Vielas estreitas de terra e pedras por onde passavam as boiadas em comitiva rumo ao sertão, tangidas por tropeiros que aqui pernoitavam. Não havia água tratada, nem luz elétrica. Apenas simples casas de pedras e taipa e uma igrejinha erigida no alto de um íngreme morro, de onde se descortinava um horizonte arrebatador. Assim era a paisagem do antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage, erguido no final da primeira metade do século 18.
A Lage, então pertencente ao município de Tiradentes, antiga São José del-Rei, aos poucos foi se desenvolvendo e em 1912 emancipa-se, adquirindo autonomia política, econômica e social. No entanto, pouco ou quase nada mudou no antigo Arraial da Lage, posteriormente Distrito da Lage e, mais tarde, Villa de Resende Costa, nos primeiros anos do século 20. Pode-se destacar a ampliação da primitiva capela de Nossa Senhora da Penha de França, padroeira da localidade, e a pavimentação das principais ruas da Vila. Porém, três importantes empreendimentos, implantados pelos homens públicos que governaram o município recém-emancipado, devem ser destacados como ações ousadas para a época e que se refletiram no futuro da cidade e no bem-estar de sua gente: fundação da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto (1918), construção do Grupo Escolar Assis Resende (1919) e construção do Teatro Municipal (1922).
A Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto completou, no dia 29 de abril último, 100 anos de fundação. A sua origem está ligada às primeiras ações do mandato do coronel Francisco Mendes de Resende (1874-1936), primeiro presidente da Câmara e chefe do Executivo Municipal, a partir de 1912.
Após seis anos de emancipação política do município, o coronel Mendes de Resende criou a Biblioteca Municipal partindo de um acervo de aproximadamente 266 volumes, doado ao município por Antônio Gonçalves Pinto. Segundo José Maria da Conceição Chaves, o Juca Chaves, em seu livro “Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage – atual Resende Costa”, publicado pela amiRCo em 2014, a criação da Biblioteca Municipal foi proposta em sessão da Câmara, em 29 de abril de 1918, pelos vereadores coronel Francisco Mendes de Resende, coronel Francisco Gonçalves Pinto (1850-1934) e doutor José Vilela da Costa Pinto.
Histórico
A Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto foi criada pela Lei nº 24, de 16 de setembro de 1918. Seu nome foi escolhido em homenagem ao ilustre cidadão resende-costense que doou ao município sua biblioteca particular. Diz Juca Chaves sobre Antônio Gonçalves Pinto (1854, Resende Costa - 1923, Belém, Pará): “Ainda moço, partiu Antônio Gonçalves Pinto de sua terra natal (nasceu na Fazenda do Pinto em 10/07/1854), que não mais reviu, indo empregar-se no comércio da vizinha cidade de São João del-Rei, daí rumando para a Capital Federal e, finalmente, para aquele lugar, Belém, onde assumiu a direção de uma casa comercial.
Inteligente, sem curso humanístico, pois que apenas no velho arraial tivera escola das primeiras letras, proporcionadas aos conhecimentos da época, conseguiu, por si só, aperfeiçoar-se no uso do vernáculo e ainda aprender as línguas francesa e alemã, tendo ocasião de visitar o Velho Mundo, passando pela França e Alemanha.
Guardando indelével recordação de sua terra, dá-lhe Antônio Pinto uma prova da grande afeição que lhe votava, ofertando à Câmara Municipal de Resende Costa toda a sua biblioteca de numerosos volumes, alguns dos quais de diferentes idiomas e de preciosas e raríssimas edições, acondicionadas em duas grandes vitrinas que ele despachou por via marítima.
Apossando-se de quão valiosa dádiva, deliberou a Câmara Municipal, em sessão de 15 de abril de 1918, dirigir um ofício ao ilustre conterrâneo externando-lhe os seus agradecimentos por esse gesto de acrisolado patriotismo.
Volvidos quase 20 anos, em 12 de setembro de 1938, lavra-se sob o número 59 uma portaria municipal franqueando a Biblioteca ao público a partir de 15 daquele mês e ano.”
Trajetória
A trajetória da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto foi marcada por momentos diversos. Desde a sua criação, a biblioteca esteve acondicionada em diferentes espaços. Inicialmente no paço da Prefeitura Municipal (atual sede da Câmara Municipal); posteriormente no porão de uma residência localizada no centro de Resende Costa; depois foi transferida para a sede da atual prefeitura e, por fim, para um imóvel anexo ao Teatro Municipal. Nesse endereço a biblioteca entrou em acelerado estado de decadência.
O espaço anexo ao teatro estava longe de ser o ideal para receber uma biblioteca. As estantes mal cabiam no local destinado a elas e grande parte do acervo – em especial as obras raras doadas por Antônio Gonçalves Pinto – achava-se amontoado em estantes e no chão do camarote do Teatro Municipal, exposto à poeira, ao mofo, às traças e cupins. Poucos livros foram adquiridos nesse longo período do quase ocaso da Gonçalves Pinto. Os frequentadores da biblioteca usufruíam do precário e reduzido acervo disponível e contavam apenas com uma apertada mesa e cinco cadeiras para leitura e pesquisa.
Foram muitas as cobranças ao poder público com o intuito de que se construísse uma sede digna para abrigar a quase centenária biblioteca e seu importante acervo. Inúmeros artigos e reportagens publicados no Jornal das Lajes denunciaram a precariedade em que se encontrava a Biblioteca Municipal de Resende Costa. Até que em setembro de 2008 a cidade, enfim, ganhou uma sede definitiva para a sua biblioteca.
O saudoso ex-prefeito municipal Gilberto José Pinto (1948-2015) ouviu os apelos dos resende-costenses preocupados com a biblioteca e construiu uma bela e moderna sede para abrigá-la, localizada no principal cartão-postal de Resende Costa: o Mirante das Lajes de Cima, na praça Nossa Senhora de Fátima. A edificação de dois andares tem influência arquitetônica do estilo colonial e harmoniza-se com o vizinho sobrado do século 19 que abriga a Câmara Municipal.
Não haveria melhor lugar em Resende Costa para construir um prédio para a biblioteca do que o Mirante das Lajes. No segundo andar da edificação – além da sala onde estão as obras raras (restauradas através de parceria entre o município e o Fundo Estadual de Cultura – FEC, com apoio da amiRCo), de acesso restrito – há uma ampla e arejada sala de leitura que dá vistas para o belo mirante. O leitor pode abrir a janela e assistir de camarote ao pôr do sol enquanto “viaja” pelo mundo encantado da leitura.
O andar térreo abriga a sala onde funciona a sede da Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa (amiRCo) e o memorial político com fotos dos ex-prefeitos de Resende Costa. A biblioteca é também utilizada para reuniões e eventos culturais, como palestras, lançamento de livros e atividades recreativas. A sede da biblioteca abriga também o espaço cultural “Professor Geraldo Sebastião Chaves” e a Secretaria Municipal de Turismo, Artesanato e Cultura.
A história nos brinda com grandes acontecimentos que nos possibilitam reverenciar a memória de pessoas que marcaram a sociedade com importantes obras e deixando legados que se tornaram imortalizados.
A trajetória da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto, em tempos distintos e separados por um século, foi marcada por iniciativas de dois grandes administradores públicos, inspirados pelo mesmo e nobre dever: o compromisso com a cidadania, com o desenvolvimento urbano e humano de Resende Costa.
Em 1918, o coronel Francisco Mendes de Resende criou a Biblioteca Municipal, pensando no desenvolvimento cultural e na educação dos munícipes. Em 2008, Gilberto José Pinto construiu sua sede e escolheu esse acontecimento para coroar o seu terceiro mandato de prefeito de Resende Costa. Coronel Mendes e Gilberto Pinto deixaram um valioso legado à cultura do município.
A centenária Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto é um dos maiores patrimônios de Resende Costa. O acervo inicial de 266 volumes doado por Gonçalves Pinto foi ampliado ao longo dos 100 anos e hoje conta com mais de 10.000 livros registrados. A biblioteca recebe diariamente inúmeros estudantes da rede pública de ensino da cidade que vão ao local para fazer pesquisas e obter livros por empréstimo, além de visitantes de outras localidades.