O arroz doce de Tia Beatriz, nas festas juninas do tradicional bairro da Alfama em Lisboa


Cultura

José Venâncio de Resende0

Barraquinha de Tia Beatriz

Em tempos de festas juninas, chama a atenção o cartaz de uma barraquinha no Largo de São Miguel, do tradicional bairro da Alfama, em Lisboa. “Seja uma pessoa feliz coma arroz doce da Tia Beatriz.”

Ainda criança, ou miúda como dizem os portugueses, Beatriz Lopes, nascida e criada no bairro da Alfama, já ajudava os pais na barraquinha, que vende arroz doce, mas também bebidas e salgadinhos. “Desde miúda, aprendi com a minha mãe a fazer arroz doce. Passa de geração para geração.”

Há dez anos que Tia Beatriz não mais mora no prédio logo atrás da barraquinha; agora, ela vem do também histórico bairro da Graça, numa das sete colinas de Lisboa. Mas tia Beatriz continua presente todos os dias na barraquinha durante o mês de junho, o das festividades de Santo Antônio de Lisboa.

O movimento é grande, principalmente nos fins de semana, conta Tia Beatriz. “O maior movimento é na noite de Santo Antônio.”

Tia Beatriz chega a fazer cinco tachos de arroz doce por noite, que são vendidos entre 19 horas e duas da manhã. Cada tacho leva três litros de leite e dois quilos de arroz, além de açúcar, canela, limão, ovos “e mais o segredo da família” que ela não conta, porque não seria segredo.

Museu Judaico

Tia Beatriz foi transferida para uma casa na Graça depois que o prédio foi fechado para reforma há dez anos. “As obras eram para as pessoas voltarem, agora eles querem fazer museu no local. Mas ainda andamos em reuniões.”

Apenas em 21 de setembro de 2016, foi formalizado o acordo para a instalação do futuro Museu Judaico de Lisboa no Largo de S. Miguel (Alfama). O Museu é uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, atendendo antiga reivindicação da Comunidade Israelita de Lisboa. Será desenvolvido em parceria com esta entidade e a Associação de Turismo de Lisboa, e o apoio da Fundação Lina e Patrick Drahi e da Associação da Rede de Judiarias de Portugal. A previsão é que o Museu abra suas portas ainda este ano.

A ideia é permitir "recordar o que foi a presença culturalmente diversa na nossa história, sem esconder que a presença judaica foi feita de períodos de luz e de trevas", disse o presidente da Câmara Municipal Fernando Medina, numa alusão aos contributos enriquecedores da comunidade judaica e, depois, às perseguições de que foi alvo pela Inquisição.

O Museu será "um espaço pedagógico, defendendo o pluralismo religioso e cultural, contando a história de 1000 anos dos judeus em Portugal, que tanto contribuíram para a identidade nacional", completou Esther Mucznik que apresentou o projeto.

O financiador do projeto, Patrick Drahi, apontou motivos pessoais para este apoio, pois é "português e sefardita de origem e as nossas histórias pessoais cruzam-se nesta cidade", de onde a sua família partiu para Gibraltar, Marrocos e França, onde Drahi se encontra radicado. Evocando Fernão de Magalhães como exemplo, ao "abrir portas para um novo mundo", disse ver nesta iniciativa "um milagre judaico com bênção portuguesa".

Críticas

Em artigo no Diário de Notícias (17/02/2017), Paulo Ferrero, fundador do Fórum cidadania Lx, comentou a proposta de garantir o financiamento do museu e a aquisição do espólio respectivo, num total previsto de 2,9 milhões de euros. E fez crítica ao projeto, que considerou “de tal forma intrusivo e ´marca de autor´ que, a ser feito tal qual está, constituirá o começo do fim daquilo que hoje conhecemos como Largo de São Miguel, o coração de Alfama (embora não tenha sido exactamente ali o centro da Lisboa judia), como, imagine-se, não houve escrutínio algum, não tendo a população sido ouvida”.

Ele propõe que se discuta este projeto, pois “Lisboa está cansada dos factos consumados e das discussões públicas apenas quando a lei as obriga (operações de loteamento, planos de pormenor, etc.), ou quando as querem utilizar para determinados fins”. 

“Este projecto põe em causa a unidade de conjunto do Largo de São Miguel e do Beco da Cardosa ao promover a construção de dois edifícios cuja leitura exterior (principal e tardoz) e em perspectiva (do miradouro das Portas do Sol ou, simplesmente, desde e para a Igreja de São Miguel) será completamente dissonante com os prédios vizinhos e por isso nunca seria permitido não fora o seu regime de ´excepcionalidade´.”

Ele acrescenta: “É totalmente falso o que é enunciado na memória descritiva e justificativa do projecto: ´Harmoniza-se a todas as infra-estruturas existentes. Esta edificação integra-se perfeitamente com a envolvente, adequando-se à linguagem arquitectónica adoptada neste pitoresco bairro de Alfama´." (sic)

E conclui: “Por que não adaptar o programa museológico e museográfico a outro edifício? Existem outros edifícios em Alfama, propriedade da CML ou do Estado, que precisam de recuperação urgente e que, pelas suas dimensões e localização desafogada, podem albergar perfeitamente todas as valências de que necessitam o futuro museu e centro de documentação. Sem ser preciso invocar excepcionalidades legais. Sem ser preciso estropiar um largo histórico e uma imagética de um todo como Alfama. Sem ferir susceptibilidades. Sem colocar em risco os pressupostos da candidatura Lisboa-Cidade Global à UNESCO, que em tão boa hora a CML abraçou”.

Links relacionados:

http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/futuro-museu-judaico-arranca-em-alfama

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/museu-judaico-em-alfama-sim-mas-nao-assim-5673059.html

 

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