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Rock e autenticidade

21 de Janeiro de 2020, por Renato Ruas Pinto

Hoje temos vários canais para ouvir música: CD, vinil, mp3, streaming (Spotify e outros) e, curiosamente, até o YouTube, um serviço que nasceu dedicado ao vídeo, mas que hoje é muito usado para se consumir música. Porém, por melhor que seja seu aparelho de som ou fone de ouvido, na minha opinião, nada supera a experiência de se ouvir música ao vivo. O show é a hora da verdade. É quando o cantor mostra suas qualidades ou se vira, mesmo com algum problema na garganta. Ou quando o grupo mostra seu entrosamento e vontade – ou a falta de – de empolgar seu público. Em dezembro, tive a felicidade de ir a um show que surpreendeu e me fez pensar sobre a relação do artista com sua música e público. O show em questão foi de uma banda associada ao nosso rock dos anos 80, a Plebe Rude.

A Plebe Rude foi formada em Brasília no começo dos anos 80 e seus membros faziam parte da “Turma da Colina”, um grupo de jovens que reunia os integrantes dos núcleos de outras bandas que se consagraram na época, como a Legião Urbana e o Capital Inicial. De fato, os anos 80 foram ótimos para o rock nacional e Brasília ganhou fama como celeiro de bandas. A grande influência dos grupos dessa época era o punk. Porém, a Legião e o Capital encontraram caminhos em outras searas, enquanto a Plebe Rude manteve-se fiel ao estilo. Aqui abro um parêntese: para saber mais sobre o rock de Brasília, recomendo assistir ao excelente documentário “Rock Brasília – Era de Ouro”. A Plebe Rude teve alguns altos e baixos, brigas entre integrantes e alguns anos de hiato de 1993 a 1999. Na ativa desde então, preserva dois fundadores: o guitarrista e vocalista Phillipe Seabra e o baixista André X. Em 2004, juntou-se ao grupo o vocalista e guitarrista Clemente, da icônica banda paulista de punk rock Inocentes. O atual baterista, Marcelo Capucci, juntou-se ao grupo em 2011.

O show marcou o lançamento do novo álbum da banda, “Evolução (volume 1) ”. Confesso que nunca fui fã ou conhecedor do trabalho da Plebe Rude. Meu conhecimento se limitava aos seus sucessos, como “Até quando esperar” ou “Johnny vai à guerra”. Atraído mais pela história e reputação do grupo, fui ao show sem saber o que iria encontrar e a surpresa foi excelente. O que vi foi um show de energia alta, uma banda muito bem entrosada e uma sonoridade bem pesada, fiel ao estilo punk. A plateia era em boa parte de fãs apaixonados, que cantaram boa parte das músicas e vibraram com o show. Diga-se de passagem, deu para notar que a banda não conseguiu renovar o seu público por conta da média de idade que se podia observar. Talvez a grande surpresa tenha sido o peso do som e a pegada punk das músicas. Quando se pensa no dito popular “incendiário aos vinte, bombeiro aos quarenta”, percebe-se que ele não se aplica à banda. Além de um show pesado, o espírito contestador do punk ainda se fez visível no teor das novas músicas. Boa parte do repertório veio do novo disco e esta foi outra surpresa positiva: músicas extremamente atuais, letras relevantes e de conteúdo crítico aos dias de polarização política e ataque às artes e ciências em que vivemos.

Isso faz pensar sobre a essência do rock, um estilo do qual se espera contestação e não conformismo. O tempo costuma amansar vários artistas e grupos, de modo que é comum que aquele artista que quebrava tudo no passado hoje tenha uma pegada bem mais leve em suas músicas e performances. Assim, acho muito legal e autêntico quando grupos de rock preservam o espírito do estilo, como os Rolling Stones. Ou os Titãs, que, à medida que a banda encolheu, resgataram a sonoridade mais agressiva do começo da carreira. A Plebe Rude, definitivamente, seguiu nesta trilha sem soar falso ou forçado. Grace Slick, do Jefferson Airplane, há um tempo abandonou a música e disse que não era possível se fazer rock depois de uma certa idade. Felizmente, acho que ela estava errada, como nos provam respeitáveis senhores e senhoras, como Patti Smith ou Keith Richards. E a Plebe Rude, que continua rude e contundente, como o rock precisa ser.

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