Artesãos criando e tramando

“Café com Artesão” reúne artistas dos teares e dos retalhos em torno de uma deliciosa mesa mineira


Cultura

André Eustáquio0

Mara, Renata e Rosilene. Netas e filha da saudosa artesã dona Lilita participaram do bate-papo (foto André Eustáquio)

Palavras carregadas de sentimentos, como “família”, “amor”, “saberes”, “inspiração”, “vivência” brotaram de depoimentos espontâneos dos artesãos que participaram do bate-papo “Café com Artesão: o artesanato ontem, hoje e sempre”, na manhã da sexta-feira, 31 de maio, no CAT (Centro de Atendimento ao Turista), integrando a programação da X Mostra de Artesanato e Cultura de Resende Costa. O bate-papo reuniu 15 artesãos resende-costenses e foi conduzido pelo chefe da Divisão de Turismo e Artesanato da Secretaria Municipal de Turismo, Artesanato e Desenvolvimento Econômico, Lucas Lara.

Os participantes, ao chegarem à entrada do CAT, se depararam com uma mesa fartamente preparada com biscoitos, queijo e café e circundada por cadeiras com novelos de retalhos sobre elas. Os artesãos se perguntavam: “o que vai acontecer?”. Na acolhida, Lucas Lara, que é também psicólogo, explicou que diferentemente da programação da edição passada da conversa com artesãos na Mostra de Artesanato, neste ano o formato do encontro seria diferente, em forma de dinâmica.

Com um novelo de linha nas mãos, cada participante foi se apresentando, contando sua vivência e experiências com o artesanato. A cada apresentação o novelo de linha foi passando de mãos em mãos, formando uma trama sobre a mesa de café, simbolizando a vida, a arte e o artesanato. Após todos se apresentarem, Lucas Lara convidou-os para a segunda parte da dinâmica. Foi aí que descobriram o significado dos novelos de retalhos sobre as cadeiras que circundaram a mesa. “Vamos utilizar o espaço do CAT para ‘tramar’, sem regras, utilizando toda a liberdade para criar e expressar a arte”, propôs Lucas. Ao som da canção “A mão do amor”, de Maria Betânia, os artesãos se interagiram com humor e brincadeiras, usando a criatividade como inspiração. O resultado? O CAT se transformou numa exposição viva de uma grande trama, um mosaico entrelaçado por retalhos multicoloridos. “O retalho (matéria-prima do artesanato têxtil produzido em Resende Costa) invadiu o CAT pelas mãos de vocês”, interpretou Lucas Lara.

 

Testemunhos de vivências e de paixões pela arte

Durante a dinâmica, cada artesão foi incentivado a falar sobre a presença do artesanato em sua vida. Os depoimentos foram emocionantes, carregados de paixão pelo ofício e por lembranças de momentos vividos com familiares que transmitiram técnicas e saberes, como o relato da artesã Silvânia Mendonça Machado: “artesanato para mim é vida. É brincar de trabalhar”. Silvânia é filha de Maria Dalva do Chico Teófilo e tece há cerca de 40 anos. “Aprendi a tecer muito nova, desde os 13 anos de idade. Aprendi com minha mãe.”

Entre os convidados, estavam familiares da saudosa artesã dona Lilita, referência para o artesanato resende-costense. Dona Lilita deixou à nova geração da sua família um legado de saberes, técnicas e amor pelo artesanato. Sua filha Rosilene e as netas Renata e Mara participaram do bate-papo e relataram suas experiências e saberes herdados de dona Lilita. Para Luís Cláudio dos Reis, artesão e ex-presidente da ASARC (Associação dos Artesãos de Resende Costa), atualmente membro do Conselho de Administração do Sicoob Credivertentes, o artesanato é também uma “atividade inclusiva”. “Observo que o artesanato de Resende Costa no passado era uma atividade tipicamente realizada por mulheres. Hoje isso mudou. Como uma atividade inclusiva, o artesanato resende-costense conta com a participação ampla de todos”.

Amor e família não foram meras palavras que surgiram durante os depoimentos dos artesãos. Presentes nos testemunhos de quase todos os participantes, elas surgiram como conceitos que inspiram vidas. “O artesanato para mim é amor. Quando a gente coloca amor naquilo que faz, as coisas saem bonitas. Artesanato, além de amor, é doação e inspiração”, disse Telinha, artesã e empresária. Roseli Antunes, artesã e criadora do Real Tapete, técnica genuinamente resende-costense e que utiliza o retalho como matéria-prima, destacou o artesanato como “união de identidades. Une pai, mãe, filhos e família na transmissão do conhecimento”.

 

Arte de criar

O que move um artista é sua incansável vontade de criar. A obra de arte é, portanto, fruto da inspiração de compositores, pintores e artesãos. A arquiteta e também artesã Isabela Resende conceitua o artesanato como expressão de vida e de cultura. “Artesanato é vida, criação, arte e cultura”. Compartilhando esse mesmo olhar sobre a arte de criar, o artesão Israel realça que o artesanato “enquanto arte é também o nosso maior patrimônio”. Para Lucas Lara, “artesanato é arte viva, amor, memória”. Tecer e criar é, para Lucas, uma atividade intimamente ligada à vida do artesão, que utiliza corpo e mente para produzir arte. “É uma arte que depende dos pés, das mãos e dos saberes dos artesãos para mantê-la viva”.

 

Capital do Artesanato Têxtil

Em 2021, Resende Costa foi reconhecida pelo Governo do Estado como “Capital Mineira do Artesanato Têxtil”. O título conferiu ao município ainda mais visibilidade, especialmente para o desenvolvimento do turismo. De capital estadual, em breve Resende Costa poderá se tornar “Capital Nacional do Artesanato Têxtil”. O projeto de lei que confere o título ao município encontra-se em fase final de tramitação no Congresso Nacional.

A atividade artesanal têxtil de Resende Costa é registrada como bem cultural imaterial pelo município. Muito mais do que um atrativo turístico e produto que aquece a economia de Resende Costa, o artesanato é arte, conhecimento, saber e cultura. “Nós, filhos do artesanato fazendo e formando hoje essa ‘trama’, entendemos o que é o artesanato. Resende Costa é uma grande trama e nós, enquanto poder público e artesãos, temos que fortalecer essa trama, unindo pontas para, no fim, preservar essa arte. Nosso artesanato não é somente um item utilitário, é arte”, conclui Lucas Lara.

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