Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto completa 100 anos de criação


André Eustáquio


Sede da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto, na praça Nossa Senhora de Fátima, Mirante das Lajes (Foto André Eustáquio)

Vielas estreitas de terra e pedras por onde passavam as boiadas em comitiva rumo ao sertão, tangidas por tropeiros que aqui pernoitavam. Não havia água tratada, nem luz elétrica. Apenas simples casas de pedras e taipa e uma igrejinha erigida no alto de um íngreme morro, de onde se descortinava um horizonte arrebatador. Assim era a paisagem do antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage, erguido no final da primeira metade do século 18.

A Lage, então pertencente ao município de Tiradentes, antiga São José del-Rei, aos poucos foi se desenvolvendo e em 1912 emancipa-se, adquirindo autonomia política, econômica e social. No entanto, pouco ou quase nada mudou no antigo Arraial da Lage, posteriormente Distrito da Lage e, mais tarde, Villa de Resende Costa, nos primeiros anos do século 20. Pode-se destacar a ampliação da primitiva capela de Nossa Senhora da Penha de França, padroeira da localidade, e a pavimentação das principais ruas da Vila. Porém, três importantes empreendimentos, implantados pelos homens públicos que governaram o município recém-emancipado, devem ser destacados como ações ousadas para a época e que se refletiram no futuro da cidade e no bem-estar de sua gente: fundação da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto (1918), construção do Grupo Escolar Assis Resende (1919) e construção do Teatro Municipal (1922).

A Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto completou, no dia 29 de abril último, 100 anos de fundação. A sua origem está ligada às primeiras ações do mandato do coronel Francisco Mendes de Resende (1874-1936), primeiro presidente da Câmara e chefe do Executivo Municipal, a partir de 1912.

Após seis anos de emancipação política do município, o coronel Mendes de Resende criou a Biblioteca Municipal partindo de um acervo de aproximadamente 266 volumes, doado ao município por Antônio Gonçalves Pinto. Segundo José Maria da Conceição Chaves, o Juca Chaves, em seu livro “Memórias do Antigo Arraial de Nossa Senhora da Penha de França da Lage – atual Resende Costa”, publicado pela amiRCo em 2014, a criação da Biblioteca Municipal foi proposta em sessão da Câmara, em 29 de abril de 1918, pelos vereadores coronel Francisco Mendes de Resende, coronel Francisco Gonçalves Pinto (1850-1934) e doutor José Vilela da Costa Pinto.

 

Histórico

A Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto foi criada pela Lei nº 24, de 16 de setembro de 1918. Seu nome foi escolhido em homenagem ao ilustre cidadão resende-costense que doou ao município sua biblioteca particular. Diz Juca Chaves sobre Antônio Gonçalves Pinto (1854, Resende Costa - 1923, Belém, Pará): “Ainda moço, partiu Antônio Gonçalves Pinto de sua terra natal (nasceu na Fazenda do Pinto em 10/07/1854), que não mais reviu, indo empregar-se no comércio da vizinha cidade de São João del-Rei, daí rumando para a Capital Federal e, finalmente, para aquele lugar, Belém, onde assumiu a direção de uma casa comercial.

Inteligente, sem curso humanístico, pois que apenas no velho arraial tivera escola das primeiras letras, proporcionadas aos conhecimentos da época, conseguiu, por si só, aperfeiçoar-se no uso do vernáculo e ainda aprender as línguas francesa e alemã, tendo ocasião de visitar o Velho Mundo, passando pela França e Alemanha.

Guardando indelével recordação de sua terra, dá-lhe Antônio Pinto uma prova da grande afeição que lhe votava, ofertando à Câmara Municipal de Resende Costa toda a sua biblioteca de numerosos volumes, alguns dos quais de diferentes idiomas e de preciosas e raríssimas edições, acondicionadas em duas grandes vitrinas que ele despachou por via marítima.

Apossando-se de quão valiosa dádiva, deliberou a Câmara Municipal, em sessão de 15 de abril de 1918, dirigir um ofício ao ilustre conterrâneo externando-lhe os seus agradecimentos por esse gesto de acrisolado patriotismo.

Volvidos quase 20 anos, em 12 de setembro de 1938, lavra-se sob o número 59 uma portaria municipal franqueando a Biblioteca ao público a partir de 15 daquele mês e ano.”

 

Trajetória

A trajetória da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto foi marcada por momentos diversos. Desde a sua criação, a biblioteca esteve acondicionada em diferentes espaços. Inicialmente no paço da Prefeitura Municipal (atual sede da Câmara Municipal); posteriormente no porão de uma residência localizada no centro de Resende Costa; depois foi transferida para a sede da atual prefeitura e, por fim, para um imóvel anexo ao Teatro Municipal. Nesse endereço a biblioteca entrou em acelerado estado de decadência.  

O espaço anexo ao teatro estava longe de ser o ideal para receber uma biblioteca. As estantes mal cabiam no local destinado a elas e grande parte do acervo – em especial as obras raras doadas por Antônio Gonçalves Pinto – achava-se amontoado em estantes e no chão do camarote do Teatro Municipal, exposto à poeira, ao mofo, às traças e cupins. Poucos livros foram adquiridos nesse longo período do quase ocaso da Gonçalves Pinto. Os frequentadores da biblioteca usufruíam do precário e reduzido acervo disponível e contavam apenas com uma apertada mesa e cinco cadeiras para leitura e pesquisa.

Foram muitas as cobranças ao poder público com o intuito de que se construísse uma sede digna para abrigar a quase centenária biblioteca e seu importante acervo. Inúmeros artigos e reportagens publicados no Jornal das Lajes denunciaram a precariedade em que se encontrava a Biblioteca Municipal de Resende Costa. Até que em setembro de 2008 a cidade, enfim, ganhou uma sede definitiva para a sua biblioteca.

O saudoso ex-prefeito municipal Gilberto José Pinto (1948-2015) ouviu os apelos dos resende-costenses preocupados com a biblioteca e construiu uma bela e moderna sede para abrigá-la, localizada no principal cartão-postal de Resende Costa: o Mirante das Lajes de Cima, na praça Nossa Senhora de Fátima. A edificação de dois andares tem influência arquitetônica do estilo colonial e harmoniza-se com o vizinho sobrado do século 19 que abriga a Câmara Municipal.   

Não haveria melhor lugar em Resende Costa para construir um prédio para a biblioteca do que o Mirante das Lajes. No segundo andar da edificação – além da sala onde estão as obras raras (restauradas através de parceria entre o município e o Fundo Estadual de Cultura – FEC, com apoio da amiRCo), de acesso restrito – há uma ampla e arejada sala de leitura que dá vistas para o belo mirante. O leitor pode abrir a janela e assistir de camarote ao pôr do sol enquanto “viaja” pelo mundo encantado da leitura.

O andar térreo abriga a sala onde funciona a sede da Associação de Amigos da Cultura de Resende Costa (amiRCo) e o memorial político com fotos dos ex-prefeitos de Resende Costa. A biblioteca é também utilizada para reuniões e eventos culturais, como palestras, lançamento de livros e atividades recreativas. A sede da biblioteca abriga também o espaço cultural “Professor Geraldo Sebastião Chaves” e a Secretaria Municipal de Turismo, Artesanato e Cultura.

A história nos brinda com grandes acontecimentos que nos possibilitam reverenciar a memória de pessoas que marcaram a sociedade com importantes obras e deixando legados que se tornaram imortalizados.

A trajetória da Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto, em tempos distintos e separados por um século, foi marcada por iniciativas de dois grandes administradores públicos, inspirados pelo mesmo e nobre dever: o compromisso com a cidadania, com o desenvolvimento urbano e humano de Resende Costa.

Em 1918, o coronel Francisco Mendes de Resende criou a Biblioteca Municipal, pensando no desenvolvimento cultural e na educação dos munícipes. Em 2008, Gilberto José Pinto construiu sua sede e escolheu esse acontecimento para coroar o seu terceiro mandato de prefeito de Resende Costa. Coronel Mendes e Gilberto Pinto deixaram um valioso legado à cultura do município.

A centenária Biblioteca Municipal Antônio Gonçalves Pinto é um dos maiores patrimônios de Resende Costa. O acervo inicial de 266 volumes doado por Gonçalves Pinto foi ampliado ao longo dos 100 anos e hoje conta com mais de 10.000 livros registrados. A biblioteca recebe diariamente inúmeros estudantes da rede pública de ensino da cidade que vão ao local para fazer pesquisas e obter livros por empréstimo, além de visitantes de outras localidades.

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