A cereja faz a maior festa de Resende, no norte de Portugal


Especiais

José Venâncio de Resende0

O produtor José Fonseca se disse satisfeito com o interesse do público no festival deste ano (Foto José Venâncio)

A queda de produção, fruto de uma combinação inadequada de fatores climáticos (calor, frio e chuvas) durante o ciclo produtivo, nem foi percebida no 13º Festival da Cereja de Resende, nos dias 31 de maio e 1º de junho. Em barraquinhas espalhadas pelo Largo da Feira, produtores e seus familiares vendiam caixas e caixas para um público ávido pela fruta típica da região.

Também barracas de guloseimas (por exemplo, a famosa “cavaca” de Resende feita de farinha de trigo, ovos e cobertura de calda de açúcar) e artesanato local e regional (miniaturas de barcos de madeira, cerâmica, bordados, cestas e doce caseiro) atraíam o público local e regional. Manifestações culturais e recreativas (apresentações musicais, desfiles etc.) animaram os dois dias de festa.    

Nos últimos anos, mais de 100 produtores de cereja têm participado do festival, vendendo entre 3 e 4 toneladas no total, sem considerar a venda avulsa em ruas e beiras de estradas, estima Luís Pinto, do Posto de Turismo. A feira recebe um público de 3 mil visitantes em média (já houve caso de até 5 mil), que chegam ao local a pé (moradores) ou de comboio (trem), autocarros (ônibus) fretados e carros particulares oriundos de várias regiões, inclusive da Espanha que está a 200 km dali.

 

Produção - Resende oscila entre a segunda e terceira posição nacional, com cerca de 25% da produção (700 toneladas em ano normal), dependendo da safra, de acordo com Manuel Garcez Trindade, presidente da Câmara Municipal (equivalente ao poder executivo municipal no Brasil). São produtores de pequeno, médio e grande porte, embora todos eles gerem excedente para a venda. Há produtores que chegam a tirar 30 a 40 toneladas num pomar, explicam as vereadoras Sandra Pinto (educação, animação e cultura) e Maria José Dias (ação social e emprego).

Além da venda no varejo durante o festival, a cereja de Resende é destinada aos mercados abastecedores de Lisboa e do Porto e também a hipermercados e ao mercado externo (principalmente Espanha) por intermédio da Cermouros (sociedade representativa de pequenos produtores de cerejas da freguesia de São Martinho de Mouros). É comum também fazer doces caseiros.

A grande vantagem de Resende é que o município é o primeiro a produzir (a cereja de Cova da Beira, Fundão e Alfândega da Fé chega mais tarde ao mercado). Além disso, novas tecnologias, como a diversificação de variedades, possibilitaram a extensão da colheita ao longo do ano (abril a julho), maior diversidade de sabores, diferentes tamanhos e, consequentemente, maior produção.

Agora, Resende aposta em ganho de escala na produção e melhoria da qualidade para viabilizar futuramente matéria-prima para uma indústria de transformação, além da venda da fruta in natura, revela Manuel Trindade. Para isso, o município está concorrendo a uma fatia dos 25 bilhões de euros do novo “quadro comunitário de apoio, 2014-2020” da União Europeia. Este benefício é negociado entre cada país (no caso, Portugal) e a Comunidade Europeia.

Resende apresentou um projeto de alavancagem da cultura da cereja (aumento de escala na produção e melhoramento da qualidade) ao plano estratégico de desenvolvimento integrado da comunidade intermunicipal (CIM) do Tâmega e Souza (que reúne 11 municípios), vinculada à Comissão Coordenadora Regional Norte. Assim, espera ser contemplado com parte do “pacote financeiro” da União Europeia.

 

Perdas - O frio e a chuva foram considerados o principal inimigo da produção de cereja de Resende junto ao Rio Douro, cuja queda pode ter atingido 70% na zona ribeirinha, segundo José de Almeida da Cermouros. “Este é um ano fora do comum, a deixar marcas pela negativa. O que a chuva provocou é uma verdadeira calamidade", disse à agência Lusa.

Almeida confessa que não se recorda de "um ano tão mau" em termos de produção, prevendo colher pouco mais de 150 toneladas. "O ano passado colhemos à volta de 700 toneladas de cereja, isto é, este ano será qualquer coisa como menos de 70 por cento da produção". Considerando a produção das partes mais altas, na média estimam-se perdas de até 50%.  

António Soares, 92 anos, garante que foi "o primeiro a fazer pomares de cerejas em Resende", no ano de 1968, e também não tem "memória de um ano tão fraco". Rogério Silva, um dos maiores produtores de cereja de Resende, confirma. "A produção de cereja junto ao Rio Douro foi muito afetada, perdendo-se entre 60 a 70%." E José Fonseca (Quinta do Couto), apesar das perdas na lavoura, estava satisfeito com o interesse do público no festival.

 

Peregrinação – No passado, foi a infestação de pragas na cultura da cereja; agora, a ocorrência de problemas climáticos. De qualquer maneira, movidos pela fé, peregrinos de 15 paróquias do “arciprestado” de Resende deslocaram-se, no dia 25 de maio, à freguesia do Cárquere. “É uma antiquíssima tradição que chegou até nós, vinda de tempos imemoriais”, relata padre Joaquim Correia Duarte, especialista na história dos Resendes.

“Conta-se que gerações anteriores a nós, vendo os seus campos e as suas culturas agrícolas devastadas por pragas que tudo destruíam, fizeram o voto de ir em cada ano em procissão, a pé, pedir a proteção divina e a bênção de Santa Maria, a esse lugar tão solenizado pela história e tão abrilhantado pela tradição”.

Segundo padre Joaquim, dois fatores contribuíram para a importância do lugar e a grande devoção a Nossa Senhora de Cárquere. O primeiro é “a tradição que sempre correu de ter sido aqui curado milagrosamente o nosso primeiro rei - D. Afonso Henriques - de um aleijão nas pernas com que nascera - trazido por D. Egas Moniz, senhor do Paço e da Honra de Resende”.

 

O segundo fator é a existência de um mosteiro de religiosos - primeiro os Frades de Santa Cruz ou Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e depois, já no século XVI, os Padres Jesuítas - que promoveram essa devoção, ergueram estruturas e deram nome ao lugar.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário