No Sítio dos Coqueiros, a 900 metros de altitude numa das vertentes da Serra da Mantiqueira em Coronel Xavier Chaves, as vacas vivem tranquilas, sem estresse. Uma das explicações está no tratamento de doenças com base na homeopatia, conta o produtor João Dutra, atual presidente da Associação dos Queijeiros Artesanais das Vertentes da Mantiqueira (AQUAVER). “Por influência do dr. Valério Cardoso, que é um grande veterinário, homeopata, há quase 10 anos nós introduzimos o tratamento homeopático e fitoterápico do gado bovino.”
Nesta entrevista, Dutra fala do resgate da microrregião das Vertentes como pioneira na produção do legítimo queijo Minas artesanal, da política do governo mineiro para valorizar a atividade e da importância do Sistema de Inspeção Municipal (SIM) para garantir a segurança alimentar.
Jornal das Lajes – Qual é o papel da Associação dos Queijeiros Artesanais das Vertentes da Mantiqueira (AQUAVER)?
João Dutra – A ideia da AQUAVER foi concebida há cinco ou seis anos, quando sentimos a necessidade de reivindicar do governo do Estado de Minas Gerais o reconhecimento da microrregião do Campo das Vertentes como produtora de queijo Minas artesanal. Nós sofremos uma injustiça histórica que foi reparada agora, felizmente. Nós tínhamos quatro regiões no Estado - as regiões do Cerro, da Canastra, do Alto Paranaíba (que é o Cerrado) e do Araxá - que eram reconhecidas pelo governo do Estado de Minas como produtoras de queijo artesanal. Então, nós iniciamos um trabalho para provar oficialmente que São João del-Rei é uma região típica de produção de queijo artesanal. E aí nós conseguimos, recentemente, que o governo do Estado reconhecesse o Campo das Vertentes como região produtora de queijo artesanal. Foi uma justiça, um reconhecimento ao trabalho da região porque, na verdade, o queijo Minas surgiu aqui com a colonização portuguesa na época do ciclo do ouro. E foi daqui que essa produção de queijo irradiou para as demais regiões. Foi irradiando devargarzinho para o Cerro, subindo a Serra do Espinhaço para a Canastra, para a região nova do Cerrado – que é o Alto Paranaíba – e naturalmente para a região do Araxá. Então, hoje nós temos a felicidade de ser uma região reconhecida oficialmente como produtora de queijo artesanal. Isso significa que qualquer produtor de queijo que esteja nos quinze municípios que constituem a microrregião do Campo das Vertentes pode hoje legalizar a sua queijaria, ou retornar à atividade de queijaria, legalizando-a junto ao IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), e comercializar livremente a produção. Existe um estímulo muito grande do governo do Estado porque esse queijo é isento de impostos – não recolhe ICMS – o que é uma grande contribuição...
JL – O produtor recebe uma espécie de selo?
Dutra – A questão do selo era uma ideia inicial da Aquaver. Quando a gente criou a Associação, a idéia era introduzir um selo da Aquaver que constaria no rótulo do produto. Hoje, a gente vê que não há necessidade disso porque o selo que realmente deve constar da embalagem é o selo do IMA, que é o grande certificador. Então, com o registro do IMA o consumidor está tranquilo com relação à qualidade do produto. E agora está surgindo o SIM (Serviço de Inspeção Municipal) e o ideal seria que cada município, além da presença do IMA, tivesse o seu SIM. Um trabalho vai complementar o outro. Então, a Associação na verdade faz um trabalho de divulgação do processo junto aos queijeiros artesanais; quer dizer, quais são as exigências para que ele cadastre a sua queijaria junto ao SIM e junto ao IMA. Acho que a coisa vai no sentido de orientar cada produtor individualmente... O trabalho maior da Associação é lutar pelo interesse geral. Por exemplo, no futuro, quando todos os produtores estiverem com a sua situação definida junto à vigilância sanitária, nós queremos partir para uma câmara de climatização, uma câmara de maturação conjunta em que o produto possa ser maturado por 60 dias, sob supervisão do IMA, e enviado para fora do Estado porque aí nós temos um mercado imenso e aberto. Esse queijo, por exemplo, tem venda garantida em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas ele não pode sair do Estado. Mesmo registrado junto ao IMA, a comercialização dele é restrita ao Estado de Minas... Então, a função principal da Aquaver é justamente orientar o queijeiro artesanal quanto à sua certificação junto ao IMA e agora, naturalmente, junto aos sistemas de inspeção municipais... A gente espera que os demais municípios da microrregião sigam o exemplo de São João del-Rei que está sendo tão bem conduzido pelo Marcus Frois.
JL – Como era a produção regional de queijo artesanal antes do reconhecimento?
Dutra – Antes do reconhecimento nenhuma queijaria poderia ser legalizada. A região era sequer reconhecida pelo governo do Estado de Minas como produtora de queijo artesanal. A partir desse reconhecimento oficial é que surgiu a possibilidade de cada queijaria individual buscar o seu credenciamento junto ao IMA.
CERTIFICAÇÃO
JL – A ideia é explorar o mercado potencial para o queijo artesanal?
Dutra – Nesse momento, a atuação principal da Associação se resume na orientação individual de cada produtor para ele buscar os caminhos corretos para conseguir a certificação. A partir do momento que as queijarias se legalizarem e puderem comercializar regularmente a produção, nós vamos cuidar de criar rotas de comercialização. Então, é trazer para cá o comprador de queijo. A partir do momento em que houver volume de queijo, como já ocorre hoje no Cerro e na Canastra, nós vamos ter vários comerciantes que vão ter interesse em buscar esse produto aqui para levar para os grandes centros consumidores. E num fututo mais distante o nosso grande sonho é quebrar a barreira do Estado - e aí, realmente, você tem de ter um acréscimo grande na produção para que isso aconteça – e levar o queijo pra fora de Minas Gerais, porque mesmo registrado junto ao IMA o produto não pode ser comercializado fora do Estado. Ele só poderia ser comercializado fora do Estado se ele tivesse o registro no Serviço de Inspeção Federal, que aí é uma coisa que só os grandes laticínios conseguem. Mas é possível isso. O IMA tem uma brecha que permite que, se a gente maturar esse queijo durante 60 dias, numa câmara coletiva – a ideia é que a associação coordenasse a existência de uma câmara coletiva em que todos os pequenos produtores pudessem maturar o queijo sob a supervisão do IMA -, ele possa ser levado para fora do Estado. Isso é um sonho futuro.
JL – E como se organizar para que o turista que vem aqui compre o produto?
Dutra – Essa é que é a grande questão. Nós somos uma região privilegiada porque nós temos um fluxo turístico muito grande, muito intenso, muito constante. O turista vem até essa região, particularmente, até as cidades históricas mineiras (São João del-Rei, Tiradentes, Prados, Cel. Xavier Chaves, Resende Costa), aqui no berço dos inconfidentes... Esse turista vai naturalmente levar o queijo. A partir do momento que o queijo estiver certificado, com a embalagem correta, mostrando que ele é um produto certificado, nas gôndolas dos supermercados, das pequenas mercearias, naturalmente o turista vai levar – já leva hoje - com mais intensidade porque esse produto vai poder ser exibido. Hoje, ele ainda é um produto clandestino. É aquele queijo que é vendido meio escondido dentro da quitanda... Então, a Associação vai atuar nisso: fazer uma propaganda aberta desse queijo... A Aquaver vai atuar divulgando o queijo Minas artesanal da Mantiqueira, que é o nosso queijo Minas artesanal regional. Ela vai divulgar isso na mídia para que o turista saiba que existe essa preciosidade gastronômica aqui. Então, vai aumentar muito o volume de vendas. Aqui, nós temos experiência própria: sempre que tem uma véspera de feriado, não fica nem um queijo na prateleira; nos grandes feriados a gente nota que é o turista de fora mesmo que está consumindo este queijo no restaurante e está levando o queijo para casa. Aí ele rompe a barreira do Estado porque, como consumidor, ele pode colocar na bagagem dele no carro, sem nenhuma restrição para levar esse queijo para fora.
JL – Qual a possibilidade de lojas específicas para vender esse produto?
Dutra – Já tem. Aqui mesmo em Coronel Xavier Chaves tem dois supermercados que já trabalham especificamente com o nosso queijo... Eles compram regularmente toda semana e mantém nas prateleiras. Em São João del-Rei, ainda não porque o comércio desse queijo estava restrito ao município. Agora, com a nossa legalização, nós vamos poder levar esse queijo para São João del-Rei também. Em breve, com um rótulo legalizado, vamos poder levar para São João del-Rei. Mas a procura do turista por esse queijo é imensa, porque é um queijo que o grande laticínio não faz. Então, por exemplo, o paulistano, o carioca, o belo-horizontino conseguem comprar nas capitais os queijos produzidos pelos grandes laticínios que são queijos feitos com leite pasteurizado. Esse queijo tradicional, que é um queijo de massa crua, eles não conseguem comprar lá. Sempre tem uns bloqueios. Se você for ao mercadão em São Paulo ou ao mercado de Belo Horizonte, você consegue comprar o queijo da Canastra. Mas em São Paulo ele está lá clandestinamente... Pra você saber se é industrializado, basta olhar no rótulo; quando ele é industrializado, você nota claramente que ele tem um carimbo bem visível na embalagem do SIF. Os grandes laticínios trabalham “sifados”. Eles tem um veterinário do SIF que fiscaliza e permite que eles vendam fora do Estado.
JL – Fale agora da constituição jurídica de uma queijaria desse porte...
Dutra – É muito simples. Juridicamente é simples. Basta que o produtor tenha a sua antiga inscrição de produtor rural - hoje o governo do Estado criou uma inscrição estadual. Basta reivindicar num posto da Secretaria de Fazenda a inscrição estadual - todo produtor rural tem que ter isso para poder comercializar o leite - que ele monta o processo jurídico para poder emitir... E hoje a emissão de nota fiscal é via eletrônica; a gente precisa ter talonário de nota fiscal. O Sindicato Rural, ou até mesmo a prefeitura local, pode apoiar os queijeiros nisso aí. Ele chega num lugar que tem internet e acessa o site da Secretaria da Fazenda, preenche os dados e emite nota fiscal de venda. Hoje, é muito simples, é muito simplificado.
SÍTIO DOS COQUEIROS
JL – Fale agora da sua propriedade...
Dutra – Nós estamos no Sítio dos Coqueiros, que é uma propriedade situada no município de Coronel Xavier Chaves. Estamos numas vertentes da Serra da Mantiqueira, aproximadamente 900 metros de altitude, um clima ameno o ano inteiro. É um clima realmente propício para a produção desse tipo de queijo e, no nosso caso, nós exploramos as pastagens nativas da região. São pastagens com a vegetação bastante variada, que permite que o queijo tenha um sabor peculiar. No nosso caso específico, nós criamos gado jersey, mas o queijo pode ser feito com qualquer raça bovina, como holandês. O ideal é o jersey ou o girolando. São animais que tem o leite com teor de gordura um pouco mais alto do que o holandês. Mas é possível fazer até com o leite de holandês mesmo. Não há grande entrave, não. Esse projeto surgiu porque minha família tradicionalmente sempre foi produtora de queijo artesanal. E nós começamos seis anos atrás a fabricar novamente o queijo. A minha esposa herdou essa propriedade, é uma herança familiar. E a gente começou a criar o gado jersey, a constituir um rebanho jersey para produzir especificamente esse queijo. E a gente produz como a tradição manda. Eu tento fazer da mesma forma que os meus antepassados faziam. A gente sabe que o avô do meu bisavô já produzia esse tipo de queijo. É uma tradição secular de produção desse queijo. No nosso projeto, nós focamos quatro pontos que consideramos importante: o primeiro é a segurança alimentar; quer dizer, é cuidar da sanidade do rebanho para que não haja nenhum risco de transmissão de doenças do rebanho bovino para o consumidor do queijo. As principais doenças controladas são a aftosa, a raiva bovina, a tuberculose e a brucelose.
JL – É verdade que o sr. só usa a homeopatia?
Dutra – Por influência do dr. Valério Cardoso, que é um grande veterinário, homeopata, há quase 10 anos nós introduzimos o tratamento homeopático e fitoterápico do gado bovino. Então, a gente não usa as envermectinas, que são vermífogos terriveís usados em larga escala no rebanho bovino. Nós nunca usamos isso aqui. Fazemos todo o tratamento a base de homeopatia e fitoterapia e conduzimos o gado sem stress. Um gado que tem acesso diário às pastagens; não é um gado totalmente confinado. E fica um semiconfinamento entre a ordenha da manhã e a ordenha da tarde. Isso também contribui para um leite de boa qualidade. E além do controle sanitário do rebanho você tem uma higiene rigorosa, tanto na ordenha, quer dizer na produção do leite, quanto na produção de queijo dentro da queijaria, com a higiene máxima possível. Junto com isso tem a água tratada. É uma água de boa qualidade que é filtrada e clorada. A nascente é isolada, é cercada, são quase cinco mil metros cercados em volta da nascente para evitar o trânsito de animais, mais a contaminação da água com coliforme fecal... Então, a gente conseguiu uma água limpa e um processo higiênico na ordenha e na fabricação. Então, esse primeiro ponto é a segurança alimentar: a sanidade do rebanho, a água limpa e o processo de produção higiênico. Outra coisa importante também é a não-utilização de agrotóxicos, com uma alimentação natural do gado – a gente não usa nenhum componente de origem animal na ração por causa do episódio da vaca louca. Então, com isso a gente conseguiu dar uma garantia dentro de tudo o que é possível, que é uma garantia de segurança alimentar.
JL- E o segundo ponto?
Dutra – O segundo ponto é a preservação dos queijos das antigas fazendas mineiras. Todo o processo produtivo visa preservar o sabor do queijo. É um queijo feito com leite cru. Ele não é pasteurizado. É queijo com sabor de queijo. Não tem nenhum artificialismo. É leite, qualho, o pingo e o sal. Não tem nenhum aditivo químico nesse queijo. Ele é absolutamente natural. Então, esse é um queijo realmente com sabor.
JL – E o terceiro ponto?
Dutra – O terceiro ponto é a preservação ambiental e a sustentabilidade dos recursos naturais. Nós não agredimos a natureza. Temos um processo de adequação da carga animal à capacidade de suporte das pastagens, para que não haja um pisoteio excessivo, não haja erosão do solo, não haja destruição das nascentes. O nosso trabalho foi reconhecido recentemente pelo Instituto Chico Mendes do IBAMA como o processo produtivo que tem como característica a sustentabilidade, a preservação dos recursos ambientais. E isso pra nós é muito importante...
JL – E o quarto item?
Dutra – O quarto item, o quarto pilar, é a responsabilidade social. Então, nós entendemos que é importante transferir a tecnologia que nós resgatamos – na verdade, nós não desenvolvemos tecnologia nenhuma; fizemos algumas adaptações diante da modernidade, das exigências atuais da vigilância sanitária, mas é o mesmo processo ancestral de produção de queijo. Nós temos um compromisso de transmitir toda essa tecnologia, sem nenhuma reserva, para os pequenos produtores da região. Todos eles tem acesso à nossa queijaria, podem chegar aqui e copiar a planta, copiar o processo produtivo... Nós fornecemos inclusive a amostra do pingo para quem está começando, que é um fermento biológico... Eu sou descendente de uma família de proprietários rurais, que eram produtores de queijo... A gente entende que esse é um projeto libertador. A única forma de você melhorar a condição de vida do pequeno produtor é orientando ele no sentido de que transforme, agregue valor no leite que é a principal fonte de renda dessas famílias, transformando esse leite em queijo e vendendo o queijo, porque ele vai ser muito mais bem remunerado do que vendendo esse leite para os grandes laticínios. Então, a gente chama esse projeto de “Projeto Libertas”, ou um projeto libertador no sentido de melhorar a condição de vida e retirar o pequeno produtor dos cartéis, que infelizmente são carteis poderosos dos laticínios e dos vendedores de insumos. O quejo artesanal não depende de grandes quantidades de insumo. O produtor vai ver, num futuro próximo, que ele pode produzir um leite mais natural a partir de pastagem; que mesmo sem produzir um volume tão grande de leite ele consegue uma remuneração boa por um processo produtivo, e num processo produtivo sustentável do ponto de vista ambiental e rentável para a família, porque a produção de queijo chega a dobrar o valor obtido pela venda do leite in natura. Então, esses são os pontos mais importantes do projeto.
JL – E qual é a sua produção atual?
Dutra – A minha produção é pequena. Atualmente, nós estamos com 220 litros por dia, o que me permite produzir aproximadamente 25 quilos de queijos diários. Nós pretendemos ampliar isso, no máximo daqui dois ou três anos, com a evolução do rebanho e a expansão da estrutura da queijaria, para 1000 a 1200 quilos por mês. Nós temos que entender o seguinte. O queijo artesanal tem limitações porque ele só pode ser produzido, por lei, com leite produzido na propriedade. É proibido a compra de leite de terceiros porque é um programa social. O governo de Minas Gerais criou um programa do queijo Minas artesanal para prestigiar esses pequenos produtores rurais. Então, ele tem que entender que é o leite produzido na propriedade. Além do mais, tem a questão técnica de que, se o leite for transportado sob refrigeração, o queijo produzido com esse leite perderia a característica do queijo artesanal. O quejio artesanal tem que ser produzido com o leite logo após a ordenha, para que ele não esfrie; quer dizer, ele vem ainda quente da vaca, com temperatura aproximada de 32 graus e aí ele vai receber o qualho e o pingo – o pingo é o último soro que escorre das mesas de produção; é o soro remanescente, ele fica pingando... O processo do queijo artesanal difere do queijo industrial primeiramente porque ele é feito com leite cru, e daí a grande importância do controle sanitário do rebanho - é leite não-pasteurizado. Quando a gente pasteuriza o leite, a gente acaba com o sabor do queijo. A nossa escola é interessante porque é a mesma escola francesa. Os franceses também fazem isso, eles produzem excelentes queijos, a maioria deles de leite não-pasteurizado e produzido em pequenas propriedades rurais. E a característica de nosso queijo que vai chamar um fluxo turístico cada vez maior, baseado nessa riqueza gastronômica da região... Então, é um queijo que tem que ser produzido artesanalmente como os nossos antepassados produziam. É um queijo que você trabalha com leite cru, ainda quente da vaca, o leite não pode esfriar, e ele recebe o qualho – substância química que faz a coagulação do leite, a transformação do leite em coalhada – e, juntamente com esse qualho, a gente coloca o pingo – que nada mais é do que o último soro que escorre dos queijos enquanto está no processo final de maturação. Ele fica pingando numa vazilha e por isso é que é chamado de pingo. Esse pingo é o fermento biológico que faz o queijo ter um sabor característico da região porque o pingo, que é o resíduo desse soro que escorre dos queijos, sintetiza a vida microbiológica existente naquela microrregião, que a vaca vai buscar lá na pastagem, com alimentação diversificada... É um queijo de massa crua; a massa é quebrada e depois separa-se o soro e aí ele é torcido com um pano tipo voal para a extração máxima possível do soro. Ele é colocado nas formas e é salgado durante aproximadamente doze horas. Retira-se, então, esse queijo da forma e ele é colocado em prateleira de madeira para completar a maturação. O ideal é vender esse queijo para o consumidor com um mínimo de 21 dias de maturação, porque aí ele já está com o sabor bem mais acentuado. O nosso projeto futuro, nós queremos caminhar para isso, é a venda de um queijo com longa maturação porque nós já fizemos várias experiências aqui e conseguimos maturar o nosso queijo com um período de maturação superior a 90 dias e ele adquiriu um sabor excelente. Os gourmets hoje apreciam muito, os restaurantes indicam muito para o consumo com vinhos finos... Aí realmente nós vamos ter um valor agregado muito maior. E a ideia é repassar essa tecnologia para os pequenos, para os companheiros, para os queijeiros... A maioria dos queijeiros são famílias que tem uma vida difícil, é gente que sobrevive em pequenas propriedades, muitas vezes sem acesso a crédito... Uma vida muito dura mesmo, de acordar de madrugada; muitas vezes o proprietário toca o gado para o curral, ele mesmo faz a ordenha com o auxílio de no máximo um empregado e a família – a esposa e alguma filha processam o queijo e ele depois leva esse queijo para a cidade para ser comercializado. Então, é coisa de gente humilde.
JL – Como o sr. já disse, não são concorrentes entre si...
Dutra – A gente não vê os companheiros queijeiros como concorrentes em hipótese nenhuma porque você tem um mercado consumidor que quase não tem limite. Minas Gerais é do tamanho da França – tem quase 16 milhões de habitantes – e recebe um fluxo turístico imenso que ajuda levar esse queijo para fora. Então, o mercado está em aberto. E um queijeiro, por mais que produza, se produzir 1000 ou 1500 quilos, que eu considero o limite para a produção artesanal, ou seja, no máximo 1500 a 2000 quilos por mês, acima disso ele perde a característica artesanal, nenhum desses queijeiros concorre entre si porque cada um produz individualmente uma quantidade muito pequena para um mercado que está em aberto, um mercado que consome tudo. Nós nunca tivemos um problema de comercialização de queijo aqui. Ao contrário, está sempre faltando queijo, felizmente, o que é um reconhecimento do povo também pela qualidade do nosso produto.
Berço do legítimo queijo Minas artesanal, Vertentes querem se firmar no cenário nacional
Entrevistas
Por José Venâncio de Resende 14/10/20100
