Voltar a todos os posts

Os oitenta anos do bardo

16 de Junho de 2021, por Renato Ruas Pinto

Em maio, uma das figuras mais influentes da música popular completou oitenta voltas ao redor do sol: o cantor e compositor Bob Dylan. Que o rock foi uma das maiores revoluções recentes na cultura e costumes ninguém contesta. E Bob Dylan tem, com todos os méritos, os créditos de uma parte importante nessa revolução. O rock nasceu como um estilo musical para consumo de jovens. Assim, era natural que, nos seus primórdios, o estilo falasse essencialmente de um universo adolescente: festas, carros esportivos, namoros e paixões de verão. Mas, com a chegada de Bob Dylan na cena, a coisa mudaria e o estilo entraria em sua fase adulta.

O próprio Bob Dylan foi atraído pelo rock quando adolescente. Porém, depois de começar a se dedicar seriamente à música com suas primeiras bandas, achou que o rock não tinha substância – como, de fato, não tinha – e virou-se para a música folk estadunidense, que bebia na tradição do folclore e do country, trazendo letras com conteúdo. Ao se mudar para Nova Iorque, logo se envolveu com a cena folk local e, após participar em discos de alguns artistas, conseguiu o contrato para o seu primeiro álbum, “Bob Dylan”, de 1962. A estreia, que continha principalmente músicas tradicionais folclóricas e apenas duas autorais, não teve grande repercussão.

O álbum seguinte, contudo, “The Freewheelin’ Bob Dylan”, tornou-se um marco. Com um repertório quase todo autoral, Dylan mostrou a força de suas letras em canções que se tornaram icônicas, como “Blowin’ in the wind”. Além disso, antenado com o seu tempo e com a luta pelos direitos civis dos negros, seu repertório foi automaticamente incluído entre as músicas cantadas em passeatas. Finalmente, em um 1963, quando os Beatles ainda cantavam canções inocentes, como “She loves you”, Bob Dylan já estava em outro patamar de complexidade de letras, como se pode ver em “A hard rain’s a- gonna fall”.

E o rock? Onde ele entra nessa história de músicas folk acompanhadas só de violão e instrumentos acústicos? Uma troca importante aconteceu em 1964, quando os Beatles, em turnê pelos EUA, conheceram Bob Dylan. O trabalho de Dylan inspirou os Beatles a fazer música mais séria e, ao mesmo tempo, o sucesso dos Beatles e suas guitarras teria feito Dylan buscar audiências mais amplas. Há quem diga que esse foi um dos encontros mais importantes do rock, mas isso é uma opinião e, como tal, pode ser debatida. O fato é que no ano seguinte Dylan usou instrumentos elétricos em um álbum pela primeira vez. E tomou uma sonora vaia quando subiu ao palco do tradicional festival de música folk, em Newport, com uma guitarra em vez do violão.

O rompimento de Dylan com a tradição do folk, além de representar a entrada do rock em sua fase adulta, como já citado, deu a pista do que viria a ser a carreira do artista. Dylan se tornaria um artista descolado de rótulos ou estilos. Em sua extensa discografia, ele passearia com desenvoltura pelo folk, rock, blues, country e até pela música gospel. Dono de uma obra extensa e recheada de grandes discos, Dylan se tornou objeto de uma idolatria incondicional por parte dos fãs. Curiosamente, essa paixão também fez movimentar, desde os tempos das fitas cassetes, um mercado de discos não oficiais de shows ou gravações não lançadas, as chamadas “bootleg”.

Dylan não só rompeu fronteiras dentro da música, mas também de outras artes e se aventurou como escritor e artista plástico. Finalmente, a força da sua escrita – em especial, de suas letras – foi coroada em 2016 com o prestigiado Prêmio Nobel de Literatura. Ainda que o prêmio reacenda uma polêmica antiga sobre classificar letras de música como poesia ou não, é um reconhecimento sem precedentes para um artista popular.

Bob Dylan, enfim, é um artista de primeira grandeza e um dos grandes nomes de nosso tempo. Mais do que a qualidade do seu trabalho, é preciso destacar a extensão de sua influência e o legado que construiu para as artes. Com violão ou com guitarra, não deixe de ouvir Dylan.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário