Obra de violinista mineiro que imita sons ambientes chega a oito países

O violinista Leonardo Feichas é o maior especialista em Flausino Valle na atualidade


Cultura

José Venâncio de Resende0

fotoLeonardo Feichas e o violino que pertenceu ao Flausino Valle

A obra do violinista barbacenense Flausino Valle corre o mundo, já passou por oito países (Colômbia, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Portugal, Espanha, Escócia e Suécia). A missão é desempenhada pelo também violinista mineiro Leonardo Feichas, não apenas o maior especialista em Flausino Valle na atualidade como também o curador (desde 2017) do violino que pertenceu ao músico por delegação da família. O violino, reformado, foi estreado em junho último durante o III Encontro de Cordas Flausino Valle: performance e ensino coletivo, na Universidade Federal de Pelotas (RS).  

A partir de agora, o instrumento – que não era executado desde 1954, ano da morte de Flausino , acompanha Leonardo em suas apresentações no Brasil e no exterior. “Boa parte dos prelúdios que estudo foi composta com esse violino”, diz Feichas.

Pouquíssimos brasileiros já ouviram falar do compositor e violinista Flausino Valle, natural de Barbacena, na região do Campo das Vertentes. Sua obra musical, no total de 26 prelúdios para violino solo, retrata a imitação de sons ambientes, como uma porteira de fazenda, passarinhos, carro de boi e viola caipira.

Flausino dos Reis Rodrigues Valle viveu entre os anos de 1894 e 1954. Aos 18 anos de idade deixou sua terra natal para estudar em Belo Horizonte. Formou-se advogado, foi violinista de orquestra de cinema mudo nos cines Odeon e Comércio, tocou em rádios e ainda foi violinista da Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte.

Apelidado por Villa-Lobos de “Paganini brasileiro” – compositor e violinista italiano que revolucionou a arte de tocar violino – Flausino deve ser mais conhecido na Europa do que no Brasil, diz o musicólogo, violinista, professor e investigador artístico Leonardo Feichas, mineiro de Itajubá.

Em Barbacena, Flausino estudou apenas quatro anos de violino com o seu tio José Augusto Campos. “É muito pouco para a formação de um violinista. Normalmente, são 10 anos pelo menos de estudo, muitos violinistas inclusive com passagem pela Europa”, observa Feichas.

Como Flausino não foi moldado no parâmetro europeu de técnica, ele buscou representar em sua música paisagens sonoras relativas ao seu meio ambiente, observa Leonardo: “Então, sua música é descritiva e onomatopaica”. 

Em 1936, Flausino publicou o livro “Elementos do folclore musical brasileiro”. Além de advogado e violinista, foi professor de história da música e do folclore no Conservatório Mineiro de Música.

 

Descoberta 

Flausino foi descoberto pelo renomado violinista lituano Jascha Heifetz. Durante visita a Belo Horizonte, Jascha recebeu de suas mãos a obra musical “Ao pé da fogueira” – prelúdio 15 dos 26 prelúdios compostos por ele. O lituano trouxe a peça para a Europa e, a partir daí, outros grandes nomes também a executaram, conta Leonardo: “Villa-Lobos também teve a oportunidade de conhecer o Flausino.”

Esquecido, Flausino foi redescoberto em 1985 pelo violinista polonês, naturalizado brasileiro, Jerzy Milewski. Ele gravou 21 dos 26 prelúdios, “o que foi muito importante para começar a revelar Flausino”, conta Leonardo. “A partir dele (Jerzy), começaram a surgir pesquisas acadêmicas sobre Flausino, como as de Hermes Alvarenga (UFRGS, 1993) e Camila Fresca (USP, 2011), entre outras. Hermes abordou o aspecto de estilo e Camila, o aspecto histórico.”

Em 2013, Leonardo Feichas sintetizou os dois autores, ao abordar os aspectos estilísticos e históricos da obra de Flausino, na dissertação de mestrado apresentada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Posteriormente, o seu trabalho foi adaptado para livro com o título “Da porteira da fazenda ao batuque mineiro: o violino brasileiro de Flausino Valle”.

O prefácio do livro de Leonardo foi escrito pelo professor britânico Jonathan Morton, violinista spalla (músico que fica à esquerda do maestro e lidera a orquestra) da London Sinfonietta e diretor artístico da Scottish Ensemble.

Contato

Leonardo escutou o LP de Jerzy Milewski pela primeira vez em 2007, durante o curso de graduação na Unicamp. “Aí eu fiz a minha primeira pesquisa de iniciação científica sobre Flausino, sob a orientação do professor doutor Eduardo Ostergren.”

O primeiro contato com a família de Flausino aconteceu em 2009 quando Leonardo conheceu o filho do músico barbacenense, Guatemoc Valle, sua esposa Helena e seus filhos Heloisa e Yara. Desenvolveu-se uma amizade a tal ponto que a família se tornou para Leonardo uma importante fonte primária de pesquisa (as outras são manuscritos e documentos pessoais, como o diário do músico). “Eu toco as peças para o filho de Flausino e tenho feed-back.”

Assim, Leonardo ganhou novo fôlego e retornou à Unicamp para aprofundar seus estudos sobre Flausino no curso de mestrado. Durante o curso, em agosto de 2012, recebeu uma bolsa de estudo para participar do “Dartington International Summer School”, no sul da Inglaterra. Na audiência do recital, estavam o violinista e maestro Jonathan Morton e o lendário maestro inglês Sir Neville Mariner. “Foi a primeira vez que saí do país para tocar. Depois vieram muitas outras oportunidades”.

Em 2014, Leonardo assumiu a cadeira de violino no curso de licenciatura em música da Universidade Federal do Acre (UFAC). Foi um dos idealizadores do projeto de extensão universitária Camerata de Cordas, que coordena em parceria com a professora Letícia Porto e o professor Marcelo Brum. No Brasil, Leonardo lançou, em 2016, o livro sobre Flausino Valle, com turnê de recital em universidades e livrarias de várias capitais brasileiras. 

Leonardo continua a ampliar as pesquisas sobre Flausino Valle para sua tese de doutoramento, além de participar de eventos acadêmicos e publicar vários artigos. No exterior, apresentou-se, em 2015, na International Society of Music Education (ISME), Lima (Peru), e na European Society for The Cognitive Sciences of Music (ESCOM), Manchester (Inglaterra); em 2016, na ISME, Glasgow (Escócia), e no Balance – Unbalance, Universidade de Caldas, Colômbia; em 2017, no Simpósio de Pedagogia do Violino “Starting – Delay”, na Julliard School of Music, Manhattan, Nova York; em 2018, no VIII Encontro Nacional de Investigação em Música (ENIM, Portugal), Dartington International Summer School (Inglaterra), Conferência Balance UnBalance (Holanda) e Congresso Internacional de Musicologia Transatlântica (Portugal); e, em 2019, no VI Symposium on the paradigms of teaching musical instrument in the 21 century (Portugal, Évora) e no II Congresso MUSAN- Música e estudos americanos (Madri, Espanha). 

Em 2017, realizou em parceria com as professoras Liu Ying e Dora Utermohl, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o “I Encontro de Cordas Flausino Valle: Performance e Ensino Coletivo”. O objetivo é “aproximar as universidades e criar espaço de aprimoramento das técnicas de ensino coletivo e aprendizagem e também de apresentações artísticas. Sempre com o foco na homenagem a Flausino”.

O II Encontro de Cordas Flausino Valle aconteceu, entre 28 de julho a 4 de agosto de 2018, em Fortaleza (CE), com a presença de cinco universidades (além das duas anteriores, a Universidade de Brasília e as Federais do Rio Grande do Norte e de Pelotas).

Leonardo está cursando doutorado em artes musicais nas Universidades de Campinas (Unicamp) e Nova de Lisboa. “Agora, pesquiso aspectos interpretativos e obras inéditas de Flausino Valle, sob a orientação dos professores Dr. Emerson de Biaggi e Dr. David Crammer.”

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