É gratificante perceber a satisfação das pessoas, que muitas vezes chegam sem esperança e ao final de um processo, às vezes longo, obtêm aquilo que necessitavam (Júlio Xavier)


Entrevistas

André Eustáquio / Emanuelle Ribeiro0

fotoJúlio César Xavier, defensor público de Resende Costa.

A garantia de que todas as pessoas, independente de raça, cor, idade e classe social, gozem dos mesmos direitos tem sido um grande desafio imposto ao Judiciário. A Defensoria Pública ocupa papel de grande relevância nesta batalha ao defender e orientar os menos favorecidos. Nesta entrevista, o defensor público de Resende Costa Júlio César Xavier, 40, casado, fala da missão da Defensoria Pública e de temas espinhosos, como a redução da maioridade penal, que envolvem a Justiça no Brasil. Natural de Barbacena (MG), onde graduou-se Bacharel em Direito pela UNIPAC, Júlio é um intelectual que transita com elegância tanto pelas letras “frias” da jurisprudência quanto pelo fascinante e infinito universo da poesia. Com a palavra o defensor/poeta.

Quais são as exigências para se obter a Defensoria Pública em uma cidade? Ao lado do Ministério Público e Advocacias particular e pública, a Defensoria Pública compõe o conjunto das funções que a Constituição Federal chama de ‘essenciais à Justiça’. Em toda Comarca, portanto, seria necessária a presença de um Defensor Público, mas o orçamento destinado à instituição ainda é insuficiente para que todos os cargos sejam preenchidos. Desta forma, via de regra, os locais onde há Defensor foram escolhidos pelo mesmo, ao ser aprovado no concurso ou em outro momento da carreira. Há também algumas Comarcas estratégicas ou de grande demanda em que a Defensoria se faz presente através da movimentação de profissionais em início de carreira, de forma provisória, ou por mecanismos especiais como grupos de atuação e equipes itinerantes. Muito oportuna e relevante é a Emenda Constitucional 80/2014, que obriga o poder público a designar Defensores para todas as Comarcas do país, em até oito anos.

Como foi implantada a Defensoria Pública de Resende Costa? A Defensoria Pública de Resende Costa foi implantada em etapas. Nos anos 70, o Dr. Agenor Gomes Neto, advogado particular, era conveniado com a Secretaria de Justiça para prestar assistência jurídica gratuita aos necessitados. Ainda não havia a expressão “Defensoria Pública”, criada, em nível nacional, com a CF/88. Um ano antes, em 1987, a doutora Dilma Maria de Sousa foi nomeada para assumir a função, que honradamente exerceu por 14 anos, até 2001. Foi a primeira a atuar em caráter efetivo e sob o comando das normas constitucionais, desempenhando prerrogativas próprias do cargo. Neste período ela obteve a primeira sede, uma pequena sala no prédio da Câmara Municipal, que depois se transferiu, em 1998, para o imóvel que ocupa até hoje, um amplo espaço com dois andares, junto à praça Mendes de Resende, com a estrutura e dignidade que a instituição necessita e merece. Com a aposentadoria da doutora Dilma, em julho de 2001, assumi o cargo, vindo de Entre Rios de Minas. Merecem destaque também dois funcionários administrativos, provenientes do quadro da extinta Minas Caixa, absorvidos pela Defensoria na década de 90. Em 1991 o valente Antônio Monteiro de Oliveira, que atuou até janeiro de 2012, e Geraldo Claret de Resende, que ingressou em 1994 e até hoje nos enriquece com seu conhecimento e dedicação.

Quais são as funções de um Defensor Público? Nossa função é orientar juridicamente aquelas pessoas com baixo poder aquisitivo, ajuizando as ações adequadas e indicando ou promovendo as soluções cabíveis, ainda que o direito em discussão diga respeito a certo grupo de pessoas ou interesses públicos.

Quais as causas atendidas pelo Defensor Público? A Defensoria tem atuação perante a Justiça Federal, onde trabalham os Juízes Federais e Procuradores da República, e cujos processos afetam interesses da União, enumerados pela própria Constituição. Em nível estadual, atua junto à chamada “Justiça Comum”, onde estão os Juízes e Promotores. Nos fóruns da Justiça Estadual, como o de Resende Costa, são julgadas ações relativas ao Direito Civil (aqui incluídos diversos ramos, como Família, Sucessões, Contratos e Empresarial), além de Direito Penal e Administrativo, entre outros. Independente do tema, a Defensoria fará análise do perfil econômico do cliente e de suas pretensões e proporcionará a solução que entender mais adequada, segundo a lei e os fatos.

Quais são as causas mais frequentes que chegam à Defensoria Pública de Resende Costa? Resende Costa é uma Comarca com apenas uma unidade jurisdicional. Um Juiz para todos os processos, ou seja, a chamada Vara Única. Conforme maiores as Comarcas, as Varas vão se fracionando, inicialmente em Civil e Criminal, e depois em especialidades. Pois bem, naturalmente a Defensoria de Resende Costa atua em todos os ramos, sendo que as ações em maior número, em Direito Civil, são da área de Família, como divórcios e pensões alimentícias. Em Penal, há mais defesas perante o Juizado Especial, onde são julgados os crimes menos graves, como ameaças, lesões corporais e pequenos furtos.

Como a Defensoria Pública atua em causas envolvendo crianças e adolescentes? Uma das mais importantes frentes de atuação da Defensoria é junto às crianças e adolescentes. Seu Estatuto (Lei 8069/90) elege a Defensoria para a defesa de seus interesses em incontáveis situações, atuando como autor ou ao lado dos réus em ações civis ou processos em que respondem por “atos infracionais” (termo usado para crimes praticados por menores). Eventualmente somos nomeados como Curadores Especiais, conforme a particularidade do caso. As ações mais comuns são na área de Família, como pensão alimentícia, guarda, adoção e tutela, bem como nos procedimentos infracionais.

No Brasil tem ganhado muita força o debate sobre a redução da maioridade penal. Qual sua opinião sobre este tema? Como profissional do Direito, entendo que a maioridade não deve ser reduzida. O poder público falha na organização e estruturação do sistema que envolve a aplicação do Direito Penal a menores. Os Conselhos Tutelares e serviços da Assistência Social, bem como as Varas de Infância e Juventude, fazem normalmente um bom trabalho, mas esbarram na falta de investimentos. Os estabelecimentos de internação não são eficientes na ressocialização dos menores e existem em pequeno número, o que faz com que estes ocupem, muitas vezes, celas isoladas dos adultos nas cadeias ou penitenciárias, uma realidade desumana. Um país que tem como princípio a defesa da dignidade e que não investe em educação de forma hábil e massiva, não pode subordinar um grupo tão renegado e socialmente fragilizado às mesmas leis a que respondem os adultos, sob pena de, com isto, assinar um atestado de incompetência. Por outro lado, vemos que a sociedade não suporta mais viver num país com níveis tão altos de criminalidade e violência, em que cidadãos de bem pagam com seu patrimônio e muitas vezes com sua própria vida, vítimas da marginalidade que só piora e com a qual não podemos mais nos conformar. Para estes casos mais graves não há outra coisa a se fazer, a curto prazo, senão punir com mais rigor e eventualmente retirar os autores do convívio social, dando-lhes amparo e promovendo a reconstituição de sua personalidade, através da oferta de educação e formação profissional.

Se aprovada, a redução da maioridade penal poderá contribuir para a diminuição da criminalidade no Brasil? A proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade para determinados crimes está em discussão no Congresso Nacional desde 1993. Após muitas alterações, prevê atualmente a redução de 18 para 16 anos para os réus dos crimes de homicídio intencional e lesão seguida de morte, além dos crimes hediondos, como estupro, roubo seguido de morte e sequestro, entre outros. Foi aprovada em dois turnos na Câmara e aguarda votação no Senado. Uma pesquisa recente, feita entre agosto de 2014 e maio de 2015 na capital paulista, apurou que em 10 meses foram cometidas 22 mil infrações penais por menores, e revelou que apenas 3% delas estão no grupo de que trata a proposta em tramitação. A maior fatia é dos roubos qualificados, com 53%, tráfico, com 23% e furto, com 6%, todos fora da redução. Pois bem, destes 3%, 2% são cometidos por adolescentes entre 16 e 18 anos, ou cerca de 40 por mês. A pergunta que se faz é: quantos destes infratores deixarão de executar suas intenções caso a proposta vire lei? Dada a realidade marginal em que vivem, muito poucos. Respondendo à questão, a criminalidade poderá ser reduzida, mas num grau quase imperceptível. Eventual redução da maioridade valerá mais para produzir uma falsa sensação de segurança.

Como o Brasil e a Justiça devem cuidar dos menores infratores? Preventivamente, com investimento concreto em educação, formação profissional e inclusão social. Não há outra saída. Repressão, embora necessária, é como enxugar gelo. Temos que pensar e cobrar uma escola de qualidade em tempo integral e com professores capacitados e bem remunerados. Programas de proteção à família de baixa renda e inserção de seus membros em serviços de apoio e capacitação, quando detectada situação de risco. O investimento nesta linha pedagógica traria, a médio e longo prazo, esvaziamento considerável da população carcerária e diminuição dos gastos com tratamentos de saúde para vítimas de violência, entre tantos outros benefícios. Todavia, cometida a infração por menor, há que se preservar todos os direitos relativos à pessoa em fase de desenvolvimento, como premissa de uma democracia republicana em que se adota o Estado de Direito, bem como oferecer os instrumentos essenciais ao exercício da sua ampla defesa, como Defensorias Públicas sólidas, independentes e bem estruturadas, além de um julgamento rápido e justo, em que se aplique a legislação apropriada para que sejam encaminhados aos órgãos de amparo e ressocialização, tendo sempre em foco a proteção de sua dignidade, qualquer que tenha sido a infração praticada.

Hoje, quais são os maiores desafios enfrentados pelo Judiciário no Brasil, especialmente pela Defensoria Pública? O principal desafio do Judiciário é oferecer justiça rápida e eficiente, mas a estrutura do sistema dificulta isto. Leis ultrapassadas, excesso de recursos e número insuficiente de profissionais geram insatisfação e tribunais abarrotados. O processo eletrônico, em fase de implantação, trará mais agilidade para a resolução dos conflitos e deverá extinguir em 10 anos a circulação dos papéis como hoje conhecemos. Entretanto, enfrentar este gargalo social que é a justiça tardia, implica, sobretudo, na necessidade de aperfeiçoamento da atividade legislativa, pois é no Congresso Nacional onde nascem as leis que o Judiciário aplica, mas parlamentares despreparados, insensíveis aos problemas da população e voltados para interesses escusos, como parece ser o perfil geral da política brasileira, pouco contribuem para a transformação que a sociedade precisa. Em meio a um cenário de má gestão da coisa pública, disputas de poder, orçamento reduzido e outros inúmeros desafios, a Defensoria tem como meta se firmar na luta pelos direitos das classes menos favorecidas, conquistando o espaço e a visibilidade que os objetivos da instituição ensejam. Atualmente, em MG, apenas metade dos 1200 cargos existentes está provida. E o número de Comarcas atendidas não passa de 40%, o que torna o cidadão comum, componente das camadas de base da sociedade, mais vulnerável, diante da dificuldade de acesso à justiça através de profissionais alinhados com suas necessidades. A Defensoria Pública promove transformação social e vem conquistando reconhecimento pelos importantes serviços prestados, o que se espelha na ampliação da legislação que lhe regula e no fortalecimento das garantias necessárias ao exercício do cargo.

O atual modelo de Defensoria Pública é adequado à realidade brasileira? Existem no mundo, basicamente, dois tipos de prestação de assistência jurídica pelo Estado. Um que utiliza advogados conveniados e outro que constitui um órgão próprio. O primeiro costuma ser mais oneroso, descomprometido e ineficiente, e o segundo, como no Brasil, habitualmente presta um serviço de melhor qualidade e independente. Portanto, não há dúvidas de que fizemos a escolha certa, embora falte à União e aos Estados o investimento adequado nesta importantíssima instituição.

O senhor já publicou livros de poesia. Fale sobre o defensor público e o poeta.

O Defensor e o poeta convivem muito bem.

É bom quando o trabalho dá lugar à inspiração.

Na vida, o equilíbrio daquilo que se tem

Com aquilo que se busca, e que nem sempre vem

É o legado mais valioso do processo de criação.

 

Não podemos dizer que livros publiquei.

São dois humildes livretinhos que não contam como ofício.

Com lembranças do que vi e pegadas que deixei.

Sentimentos que tive e outros que sonhei.

Versos bem simples, de um modesto exercício.

 

Que me fascina, entretanto – e por isso tem espaço

No meu tempo, quando fora do gabinete.

Pode ser em noite fria ou em dia de mormaço,

Basta um beijo da Elisa, no aconchego do abraço

Pra germinar um poeminha como este!

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