São características da fase infantil os sonhos de se parecer com super-herói ou realizar aventuras parecidas com as dos personagens favoritos. Crianças sempre inventam essa estórias. Gabriel Tolletino, em 1996, também teve um sonho que, apesar de ser o de uma criança de dez anos, parecia de ‘gente grande’: levar o pai para disputar uma corrida rústica. “Quando eu tinha um ano e meio, meu pai era militar, estava no sul do Brasil e começou a se sentir mal. Ele foi diagnosticado com encefalite (doença que comprometeu a sua fala e os seus movimentos). Eu não lembro do meu pai sadio”, conta Gabriel.
Gabriel quando criança assistiu pela TV a um pai levando o filho cadeirante para uma corrida - a dupla é famosa no mundo dos esportes, a Team Hoyth. “Eu vi essa reportagem e pensei: quem sabe um dia eu não faço isso com o meu pai?! Mas quando a gente é criança é tudo difícil, tudo longe,” lembra Gabriel.
A ideia foi amadurecendo junto com Gabriel que em 2011 resolveu realizar o sonho. Assistindo a uma reportagem do quadro Planeta Extremo do programa Fantástico, ele conheceu a história de uma equipe de bombeiros franceses que levavam três adolescentes em monociclos para disputar uma corrida de mais de 200 km em um deserto. “Eu pensei: se esses caras conseguem correr 256 km no Deserto do Saara, com três deficientes, eu devo conseguir correr com o meu pai, pelo menos uns 10km”.
Da matéria assistida à volta de Luiz Guimarães para a prática de esportes, passou um ano. Na época, Gabriel teve a ajuda do amigo Ricardo Kessur, estudante de engenharia mecânica na UFSJ e presidente da Empresa Júnior Ômega, que desenvolveu o projeto do monociclo, similar ao que Gabriel tinha visto na reportagem, sem custos. A família arcou somente com os materiais, cerca de R$800,00.
Nesse meio tempo, além da encefalite, doença que aposentou o militar acostumado com a prática de diversos esportes, Luiz teve isquemia que o deixou 100% dependente.
Surge a equipe ALA
Para levar o Luizão, como Luiz ficou conhecido durante as corridas, Gabriel contou com ajuda do irmão Daniel Guimarães, que convidou os colegas do Corpo de Bombeiros para participar do primeiro desafio, uma corrida de montanhas na cidade de Tiradentes, o x-Terra. Amigos e família juntos em um percurso de 7,5km.
Em dezembro do mesmo ano, os irmãos Gabriel e Daniel foram disputar a Volta Internacional da Pampulha, quando escutaram um pedido de ajuda. “Logo no comecinho, com um, dois minutos de largada, tinha um senhor com um cara e falando: alguém para guiar um deficiente visual”, conta Gabriel. Depois de certificar-se sobre a situação, os irmãos foram os guias do Alex, deficiente visual, nos próximos 8km. “Você guiar um deficiente visual em uma corrida é uma coisa interessante, e a gente nunca tinha feito isso. Quebra-molas você tem que avisar antes e a gente não sabia. No primeiro que a gente passou, ele levou uma tropicada e isso é um erro fatal. Virei até motivo de piada no grupo dele”.
Alex Oliveira corre desde os oito anos de idade, mas devido a uma retinose, doença que afeta a retina, foi perdendo a visão gradativamente. Isso fez com que ele se afastasse por um tempo das corridas, mas não demorou muito até começar a participar das maratonas acompanhado por um guia.
Quando Alex saiu do Rio de Janeiro, onde mora, para participar da corrida ao redor da Pampulha, não contava com mais um contratempo: o de não ser acompanhado pelo condutor que o ajudaria. Mas foi justamente por isso, que conheceu os filhos de Luiz.
Se a ajuda para o projeto veio de amizades, ela também serviria para outro amigo, o Alessandro Pinho, que teve complicações na hora do parto e possui problemas de locomoção motora. Em 2013, os irmãos resolveram convidar o amigo para correr a edição do x-Terra. Surgindo a equipe ALA, com as iniciais de cada participante: Alexandre, Luiz e Alex.
Alessandro começou a correr sem o equipamento, por isso, foi guiado e levado nos braços pela equipe junto com Luiz. Alessandro, acredita que das três provas que já disputou, essa foi a mais difícil: “eu andei por aproximadamente 2 quilômetros e o resto da quilometragem, 5,5 quilômetros, os dois bombeiros me levaram nas costas até terminar o percurso, então foi bem difícil essa primeira corrida”. Nas outras duas corridas a equipe já contava com um monociclo para Alessandro, facilitando a sua participação.
Gabriel comenta que nem sempre a equipe está junta, mas esse não é o principal intuito. “É difícil conciliar os três na mesma prova, mas o importante é a ideia que a equipe passa”.
Alex participou de duas competições junto à equipe, em 2013 e 2017 na x-Terra. Ele ressalta terem sido as participações que mais marcaram sua vida.
Como não mora em São João del-Rei, Alessandro treina com a equipe apenas nas férias, mas sempre que vai participar de alguma prova faz o reconhecimento do trajeto junto com Luís, um dia antes da competição. A equipe participa sempre que possível da corrida x-Terra, mesmo sendo difícil, Alessandro conta que tem vontade de reunir a ALA especial para correr em Paraty - RJ.
Abrindo caminhos para a informação e o respeito
Daniel disse que nas provas vão sempre duas pessoas da equipe na frente pedindo licença. “A primeira reação da maioria das pessoas é de achar ruim quando tem alguém pedindo licença, até olhar para trás e ver o que está acontecendo. Aí a pessoa processa o que está acontecendo, fica de boca aberta e espera uns dois segundos para cair a ficha e diz: ‘vai lá, vai lá, força.’ O pessoal que conhece já começa a gritar, vai Luizão, vai Luizão”.
A comunicação entre pai e filhos é baseada nas expressões faciais, e os irmãos não têm dúvidas do quanto isso é prazeroso para o pai. “Na edição do x-terra no ano passado, o pessoal começou a me mandar mensagem falando sobre o quão estava escorregadio o trajeto da corrida. Eu perguntei: ‘pai, está perigoso esse ano, tem certeza que o senhor que ir?’ Ele arregalou os olhos e balançou positivamente a cabeça, e eu sei que ele dizia: ‘não me deixa aqui não, me leva’!”.
Daniel recordou que seu pai estava passando por problemas de infecção urinária e nos rins. Em agosto de 2013, ele começou a melhorar: “Ele já sabia que era em setembro o x-Terra e começou a apresentar melhora na saúde. É nítida a melhora fisiológica”.
Para Alex a equipe ALA é uma soma, referindo-se ao apoio que um oferece ao outro até chegar na linha final. Ele acrescenta que a principal barreira para o esporte inclusivo não é o preconceito, como muita gente imagina, mas a falta de informação, que faz com que as pessoas com deficiência sejam tratadas como incapazes. A ALA torna-se um canal para o conhecimento popular de que pessoas com necessidades especiais podem vencer obstáculos como qualquer outra pessoa. O importante é não aceitar as dificuldades e buscar com todas as forças ultrapassar a linha de chegada.
Alessandro encara as provas mais como um momento de diversão do que como uma competição: “pra gente é só diversão a corrida, encontrar os amigos que a gente vê só uma vez por ano e participar de um evento esportivo diferente, que a gente não teria condição de participar sozinhos, por nossas forças”.
Os programas da infância, a realidade vivida dentro de casa e a realização de um sonho trilhado por um caminho nada convencional, mas inversões de papéis, sempre rendem boas histórias. “No começo eu queria reservar a nossa equipe, não gostava de fotos e vídeos públicos, até que percebi que estava errado. Fui inspirado por outras histórias, a minha podia inspirar também. E hoje poder contar a nossa história é gratificante,” conta Gabriel.
*Alunas do 5° período de Comunicação Social pela Universidade Federal de São João del Rei.