Edmilson Sales, memória viva do carnaval de blocos em São João del-Rei

“Está na veia! Tive o privilégio de pegar grandes blocos, de acompanhar os blocos mais antigos."


Cultura

José Venâncio de Resende0

Bloco Bandalheira, um dos mais tradicionais de São João del-Rei. .

Em pouco mais de quatro décadas, o número de blocos carnavalescos explodiu em São João del-Rei, chegando a 35 blocos em 2024. A maioria, sem registro (CNPJ), o que dificultava (e ainda dificulta) receber apoio financeiro do poder público. Além disso, houve uma tendência à concentração no centro histórico da cidade, o que acabou por levar ao maior controle e prejudicar a diversidade.

Edmilson Rezende Sales, 65 anos, natural de Mar de Espanha (MG), “engenheirando industrial” pela antiga Fundação Municipal de São João del-Rei, gestor público pelo Instituto de Estudos Tecnológicos de Juiz de Fora, está nesse negócio de blocos carnavalescos desde 1979, quando se matriculou na Fundação Municipal. “Início do ano, calouro, conhecendo a cidade…”

Tudo começou na esquina da Kibon, “o ponto de todos os encontros”, recorda Edmilson. Ali se concentravam o Kleves bar, o bar do Minuano, a Cantina do Ítalo, o Geraldo pasteleiro, o barzinho do postinho, Passareli, Juscelino, o barzinho do Geraldo e o sr. Claudionor, entre outros. “Comecei a fazer uma amizade muito grande com eles!”

Foi ali que surgiu o bloco “Bandalheira”, conta Edmilson. “Eu estava lá, eu tinha amigos comuns que criaram a Bandalheira: o Parruda, principalmente o Pedrão meu compadre, o Salvador, o barzinho Minuano. Foi histórico, “eu, calouro careca, participando, desde essa época, do carnaval de São João del-Rei”.

No início da década de oitenta (1983 a 85), Edmilson participava da coordenação da Bandalheira, ao lado de Pedrão e Guilherminho Berg, da turma da mesa zero da Cantina do Ítalo. “Eu tive o privilégio de conhecer essas pessoas e tinha um relacionamento muito bom com a Prefeitura - o sr. Otávio (Otávio de Almeida Neves) era o prefeito na época e o Marco Camarano era o secretário de Cultura e Turismo.”

Depois, conheci o Luiz D´Ângelo, “um carnavalesco, sensacional, inigualável; tomou a frente, foram vários carnavais e o apoio em tudo que era cultural na cidade”, recorda Edmilson. “Eu participava de tudo, tive o privilégio de me relacionar com ele”.  Novas amizades, e Edmilson sempre pronto para ajudar. “Está na veia! Tive o privilégio de pegar grandes blocos, de acompanhar os blocos mais antigos. No final de 1980, já estava lá um carnaval sensacional.”

Surge a Associação de bandas e blocos

Um novo salto foi dado com a criação, em 18 de maio de 2010, da Associação de Bandas e Blocos Carnavalescos de São João del-Rei (ABBCDELREI). “Foi uma ideia sensacional do Ralph Justino, secretário da Cultura e Turismo”, lembra Edmilson. A associação foi registrada em dezembro de 2011, com total apoio de Ralph Justino. “Ele me incumbiu de fazer o estatuto, registrar e reunir as pessoas. O Ralph Justino ajudou muito, financeiramente, fazer tudo isso.” 

“Oficialmente, nós começamos a ter participação, relata Edmilson que fez parte da primeira diretoria; “saí por divergência e o pessoal continuou. Mas eu estava sempre junto, na época eu morava no Bonfim – participei de todos os blocos do Bonfim. E estou até hoje, mais de 65 anos de idade, carnavalesco, ajudando em tudo que posso”.

“Quando começamos a nossa associação, nós tínhamos 26 blocos registrados como membros”, recorda Edmilson. “Com a sua experiência, o Ralph Justino mandava registrar tudo. A ideia de organização do Ralph era fazer o trabalho de contador dos blocos, das bandas.” Entre esses 26 blocos, havia dois do Rio das Mortes – o Byrinaite e o Unidos da Ponte - “que eram para ser hoje escola de samba”. Eles participaram até 2014, mas desistiram por falta de apoio. “Era sensacional o trabalho deles que nós perdemos.”

E assim chegamos a 2024, com 35 blocos. “Nós fizemos 35 blocos de trajeto, fizemos três matinês e 10 eventos de palco com música popular e de todos os tipos”, comemora Edmilson. Por falar em música popular, ele recorda a experiência de três carnavais com música eletrônica e marchinhas carnavalescas antigas, convivendo tranquilamente. “Sensacional! Foram três anos de música rave e foi feito um concurso de músicas carnavalescas utilizando a Lei Aldir Blanc. Fizemos um evento muito bacana no Teatro Municipal.”

Não havia carnaval em Belo Horizonte, Outro Preto ou outro lugar qualquer igual ao de São João del-Rei, principalmente carnaval de rua, garante Edmilson. “Carnaval de rua era uma semana antes.” Havia os blocos mais antigos, como a Lesma Lerda que esse ano completa 50 anos; depois, o Alvorada, La Playa, Chácara, Piranhas e Se mamãe deixar entre outros, que são blocos com mais de 30 anos.

“Infelizmente, lamenta Edmilson, nós estamos perdendo blocos, perdemos alguns pontos de carnaval nos bairros, como o Aragê, do São Geraldo, que a Ana carregava sozinha, fazendo evento o ano inteiro. Nós perdemos blocos sensacionais no Bonfim, como o Copo Sujo - Sexta-feira de carnaval era sensacional, enchia a subida do São Francisco até a caixa d´água do Bonfim. Nós perdemos grandes carnavalescos como o Paulinho, do Gato de Botas, no ano retrasado.” Alguns estão voltando às origens, “concentrando lá em cima nos bairros, dando volta no bairro; no Bonfim atualmente são três.

“A cultura é ampla, não podemos direcionar a cultura”

Veterano e fã das marchinhas, está preocupado com o futuro do carnaval são-joanense. “A cultura é ampla, nós não podemos bloquear nada. Nâo podemos nem por um ponto e vírgula, muito menos um ponto final. Cultura tem que ter todos os espaços.” Ele recorda que o aché baiano chegou a São João del-Rei poucos anos depois da criação da Bandalheira. “Vinha um pessoal de fora e colocava a camionete onde é o atual shopping (era um espaço vazio, uma garagem). Eles chegavam e colocavam o som de aché baiano; quer dizer, 46 anos atrás nós já tínhamos esse problema cultural, de diversidade.”

“A cultura é ampla. Nós não temos o direito nem podemos bloquear qualquer momento cultural, de qualquer estilo”, defende Edmilson. Eu sou contra, e a lei não permite, direcionar a cultura. Todos os eventos são culturais, todas as tendências são culturais. Há 45 anos ninguém queria saber de aché da Bahia. Hoje, todos os blocos nossos tem que colocar todos os ritmos. Cultura é dinâmica, ela vai se renovando, crescendo ano após ano. São trabalhos culturais que tem que ser valorizados e deixar acontecer.”

A cidade só tem a ganhar com esta diversidade, assegura Edmilson, mesmo com as “isenções por lei que diminuem um pouco a arrecadação. Mas aumenta do outro lado. Se você aplica um real, no mínimo vem três vezes mais de arrecadação para o município. Eu já pesquisei isso, várias vezes, tenho acesso à prestação de contas do município. O turismo está diminuindo porque o carnaval agora está muito concentrado em Ouro Preto e em Belo Horizonte, e outras cidades da nossa região também desenvolveram um carnaval muito bonito. Mesmo assim, São João del-Rei tem uma arrecadação e um movimento de turistas muito grande”.

Uma preocupação de Edmilson é com a informalidade dos blocos, o que dificulta o recebimento de apoio financeiro do poder público. Dos 35 blocos de 2024, “dá pra contar nos dedos os que são pessoa jurídica; não chegam nem a cinco. Como é que o poder público pode fazer uma distribuição sem CNPJ? Como é que esse bloco pode fazer uma campanha de arrecadação, de eventos? Tem que ser pessoa jurídica.” Ele reporta à preocupação de Ralph Justino. “Nós tentamos alertar, mas infelizmente não seguiram a orientação e o conselho do Ralph Justino. E foi por isso que nós oficializamos a associação, desde 2019: alugamos uma sala, pagamos contabilidade, prestamos contas para o governo. Ajudamos até as entidades em festas religiosas que não tinham CNPJ; quer dizer, a prefeitura não podia colaborar.”

Mas, apesar dessas dificuldades, Edmilson defende que haja diversidade, como ocorre em outras cidades. “Infelizmente, nós ainda estamos com essa ideia de um polo só. Nós temos que pedir permissão ao conselho de patrimônio, ao conselho do meio ambiente (em relação ao barulho), ao secretário de obras (limpeza pública); hoje, tem a secretaria de segurança, que faz um trabalho conjunto com o trânsito (nós não podemos fechar a Rua Tiradentes, não podemos ultrapassar as pontes), os bombeiros e a polícia militar; então nós temos que respeitar bem e ver onde que a gente pode ajudar; tudo passa pelos conselhos, principalmente o conselho do patrimônio e pelo IPHAN (proteção do patrimônio e áreas tombadas).”

“O carnaval nosso é só na parte central da cidade, e isso tem que ser modificado”, defende Edmilson. “E tem que dar espaço a todas as tendências e a todos os interessados em fazer um carnaval de resgate. Por exemplo, hoje tem blocos com outros nomes que estão tentando resgatar blocos antigos. Mudaram o nome, mas valorizaram a origem deles, como o Golosório, do Tijuco, e o Deixa o mundo girar, do Bonfim. Então, a renovação é permanente.”        
          
 
 
     

 


   

 


 
   

 

 

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