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João

13 de Agosto de 2019, por Renato Ruas Pinto

Na história da música, temos uma série de nomes que serão sempre lembrados por seus trabalhos inspirados e por terem sido relevantes em algum momento. Porém, quando falamos de artistas que realmente definiram um estilo, seja como um marco fundador ou como causador de uma revolução, a lista de nomes passa a ser contada nos dedos das mãos. Na música erudita, por exemplo, para centenas de grandes compositores, os realmente essenciais se resumem a uma lista que terá Bach, Mozart, Beethoven, Wagner e mais alguns. No rock podemos destacar Chuck Berry, Elvis Presley, os Beatles, Bob Dylan e outros poucos.

Na MPB não é diferente. O Brasil é um celeiro de talentos e qualquer lista de artistas importantes será interminável. Porém, na hora de selecionar os que foram divisores de água, a lista se reduz muito: Pixinguinha, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Luiz Gonzaga, por exemplo. Infelizmente, há um mês perdemos um desses grandes, o mestre João Gilberto, cuja batida de violão e estilo único de cantar o fazem, com justiça, o pai da Bossa Nova, estilo que levou a música brasileira para um sucesso sem precedentes além das nossas fronteiras.

Baiano de Juazeiro, ainda bem jovem começou a sua carreira na música e com sua bela voz logo foi para o Rio de Janeiro tentar a sorte. Era o tempo do samba-canção e dos cantores de voz potente, como Orlando Silva. Apesar de gravar um disco e outros trabalhos, a passagem não rendeu frutos. Decepcionado, João passa por um período isolado na casa da sua irmã em Diamantina, que acabaria sendo uma reconstrução musical em que buscou incansavelmente um novo jeito de cantar e de tocar. Saiu de lá com um estilo que era a antítese dos cantores de então, nos quais um dia se espelhou. Ao invés da potência, entrou em cena um canto delicado, de notas precisas e letra cantada com todo cuidado, com cada sílaba pronunciada perfeitamente. E uma batida que sintetizava o samba e outros ritmos brasileiros e que, em breve, se tornaria quase sinônimo de música brasileira.

Ao chegar ao Rio, João rapidamente causou agitação com a sua batida e encontrou nas composições de Tom, Vinícius e Newton Mendonça o casamento perfeito para seu ritmo. Nascia a Bossa Nova e a lenda de João Gilberto. Ou as lendas, talvez. Vieram na sequência os álbuns que o consagrariam: “Chega de Saudade” (1959) e “O amor, O Sorriso e a Flor” (1960), ambos com a direção de Tom Jobim. O reconhecimento internacional viria após o histórico concerto da Bossa Nova no Carnegie Hall em Nova Iorque e com o disco de grande sucesso internacional, o “Getz/Gilberto” (1964), com o saxofonista norte-americano Stan Getz. João então se tornou uma referência que cruzou gerações muito além dos seus pares da nascente Bossa Nova.

Apesar de sua grandeza e talento, João Gilberto teve uma carreira um tanto errática por conta dos seus comportamentos inusitados e a sua vida reclusa. Nos últimos tempos, infelizmente, seus problemas familiares se tornaram o destaque nas matérias. Porém, chamou a atenção também a batalha que travou por anos com a EMI pelo controle de sua obra. Resumindo, João protestou contra um relançamento das músicas dos primeiros discos, alegando que a gravadora, detentora dos direitos comerciais das obras, modificou as músicas sem sua autorização (trechos cortados e efeitos sonoros acrescentados, por exemplo). É uma história para ser contada em outra oportunidade, mas simbólica dos contratos duvidosos que mesmo grandes artistas como ele e Tom Jobim assinaram naqueles tempos.

De todo modo, João Gilberto era a soma da sua genialidade e excentricidades. A primeira vai ser lembrada sempre e sua influência ainda irá ecoar por muito tempo. Até hoje é impossível aprender violão sem conhecer “a batida do João Gilberto”. Quanto às excentricidades, essas rendem histórias curiosas e divertidas. A única coisa que espero é que sua obra gravada seja tratada o quanto antes com o devido respeito que merece e não volte apenas em lançamentos apressados e com cheiro de “caça-níquel”. Seria muito bom ver seus discos ganharem o tratamento de luxo que merecem.

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