Dependência Química


Artigo

Carlos Alexandre de Resende*0

Dificilmente o leitor poderá dizer que nunca conviveu ou mesmo conheceu alguém ou alguma família que tenha sofrido problemas relacionados ao abuso ou dependência de drogas. Elas são substâncias que, ao serem consumidas por um indivíduo, alteram o funcionamento de seu organismo e, por consequência, seu comportamento. Podem ser lícitas (permitidas por lei e aceitas socialmente, como, por exemplo, o álcool, o cigarro e remédios psicoativos) ou ilícitas (proibidas por lei como, por exemplo, maconha, cocaína, crack, solventes, anabolizantes, entre outras).

O uso e abuso de drogas é cada vez maior em nossa sociedade e está altamente relacionado a problemas e prejuízos sociais, familiares e individuais como, por exemplo, desvios de comportamento, situações de risco, violência e criminalidade, acidentes, problemas de saúde dos mais variados e mortes. Exemplos são o que não faltam, desde famosos mortos devido ao abuso do álcool, como Amy Winehouse, ou por drogas ilícitas, como Chorão do Charlie Brown Jr, até pessoas de nossa cidade falecidas recentemente devido ao alcoolismo.

Existem pelo menos quatro situações no que se refere à relação entre o indivíduo e o uso de uma determinada droga: 1º) A pessoa não usa; 2º) Usa socialmente em ocasiões esporádicas ou especiais (mais comum com as bebidas alcóolicas); 3º) A pessoa é abusadora, usa às vezes, porém não consegue controlar a quantidade, consumindo muito e podendo estar sujeita aos problemas acima referidos; 4º) O dependente químico, aquele que não consegue mais controlar nem a frequência e nem a intensidade do uso da substância. Ele passa a precisar cada vez mais da droga para vivenciar suas experiências diárias, sofrendo sintomas de abstinência em sua falta. Está doente.

Embora cada vez mais se fale em dependência química, o assunto, na maioria das vezes, é tratado com superficialidade, sensacionalismo, preconceitos e, o mais grave, a partir de um paradigma moralizante, em que o dependente químico é considerado o culpado, fraco ou mau caráter e só não para por que não quer.

O que leva uma pessoa a abusar e se tornar um dependente de álcool, maconha, cocaína ou Crack? As drogas psicoativas ou de abuso são substâncias capazes de gerar prazer, atuando diretamente no sistema de recompensa cerebral e, justamente por essa razão, o indivíduo tende a repetir o uso. A pessoa começa, aos poucos, a abusar da substância e, caso tenha uma predisposição genética, se torna um dependente químico. O organismo e os padrões de comportamento mudam fazendo com que a pessoa passe a depender tanto da droga que, ao interromper seu consumo, mesmo que por um período curto de tempo, apresenta sintomas físicos e psicológicos de abstinência, altamente desagradáveis, que variam de acordo com a droga em questão, o grau de dependência e com outros fatores do quadro clínico. Justamente por tudo isso é muito difícil largar a droga. Não se trata de uma questão de força de vontade. Estamos lidando com uma doença, que ocorre no cérebro, que vai se transformando e com ele, a personalidade do indivíduo.

Ninguém que experimente alguma droga pela primeira vez acredita que irá se tornar um dependente químico. Tudo começa com uma experimentação, que pode ser ingênua ou consciente: “Sei que faz mal, mas uma vez apenas não vai me viciar...”.  As pessoas usam drogas inicialmente por aventura, curtição, curiosidade, desafio, inadequação social, tédio ou simplesmente para fazerem parte de algum grupo. Ao nos depararmos com casos de dependentes químicos percebemos que não necessariamente são pessoas de mau caráter ou mal formadas e sem valores. Pessoas talentosas, cultas, bem informadas sobre os efeitos das drogas, bons filhos, pais e excelentes trabalhadores também são vitimas em potencial. Portanto, não existe consumo isento de riscos e não é possível prever quem se tornará dependente, sendo a melhor solução para as drogas ilegais evitar a experimentação e para as legalizadas evitar ou reduzir e controlar o consumo de álcool e cigarro.

A dependência química é uma doença crônica, ou seja, não falamos em cura, mas sim em prevenção, tratamento, controle e recuperação. Após a desintoxicação, a pessoa precisa reaprender a funcionar sem a substância e se cuidar pelo resto da vida. O tratamento do dependente químico é complexo e varia em cada caso, envolvendo sempre o tratamento médico/medicamentoso e o psicológico, que inclui a psicoterapia com o dependente e com sua família (que sofre e adoece junto, codependentes). Também são muito importantes os grupos de mútua-ajuda como os Alcoólicos Anônimos e os Narcóticos Anônimos e a espiritualidade.

Estamos diante de um problema de saúde pública, que cresce a cada dia e que afeta todas as classes sociais. Evidente que os governos precisam investir em prevenção e tratamento. Entretanto, cabe a todos os cidadãos buscar informações quanto ao problema a fim de entendê-lo e saber como lidar com seus amigos e familiares abusadores ou dependentes. Quanto mais pessoas informadas sobre o que é e como lidar com a dependência química, maior a possibilidade de o problema ser tratado com a seriedade que precisa. Felizmente existe tratamento e não podemos mais continuar perdendo pessoas para as drogas. Poderemos recuperar vidas e vencer esse desafio, ajudando tais pacientes a desenvolverem suas potencialidades pessoais e conseguirem sentir prazer na vida através de coisas simples cotidianas, com as pessoas que os cercam.

 

*Psicólogo e mestre em psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo.

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