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Mais leituras

12 de Dezembro de 2018, por Renato Ruas Pinto

As férias recentes me renderam leituras interessantes. Ataquei dois livros sobre música que aguardavam na fila e fizeram por valer a espera. Hoje escrevo sobre a obra de Lira Neto, “A História do Samba”, uma boa leitura sobre um tema relevante, com proposta e conteúdo ricos. Lira Neto é um jornalista e escritor já consagrado, com prêmios importantes no currículo. Ganhou destaque recentemente com uma biografia de Getúlio Vargas, mas já teve incursões no mundo da música ao escrever sobre a cantora Maysa.

No recente “A História do Samba”, Lira Neto se propõe a contar em três volumes a trajetória do samba urbano, nascido no Rio de Janeiro, dos seus primórdios até os tempos atuais. O primeiro volume, o único lançado até agora, mostra o nascimento do estilo nos morros e terreiros de candomblé do Rio até sua consolidação nos finais dos anos 40. Livro de leitura agradável, conta como um ritmo de origem rural vindo da Bahia se misturou na cidade não só com outros ritmos de origem afro-brasileira como o maxixe, lundu e as batidas dos cultos africanos, mas também com ritmos importados como a habanera (esse vindo de Cuba e também de origem africana) ou a polca europeia, até desembocar no samba.

Essa origem difusa, em movimentos que ocorrem de forma lenta e progressiva, faz com que seja praticamente impossível definir um marco de fundação, uma data ou a figura de um pai ou inventor. Aliás, o próprio nome do estilo não surge de forma propositada e sim espontânea, já que “samba” era uma palavra de origem africana que designava o ato de dançar ou de divertir-se, de modo que demorou um tempo para ser associado ao estilo musical que nascia. Até um dos marcos do estilo, a música “Pelo Telefone”, de Donga, por muitos considerada como o primeiro samba registrado em disco no país, tem uma história mais intricada e sua primazia é tema de debate no livro. E falando em Donga, o livro conta fatos importantes dos grandes precursores do estilo: Donga, Pixinguinha, Ismael Silva, Sinhô, Noel Rosa e tantos outros.

Ponto forte do livro, as histórias mostram o duro cotidiano de músicos que tentavam levar adiante não só o estilo, mas também os blocos carnavalescos e as nascentes escolas de samba. Estamos falando do começo do século XX, quando a escravidão estava a menos de uma geração de distância, e de um Rio de Janeiro que passava por obras “civilizatórias” (aspas propositais) que empurravam a população pobre para morros e periferias. Fruto do preconceito, os ritmos africanos e suas festas de carnaval ainda eram vítimas de repressão policial violenta. Somente no governo nacionalista de Getúlio Vargas o samba seria promovido como um ritmo genuinamente brasileiro. Outro ponto forte do livro é a narrativa de como surgiram as escolas de samba e os sambas-enredo, movimento que também contou com o apoio governamental e que hoje é um cartão de visitas do país e negócio de cifras milionárias.

A leitura foi boa, mas não posso me furtar de algumas críticas. Não sei se por uma limitação do autor, o livro explora pouco o aspecto musical e do ritmo em si. Gostaria de saber mais como se processou a fusão de ritmos e como o samba tomou forma musicalmente falando. Senti uma lacuna grande sobre o papel do Recôncavo Baiano e sobre o que se tocava lá, limitando-se o livro a apontar a importância de alguns personagens que migraram de lá para o Rio. Ainda sobre música, o livro traz a história de diversas composições que fizeram a gênese do estilo. Algumas são consagradas e fáceis de se recuperar, mas outras necessitam de acesso a acervos especializados. O livro resgata as letras, mas gostaria de ver também uma partitura simplificada com a melodia para conhecer melhor. Por essas e outras, durante a leitura fiquei pensando se o título mais apropriado não seria “Histórias do Samba” por conta dessa falta de uma análise mais profunda do estilo. De todo modo, foi uma leitura muito enriquecedora de um livro bem pesquisado e bem escrito, que recomendo para quem quer saber mais desse que virou um símbolo do nosso país.

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