wilson Dias, com o disco “Nativo”, continua uma sequência feliz de álbuns apoiados na canção e na viola. Depois dos ótimos “Mucuta”, “Picuá” e “Lume”, o artista mostra que ainda tem combustível para soltar um álbum duplo. O primeiro disco é de canções e mantém a tradição dos álbuns anteriores de se calçar na música feita no interior de Minas. Canções que remetem ora à devoção religiosa, ora às cantigas de trabalho do sertanejo. Não poderiam faltar trovas de amor, além de canções populares, que Wilson sempre faz questão de incluir. O segundo disco é instrumental e Wilson mostra mais uma vez que conhece os caminhos intrincados da viola. É um disco autoral, onde o artista assina quase todas faixas ou sozinho ou com o parceiro de longa data, o poeta João Evangelista Rodrigues.

Comprovando a máxima sobre o filho de peixe, a direção artística e arranjos são dos seus filhos Wallace e Pedro Gomes, instrumentistas respeitados (o primeiro é violonista e o segundo é baixista). Para enriquecer o trabalho, o disco ainda conta com participações de artistas bem sintonizados com o estilo de Wilson, como Titane e Rubinho do Vale, além do talentoso violonista Thiago Delegado. Definitivamente, é um disco irretocavelmente costurado de ponta a ponta. E que nos transporta, desde os primeiros acordes, ao sertão mineiro. E bate em mim uma saudade de algo que não sei o que é exatamente. Mistérios da música e da poesia.

Dois álbuns distintos no estilo, mas com várias interseções: a qualidade na simplicidade, autenticidade e, é claro, o peso que ambos os artistas têm na música que é feita em Minas. Tire um tempo para aproveitar com a calma e a paz que a audição desses álbuns exige. Quem conhece Minas vai sentir saudade. Quem não conhece, talvez consiga captar na vibração incrível das músicas um pouco da essência do meu querido estado.

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