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Os grupos vocais brasileiros

31 de Julho de 2024, por Renato Ruas Pinto

Houve um tempo em que grupos com ênfase nos vocais bem trabalhados em complexas harmonias foram mais comuns no Brasil. Lembre-se, por exemplo, dos tempos áureos dos festivais e de como a performance do MPB-4, com um arranjo magistral de Magro, integrante do grupo, abrilhantou “Roda viva”, de Chico Buarque. Pode-se dizer que o arranjo em quatro vozes se tornou praticamente indissociável da música. Além do MPB-4, podemos citar outros grupos que ficaram conhecidos, como Os Cariocas, o Quarteto em Cy, Trio Marayá e Os Diagonais.

Esses grupos obtiveram sucesso se apresentando sob a própria bandeira, mas a sua qualidade frequentemente os transformava em convidados de luxo em discos de grandes artistas. Com o tempo, foi ficando cada vez mais raro ver esse tipo de formação por motivos esperados: além do desafio de se reunir grandes vozes, o repertório é necessariamente complexo por conta dos arranjos. E para se fazer o arranjo, muitas vezes precisa-se de profissionais com formação em orquestração ou muita sensibilidade para casar mais vozes de maneira correta.

A complexidade desse tipo de trabalho só faz com que a minha admiração aumente por música feita assim, quando a voz humana se torna o instrumento principal. Por esses dias, tive a felicidade de assistir ao vivo um dos grupos mais tradicionais do país, o Boca Livre. Após um período de turbulência interna no grupo, eles voltaram e mostraram que seguem em forma e emocionando. Recentemente, foram premiados com o prestigiado prêmio Grammy de melhor álbum de Pop Latino, e uma das dicas de audição é justamente o quarteto. Para mostrar que, com todas as dificuldades que citei, o formato resiste, a outra dica é sobre o talentoso Trio Amaranto, que também sempre emociona com vocais incríveis. Não deixem de ouvir.

Boca Livre – “Rasgamundo” e “Parceiros/Pasieros”: o último lançamento do grupo é o álbum “Rasgamundo”. Seus membros assinam várias faixas em parcerias com nomes de peso, como Erasmo Carlos, Márcio Borges e Zeca Baleiro, e mostram a veia autoral. Também recomendo muito ouvir o álbum “Parceiros/Pasieros”, feito em conjunto com o renomado cantor e compositor panamenho Rubén Blades, autor das faixas. O disco é, na verdade, um “dois em um”, já que são dois álbuns, um com as músicas no original em espanhol e outro com versões em português. O álbum foi ganhador do prêmio principal do Grammy (não confundir com o Grammy Latino, que contempla só produções latino-americanas) de melhor álbum Pop Latino. Aliás, esse feito foi vergonhosamente ignorado pela grande mídia, que preferiu destacar o fato de que Anitta não ganhou o prêmio a que concorria no mesmo ano.

Trio Amaranto– “BenditoJazz” e “Amaranto 25 anos”: o trio das irmãs Flávia, Lúcia e Marina Ferraz está em atividade há mais de 25 anos, além de alguns anos atuando como “Flor de Cal”, antes da entrada de Marina no grupo. Como exige o formato, as três são donas de belas vozes e trabalham arranjos incríveis para o repertório de grandes clássicos da música brasileira e da internacional, além de composições próprias. No álbum “BenditoJazz” elas apresentam um interessante repertório de clássicos de Cole Porter e dos irmãos George e Ira Gershwin, acompanhadas do trio do competente baixista Kiko Mitre. O show da comemoração dos 25 anos do grupo não é um álbum, mas está disponível em ótima qualidade de áudio e vídeo no canal oficial do YouTube (@amarantooficial). Nele o trio apresenta um repertório complexo e riquíssimo, onde se pode conhecer a qualidade do trabalho. Além disso, elas possuem uma discografia possível de ser apreciada nas plataformas.

A voz humana é um instrumento e tanto e as possibilidades que a harmonia possibilita são surpreendentes. E quando grandes cantores e arranjadores se juntam para dar vida a uma canção, o resultado é sempre emocionante. É um tipo de trabalho, como dito acima, de alta complexidade e, logo, raro de ser encontrado, o que só aumenta a nossa satisfação e admiração quando podemos ouvir grupos que levam em frente essa tradição.

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