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Pobre garotinha

17 de Outubro de 2018, por Renato Ruas Pinto

O mundo do rock ficou estigmatizado, não sem razão, pela trindade nada santa de sexo, drogas e rock’n’roll. O primeiro veio na esteira de uma revolução de costumes e libertação dos jovens. As drogas, por sua vez, ficaram associadas à psicodelia e expansão da mente buscadas por artistas como os Beatles, que não tiveram o menor receio de assumir que o LSD serviu de impulso criativo. Ainda assim, drogas desde o álcool e a maconha até as anfetaminas e heroína, sempre rondaram o meio musical e não são segredo os problemas com o vício de artistas como Elvis Presley ou Johnny Cash. E o preço cobrado sempre foi alto. Se hoje se faz piada com a longevidade de Keith Richards, notório consumidor de todo tipo de droga, os excessos ceifaram carreiras promissoras. Uma dessas vítimas foi tema de um excelente documentário, recentemente incluído no catálogo da Netflix: Janis Joplin, cuja vida é mostrada em “Janis: Little Girl Blue”, de 2015.

Carismática, dona de uma voz peculiar e personagem de performances eletrizantes, Janis é mostrada no documentário de uma forma surpreendente para quem tinha apenas uma imagem idealizada da cantora que foi símbolo do rock psicodélico e do movimento hippie. O filme mergulha na sua história e intimidade de uma forma impressionante e mostra que, por trás de uma artista que era pura explosão no palco, existia uma jovem insegura, cheia de complexos, solitária e com uma necessidade incrível de aceitação pela família e amigos. E o faz de maneira muito elegante, sem transformar os traumas de Janis em desculpas para o consumo de drogas ou sem diminuir a cantora. Ao contrário, nos deixa impressionados pela maneira como Janis conseguia se transformar no palco e conduzir o público como qualquer artista sonha fazer.

O documentário mostra sua vida desde seu nascimento em uma família de classe média no conservador e racista estado do Texas. Desde jovem se apaixonou pelo Blues, talvez a epítome da música negra norte-americana. E isso lhe rendeu insultos racistas em sua escola. Além disso, tinha problemas com o peso e espinhas, o que a fez sofrer com a perseguição de colegas adolescentes por toda a vida escolar. E o drama se arrastaria até à faculdade, quando o seu nome foi inscrito à revelia e foi a mais votada no infame concurso “o homem mais feio do campus”, fato que a marcou profundamente. Logo largaria a faculdade e partiria de carona para San Francisco, onde começou a viver como cantora, mas também iniciou seus abusos com drogas. Por conta do vício, ela acaba retornando à sua casa no Texas para se recuperar, mas não pararia de cantar. Ao retornar para San Francisco, ela se torna a vocalista da banda Big Brother and The Holding Company, onde seria lançada ao estrelato na explosão do movimento hippie.

Uma cena tocante é aquela que talvez tenha sido a estreia de Janis no grande show business, a sua performance magnífica no festival Monterey Pop, um dos precursores dos grandes shows de música. O vídeo captura uma apresentação empolgante de Janis e flagra uma atônita Cass Elliot (do grupo The Mamas & The Papas), de queixo caído com o vigor da interpretação. Nesse momento ela se torna um dos símbolos do movimento hippie, mas sem deixar de lado seus fantasmas pessoais e traumas. Janis se preparava para seu grande momento ao se lançar em carreira solo. Ela se tornou muito maior que a Big Brother – aliás, uma banda tecnicamente fraca e que não estava à sua altura – e finalizava um ótimo disco, “Pearl”, quando retoma o vício e é vítima de uma overdose de heroína. O sucesso e a fama não foram suficientes para que uma jovem e insegura garota tivesse uma vida feliz. Ainda assim, Janis Joplin em seus breves 27 anos fez história no rock e se tornou uma lenda que dura até hoje. Enfim, recomendo muito o documentário pela riqueza de depoimentos de amigos e pessoas próximas e por tentar compreender essa figura ao mesmo tempo simples e complexa. E recomendo demais ouvir Janis Joplin cantando, pois é sempre uma experiência e tanto.

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