Desde o começo desta coluna, eu afirmo que a nossa música brasileira segue criativa e empolgante. Por mais que saudosistas ou até nossas próprias memórias afetivas nos digam que “antigamente é que era bom”, a tese central que defendo aqui segue válida e vai sendo confirmada com lançamentos de ótimos trabalhos e com gratas descobertas de novos artistas. A arte é praticamente uma necessidade humana. Ela nos leva por caminhos interessantes ou misteriosos, nos aquecem, nos questionam e nos trazem conforto ou, vez por outra, um necessário desconforto para nos questionarmos ou refletirmos sobre o mundo. E enquanto houver artistas preocupados em nos trazer coisa nova e relevante, eu seguirei divulgando e recomendando.
Os artistas que trago desta vez não são novidades na coluna: Makely Ka e Pablo Castro. Os dois, juntos com Kristoff Silva, lançaram em 2003 o álbum “A Outra Cidade”, pedra fundamental do movimento que ficou conhecido como o “Reciclo Geral”, que já foi tema de outra coluna (leia em bit.ly/reciclogeral). Aquele disco, ainda que coletivo, já apontava que as trilhas musicais percorridas por Pablo e Makely eram bem distintas entre si e mostrava a qualidade e originalidade de ambos. De lá para cá, os dois seguiram seus caminhos e produziram ótimos discos, como o “Anterior”, de Pablo, ou o “Cavalo Motor”, de Makely. Agora eles voltam com mais dois excelentes trabalhos e que merecem audição atenta.
Makely Ka: Triste Entrópico (2024) – Makely apresenta mais um ótimo trabalho de uma carreira muito produtiva e diversificada, que passa até pelo instrumental, como foi o seu último álbum, “Rio Aberto”. Em um disco totalmente autoral, Makely assina letra e música de todas as faixas e mostra que não só é um músico de talento, mas também um poeta e letrista e tanto. As letras nesse álbum remetem, em grande parte, ao sertão e ao agreste, fazendo com que o disco converse com “Cavalo Motor”, onde Makely retratou o sertão de Guimarães Rosa, que ele percorreu bravamente de bicicleta. Criador de harmonias não convencionais, Makely tem uma sonoridade um tanto peculiar que casa a rítmica de suas melodias com os seus versos, de modo que as palavras ganham tal fluidez que faz com que elas soem como parte da percussão. E falando em percussão, tal como eu seus outros trabalhos, a base instrumental é enxuta, mas competente e arranjada com bom gosto.
Pablo Castro: O Riso e o Juízo (2024) – Há um intervalo razoável entre o segundo trabalho solo de Pablo e seu primeiro álbum, “Anterior”, de 2013. O artista, porém, esteve sempre na ativa e foi responsável, por exemplo, pela direção artística da turnê em que Lô Borges executou ao vivo, pela primeira vez, o seu álbum de estreia, conhecido como “o disco do tênis” (o show está disponível na íntegra no YouTube). A espera pelo segundo álbum valeu a pena e Pablo mostrou mais uma vez que é um compositor de melodias refinadas e um cancionista com todos os méritos. Sobre as canções, elas têm uma característica um tanto contraditória e difícil de se explicar. Suas melodias e harmonias passam longe do convencional e de serem fáceis, mas trazem uma leveza que quase flerta com uma sonoridade pop. O disco, de longa gestação, nos brinda com faixas muito bem produzidas e arranjadas e, mesmo na luta que enfrenta todo artista independente, Pablo não abriu mão do esmero em cada faixa.
Os dois lançamentos só reforçam a minha proposição do início do texto. Pablo e Makely são artistas extraordinários e que estão trazendo dois lançamentos com música original e relevante. Embora eles compartilhem um começo juntos, seus estilos são completamente distintos, o que só demonstra que nossa música continua diversa, rica e com artistas corajosos para seguirem em frente contra todos os obstáculos que o músico independente enfrenta. Há uma renovação enorme em nossa MPB, mas não espere ouvi-la em veículos de massa ou ler sobre seus trabalhos em grandes mídias. Busquem nas redes sociais e nas indicações de quem fala sobre música de verdade.