O futuro das relações entre Brasil e Portugal


Especiais

José Venâncio de Resende0

Participantes da conferência “Brasil e Portugal - Perspectivas de Futuro”

Durante várias horas, nos dias 23 e 24 de junho, em Lisboa, ex-presidentes, políticos, empresários, professores universitários e diplomatas discutiram o futuro das relações entre Brasil e Portugal, como parte das comemorações dos 200 anos de Independência. Dividindo-se entre otimistas e pessimistas, participaram de painéis sobre estratégia, economia e ciência, inovação e cultura. A conferência “Brasil e Portugal: Perspectivas de Futuro” foi promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Em foco, estiveram temas como as incertezas sobre a assinatura do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul; as dificuldades de relações multilaterais no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), o desafio de superar a baixa complementaridade e os valores ínfimos no comércio e de ampliar os investimentos diretos entre os dois países; a necessidade de facilitar a vida dos imigrantes (documentos) e fomentar o intercâmbio entre os estudantes; o aprofundamento da cooperação mútua para solucionar problemas vitais com a transição energética e a democratização digital; a ampliação da parceria entre as universidades nas áreas de ciência e tecnologia; e a difusão da língua portuguesa.    

No encerramento da conferência, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que os dois países estão “convidados” a viver em conjunto por decisão das maiorias. Essa vocação “nos aproxima nas Nações Unidas, nas organizações quase universais, nos grandes temas que só podem ser resolvidos multilateralmente: o clima, os oceanos, as migrações, os refugiados, os terrorismos, a fome, a miséria, as desigualdades econômicas, sociais e culturais. ”Otimista, ele manifestou a sua “fé inquebrantável no futuro da confluência duradoura” entre os dois países. Mas admitiu que “é bom acompanhar as preocupações dos pessimistas” que “olham normalmente para os pormenores e perdem a noção do conjunto”.

A principal razão do otimismo do chefe de Estado português é a grande emigração em curso de brasileiros para Portugal. Marcelo observou que isso ocorre porque os povos fazem opções antes dos governantes, dos líderes políticos e dos líderes empresariais. São brasileiros de diferentes classes sociais (média alta, média, média baixa) vindos de diferentes estados, que já somam mais de 200 mil imigrantes, número elevado considerando uma população de 10 milhões. “Em Braga, por exemplo, metade dos encontros que tive durante o 10 de junho (Dia de Portugal) era com brasileiros. Está a transformar o retrato social de Braga. Isso acontece todos os dias com outras cidades portuguesas.”  

Segundo o presidente, esta “opção de vida” é favorecida por várias pequenas mudanças importantes, como legislação e direito e estatuto dos descendentes num grau mais longínquo português, bem como pela facilidade de circulação na Europa com o estatuto de cidadão europeu ou equiparado. “Começou a mudar o nosso panorama religioso – temos hoje uma comunidade evangélica em Portugal de centenas de milhares que não existia há 10 ou 15 ou 20 anos. Tem expressão política. Não sei se os políticos dão conta disso.”

Trata-se de “uma realidade social que vai dos mais pobres aos mais ricos, mas a grande maioria é classe média, no sentido mais amplo do termo”, relatou Marcelo. Inclui cientistas, investigadores (pesquisadores), acadêmicos (pós-graduação, cursos básicos ou de primeiro grau), profissões liberais, microempresas, pequenas e médias empresas, brasileiros “que me ficam a contar – com aquela vivacidade que tem o brasileiro – as suas aventuras empresariais, como é que fixaram e como é que estão em plena crise emergente da guerra a ter sucesso”.

Esse fenômeno “vai mudando a economia, a sociedade, os hábitos, a maneira de falar, o entrosamento das crianças, o funcionamento das escolas, a vida social”, constatou Marcelo. “Isto está a acontecer e não vai parar, vai continuar”. Em sentido inverso, a comunidade portuguesa no Brasil está se rejuvenescendo. Trata-se de uma “comunidade mais jovem, mais dinâmica, mais inovatória que ou vai pra lá ou circula entre os dois países porque essas migrações em muitos casos são isto: o funcionamento em rede com o digital e a circulação das ideias, das convicções, das pessoas. Isso está a acontecer e é imparável”.

Marcelo alerta: é bom que os“responsáveis pelos povos percebam essas coisas”; é muito importante que os dois países retirem “todas as virtualidades daquilo que é o nosso presente e o que já começou a ser o nosso futuro”. Para além das comemorações do bicentenário da Independência, o presidente português considera-se “feliz por encontrar todos os dias no campo, na cidade, no interior, no litoral, nas ilhas uma coisa que é mais vasta, que é mais forte, que é imparável”. E lembra: passam os políticos, passam os líderes empresariais, os líderes sindicais (laborais), mas “há uma coisa que continua: os povos”. E conclui: “para aqueles que acreditam em democracia, é evidente que eles (os povos) são a fonte da legitimidade da democracia”; e para os que não acreditam não há outro remédio que não vergarem ao fato de que “de uma forma ou de outro têm de conquistar os povos”.

 

Sentimentalismo

“Estou entre os pessimistas”, comentou o desembargador aposentado do TRT-MG, João Bosco Pinto Lara, que acompanhou o evento. Para ele, o otimismo dos dois embaixadores organizadores do evento, um de Portugal e outro do Brasil, com o futuro das relações entre os dois países, reforçado pelo discurso de encerramento do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, é “de fundo puramente sentimental, (análises) fundadas na constatação óbvia da identidade de cultura e de línguas. Claro que somos um mesmo povo, nas origens, ainda que nós, brasileiros, juntamos na nossa formação racial e cultural a presença marcante e as fortes influências dos povos indígenas e africanos”.

Mas “essas relações sentimentais não bastam”, para “a maioria dos painelistas, aqueles que fizeram uma abordagem mais histórica, econômica e geopolítica das nossas relações”. São os pessimistas que “fizeram abordagem mais técnica ou pragmática, fundada nos interesses de cada um dos países, sobretudo interesses comerciais, que são o que mais prevalece hoje nas relações bilaterais ou multilaterais entre as nações e os blocos de países do mundo”.

Por razões óbvias, “os interesses de Portugal estão voltados quase que fundamentalmente para a Europa, o chamado eurocentrismo. Já o Brasil tem priorizado, e precisa disso, suas relações com a China e com os parceiros comerciais das Américas do Sul e do Norte”, acrescenta João Bosco. Por ser o Brasil um grande exportador de produtos agrícolas, “há conflitos abertos com a Europa, que é muito protecionista em sua agricultura. E, ainda, são relevantes as dificuldades das relações no plano das políticas ambientais”, conclui.

Mais detalhes podem ser encontrados em https://www.jornaldaslajes.com.br/colunas/abrindo-novos-caminhos

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