Páscoa


Religião

Padre Fábio Rômulo Reis*0

fotoDesenho Lucas Lara.JPG

Nossa vida é dinâmica. Nascemos, crescemos, realizamos ou não nossos sonhos, mas alimentamos, sempre, a esperança de mudanças significativas na conquista de alguém ou de algo que possa dar sentido à nossa vida, que preencha o nosso vazio existencial. A ideia de páscoa permeia a história bíblica como necessária, como memória da presença de Deus iluminando e transformando a história humana.

No início do primeiro livro da Bíblia, Gênesis, origens, deparamo-nos com a obra de Deus, a Criação, tendo como ponto alto, a criação do homem e da mulher, “à imagem e semelhança de Deus” (Gn. 1,26). O texto descreve a condição humana em harmonia com Deus e a Criação, um paraíso: todas as árvores frutíferas e uma árvore atraente, “a árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn.2,9). Adão e Eva deveriam legar essa harmonia aos seus descendentes, pois esse mundo maravilhoso seria destinado a todos. Entretanto, iludidos, deixaram-se vencer pela tentação de Lúcifer decidindo apossarem-se de tudo, em especial da árvore atraente, proibida, “da ciência do bem e do mal”. Essa parábola, que na verdade, foi sempre considerada pelos Padres da Igreja como profecia, nos faz refletir que o ser humano quer tudo para si e colocar o conhecimento, apenas, como a chave de sua existência. Entretanto, no momento em que o homem e a mulher pensam que têm tudo, veem que estão nus, experimentam o vazio existencial, com a perda da comunhão com Deus e a Criação. Perdem o paraíso e passam a amargar a solidão da ausência do Criador, verdadeiro princípio e fim de nosso ser. Não podemos desvincular a Criação da Páscoa, pois nossa profissão de fé inicia-se com as palavras “Creio em Deus, Pai Todo poderoso, criador do céu e da terra”. Deus se nos mostra como criador. Como seres humanos fazemos parte da criação. Somos responsáveis pela obra de Deus. Na quaresma deste ano, a Igreja Católica no Brasil nos propõe uma reflexão sobre “os biomas brasileiros, dons de Deus”, para construirmos aqui o nosso paraíso no amor, na justiça e na paz, dando, sempre, graças ao Deus Criador que nos fortalece na busca da vida eterna, nossa verdadeira Páscoa.

Entretanto, no mundo e em nosso país, as recaídas de Adão e Eva, em grande escala, nos assustam. Será que as pessoas estão desistindo do paraíso? Pessoas ilustres que se apresentaram para servir ao povo, como políticos, deixaram-se dominar pelo olhar cobiçoso e envenenador da serpente, desviando para suas contas aqui e no exterior, vultosíssimas somas em dólares, gerando no nosso país um colapso político, econômico e social e, ainda, tentaram se entrincheirar no espaço confortável, além do bem e do mal, da imunidade parlamentar ou de funções executivas, que, na verdade, até então, se confirmava como paraíso da impunidade. Felizmente, por enquanto, a Justiça está ensaiando uma páscoa.

É devido a esse excesso de egoísmo e ambição que o Genesis deu origem a outros livros sagrados, a Bíblia, registrando a bondade, a paciência e a misericórdia de Deus, na história, para colocar no coração humano a esperança da conversão e a importância da construção da volta ao Paraíso. Se a queda de Adão e Eva foi uma páscoa, uma passagem, tremendamente negativa, inglória, Deus, promete e prepara-nos para o advento de uma páscoa gloriosa, a ressurreição de Jesus, penhor de nossa ressurreição. A Bíblia é, portanto, uma história de avanços e retrocessos, de páscoas, na reconquista da comunhão com Deus, os homens entre si e a Criação.

Na plenitude dos tempos, Deus nos envia seu filho, Jesus, que, também, foi tentado pelo demônio. Ele venceu a tentação, nós, entretanto, frequentemente caímos e, por isso, carregamos uma ideia pessimista sobre nossos anseios mais elevados. Deparamo-nos com dificuldades a serem superadas, como a divisão na própria família, o focarmos um caminho de realização pessoal e seguirmos outro e, muitas vezes, sentirmo-nos frustrados, infelizes. Essa é a nossa história. E porque fracassamos, Jesus veio dizer-nos alegrai-vos, porque o “Reino de Deus está próximo. Completou-se o tempo” (Mc 1,15). As inúmeras pequenas páscoas, realizadas na caminhada da esperança da salvação, encerraram-se, “completou-se o tempo”. A grande Páscoa tão esperada de retorno à comunhão com Deus e a Criação, está próxima! Mas Ele pede conversão e mudança de direção. Deus é o único ser que não se preocupa consigo, mas conosco, ao apresentar-nos o caminho da felicidade, “Crede no Evangelho” (Mc 1,15), em Jesus.

Na história bíblica e na nossa história, fazemos muitas passagens, mas a páscoa de Jesus é a passagem máxima. É a grande referência, parâmetro, para todas as outras. A passagem de Israel da escravidão do Egito para a Terra Prometida não foi nada se comparada com a noite luminosa da ressurreição, porque o Senhor passou da paixão e morte para a ressurreição. É a grande passagem! É essa Páscoa de Jesus que responde à nossa passagem brusca da alegria para a tristeza, quando somos surpreendidos com o insucesso no amor, na vida profissional e, sobretudo, pela morte de um familiar, parente ou amigo. É a passagem da dor, para a esperança da ressurreição, que nos conforta, que nos acena para o sentido da vida. Assim, o Senhor Jesus vai mostrando que nossa vida compreende inúmeras páscoas. Ele quis fazer essa grande passagem, para nunca desanimarmo-nos diante de nossas pequenas passagens. Nessa Semana Santa quando realizamos nossa reconciliação com Deus, pelo sacramento da Penitência, individual ou comunitariamente, fizemos nossa páscoa. Passamos de uma vida ferida pelo pecado, trincada pelo mal, para uma vida na graça do Senhor, nosso Bom Pastor.

Cada sacramento é páscoa. Em cada eucaristia experimentamos, pela fé, a páscoa do Senhor, o passar do pão e do vinho para o corpo e o sangue do Senhor, de nossa presença na Igreja, singular, aparentemente anônima, fechada em nosso eu, à presença comunitária, aberta aos outros, de nossa vida, tantas vezes esvaziada de sentido, pelas escolhas equivocadas, para bebermos o sentido do mistério de amor da entrega do Senhor, sua e nossa Páscoa, que nos vivifica no tempo, abrindo-nos para a eternidade.

Feliz Páscoa!

*Pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Penha de França, de Resende Costa.

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