O uso do Álcool e o Alcoolismo


Artigo

Carlos Alexandre de Resende*0

Na edição passada escrevi de forma mais geral e introdutória sobre a dependência química. Uma doença crônica reconhecida pela organização mundial de saúde desde 1967, porém predominando ainda na sociedade uma visão moralizante e preconceituosa para com os dependentes. Neste mês tratarei sobre uma de suas facetas, a mais presente, o Alcoolismo.

O uso de bebidas alcoólicas sempre existiu e provavelmente sempre existirá em todas as civilizações. Com a nossa sociedade contemporânea não é diferente. O álcool como uma droga lícita (permitida por lei) está intrinsicamente ligado aos hábitos de nossa cultura. Bebe-se por quase tudo, e, para além das propagandas a nos bombardear o tempo todo, as próprias relações sociais se encarregam de inserir o álcool no cotidiano.

A maior parte da população consegue manter uma boa relação com as bebidas alcoólicas, não bebendo ou mesmo fazendo uso recreativo ou social. O individuo ingere pequenas doses uma ou duas vezes por semana e se precisar ficar sem sua “cervejinha”, vinho ou destilado, não sente ou, pelo menos, lida bem com essa falta. Ou seja, a maioria da população não é nem abusadora e nem dependente de álcool.

Entretanto, de acordo com dados do Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pela UNIAD/UNIFESP e pela SENAD, a porcentagem de alcoolistas (expressão utilizada pelos especialistas em substituição ao termo alcoólatra) atinge números altíssimos e preocupantes: 17% da população brasileira abusam de álcool (bebedores problema) e 6,8% são dependentes químicos do mesmo (10,5% da população masculina e 3,6% da população feminina). Tais dados só vêm confirmar o que vemos todos os dias.

Fica a questão a ser respondida: por que muitas pessoas conseguem beber sem se tornarem alcoolistas e tantas outras se tornam vítimas dessa doença? Trata-se do que chamamos de uma doença multifatorial, ou seja, determinada por diferentes razões, sendo algumas delas: disponibilidade de bebidas alcoólicas; lugar social ocupado pela substância nas relações sociais nas quais o individuo se encontra inserido (Por exemplo: adolescentes ou homens adultos em um grupo de bebedores); histórico de vida e características psicológicas do indivíduo e predisposição genética para se tornar alcoolista.

Simplificando o processo: O individuo, em uma determinada situação social, envolvido por determinados sentimentos, ingere uma bebida contendo álcool em sua composição, tal substância gera efeitos físicos e psicológicos. A pessoa sente prazer e se livra de sensações desagradáveis, como, por exemplo, inabilidade social (vergonha e inibição social), sentindo-se mais a vontade, a sensação de estresse diminui, e uma euforia começa a tomar conta de seu corpo. Com o tempo (o desenvolvimento do alcoolismo é lento) passa a repetir o uso para sentir de novo os benefícios das primeiras experimentações. Se a pessoa possuir a já citada predisposição genética, ela será “mais forte para a bebida” e acabara bebendo mais.

O bebedor problema ou abusador é aquele que ainda não é (e talvez nem chegue a ser) dependente do álcool. Trata-se da pessoa que consegue viver sem a substância, não depende e em muitos momentos nem se lembra dela. Porém, “não sabe beber”, quando bebe passa dos limites ingerindo muito álcool. Expõe sua saúde física a riscos (intoxicação alcoólica) e pode se envolver em situações socialmente problemáticas (acidentes, brigas e outras situações de violência, prejuízos econômicos etc.).

O dependente, por sua vez, já é um doente crônico. Se antes ele bebia porque gostava, por prazer, para se divertir e aliviar o estresse da vida, aos poucos passa a beber por necessidade. Seu organismo se torna tão dependente do álcool, que já precisa beber quase todos os dias, não controlando mais nem a frequência nem a quantidade de cervejas ou pingas. O alcoolista apresenta sinais e sintomas altamente desagradáveis quando interrompe o uso da bebida. Parar de beber para um alcoolista não é uma questão de mera escolha, seu corpo e seu psicológico estão doentes. Ele precisa de tratamento. Infelizmente, para o dependente é muito difícil aceitar que tem um problema, por causa do mecanismo psicológico da Negação: “Eu não tenho problema com a bebida! Vocês é que estão pegando no meu pé. Paro quando eu quiser.”.

Alguns abusadores de álcool podem chegar a aprender a beber socialmente, mas os dependentes, por razões de ordem psicológica e principalmente biológica, não conseguem manter um uso controlado da bebida. Sendo recomendada a abstinência total da substância.

O diagnóstico do alcoolismo precisa ser feito por profissionais, porém fica uma dica simples para familiares e possíveis dependentes; responda as perguntas: Você tem parentes que são alcoolistas? Quantas vezes você bebe por semana? Qual o tipo de bebida?  Qual a quantidade? Já deixou algum compromisso importante de lado por causa da bebida? Você realmente consegue parar de beber quando quer? Alguém já o criticou ou reclamou de sua forma de beber? O que a bebida significa para você? 

Dependendo das respostas é importante buscar ajuda médica e psicológica. Os Alcóolicos Anônimos também são uma excelente opção (para saber mais sobreosA.A fica a dica de um excelente filme: My Name Is Bill Wilson, no Brasil intitulado “O valor da vida”, de 1989). Caso o paciente não aceite o tratamento, o que é muito comum, a família deve procurar por ela própria.

Na próxima edição abordarei a prevenção em dependência química e a redução de danos.

 

*Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo.

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