Eleitor corrupto. Político honesto


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João Bosco de Castro Teixeira*0

fotoJoão Bosco Teixeira

Há três afirmações que sempre me incomodaram. A primeira, atribuída a De Gaule: “O Brasil não é um país sério”. A segunda, “a corrupção é endêmica no Brasil”. A terceira, que mais me deixa preocupado: “somos eleitores corruptos que querem políticos honestos”.

De De Gaule já me esqueci, porque já demos provas de que somos capazes de fazer alguma coisa bem feita. Entre muitas, lembra-me a Rio-92, Copa do Mundo, Olimpíadas. Se De Gaule se referia à política, aí, sim, talvez ele continue com a razão.

As outras duas frases são coincidentes, ou uma é consequência da outra. E o educador é que pague a conta. Sim, ele é o grande responsável, entendendo-se, como primeiro educador, a família.

A formação para o estabelecimento de relações honestas começa em casa, na família, onde o que fazer e o que deixar de fazer não deve ser objeto de negociação, não pode ser objeto de contrato corrupto. Quantas aprovações dos filhos nos estudos são fruto não de estudo, mas de promessas de prêmio, por parte dos pais. Quantas vezes o comportamento é fruto de “Se você fizer isso, ganha aquilo”. Quanta mentirinha adotada como estratégia: “Se for fulano que esteja me chamando, diga que não estou em casa”; “Fale com a professora que você não fez os deveres para casa porque estava doente”; “Por que você não disse à diretora que foi fulano que te agrediu primeiro?” “Seu pai não tem dinheiro para comprar isso agora. Por que não compra uma edição pirata? É mais barato!”

A escola também erra muitas vezes, introduzindo a cultura da corrupção. Nos conselhos de classe quantas vezes se foge da verdade, para não ter que enfrentar dificuldades com as famílias. “Fulano este ano não cresceu nada, não se aplicou e, portanto, não se desenvolveu; mas ele precisa passar de todo jeito, está ficando muito para trás”. Quantas vezes professores dão um ponto a mais para todos os alunos porque a média da turma foi muita baixa, o que compromete seu desempenho. E atestados médicos arranjados para justificar faltas injustificáveis, de professores, de funcionários e de dirigentes.

“Só na família, só na escola da educação básica, se colocaria uma semente favorável à verdade nas relações, se colocariam os fundamentos para um combate definitivo à corrupção”

A sociedade, em geral, convive com a corrupção, alimenta a corrupção e, pior, considera a atitude de corrupção como uma esperteza.  Entre muitíssimas situações: suborno de autoridades; impostos não pagos; compra de atestados médicos; propinas para obtenção de serviços; indicações políticas para o exercício de cargos que exigem competência específica; compadrio; nepotismo; compra de votos; passar-se por idoso em situações em que esses são privilegiados; instalação de “gatos” para obtenção de água, energia elétrica, canal de televisão e outros serviços etc. etc.

Tenho plena convicção de como é difícil não se deixar corromper. É preciso, às vezes, heroísmo. Até porque, damos ao fato o nome de “dar um jeitinho”. As circunstâncias favoráveis à pequena corrupção são muitas. E resistir a elas é difícil, até com a desculpa de que não se está fazendo mal a ninguém.

Tenho, pois a convicção de que não se deixar corromper é difícil. Mas tenho, igualmente, outra convicção: só na família, só na escola da educação básica, se colocaria uma semente favorável à verdade nas relações, se colocariam os fundamentos para um combate definitivo à corrupção.

Ignoro se há entre as pessoas, se há entre as muitas instituições, uma postura radicalmente contrária à corrupção. Se há uma busca por uma conquista, seja ela qual for, em base ao mérito, em base à objetividade dos fatos, em base à verdade. Ignoro. O que me leva a pensar, como educador, que se trata mesmo de uma terrível doença, quase endêmica.

Endemias, entretanto, se curam, com duro trabalho é verdade. Mas é preciso optar por tal trabalho. Ou continuaremos a ser eleitores corruptos que querem políticos honestos.

 

*Professor aposentado da UFSJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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