Professora propõe incluir tecelagem artesanal no ensino da matemática


Cultura

José Venâncio de Resende0

fotoProfessora Cleisiane Silva, autora de dissertação de mestrado sobre a presença da matemática na tecelagem artesanal de Resende Costa (foto arquivo pessoal)

A inclusão da tecelagem resende-costense na educação matemática foi sugerida pela professora Cleisiane de Sousa Silva, em sua dissertação de mestrado Estudo da matemática presente na tecelagem artesanal de Resende Costa, MG, apresentada em junho de 2020 ao Departamento de Ciências da Educação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Cleisiane foi orientada pelo professor Paulo César Pinheiro, a quem ela dedica um agradecimento especial: “Não há uma frase em meu texto que não tenha o seu olhar e sua generosidade, pois ele conferiu todos os detalhes até a finalização da dissertação, além de ter sido um grande incentivador desde o início. Quem dera houvesse mais pessoas no mundo com o seu coração e sabedoria! Então, uma palavra que define o meu sentimento pelo meu orientador é ‘admiração’”.

Em seu trabalho, a professora Cleisiane Silva apresenta “uma proposta pedagógica de matemática que envolva a tecelagem resende-costense para a construção do aprendizado de geometria de forma dinâmica e plural”. Este “exercício viável de aplicação da tecelagem artesanal na sala de aula” seria recomendado para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental.

A proposta de Cleisiane tem quatro etapas. A primeira prevê um diálogo com os alunos sobre a tecelagem em Resende Costa e o seu contexto histórico-cultural. Seria convidada uma tecelã (ou tecelão) para conversar com os alunos sobre a atividade artesanal. Poderia haver, ainda, uma exposição na sala de aula de algumas colchas e tapetes confeccionados com desenhos. Em atividade em grupo, os alunos trabalhariam com imagens; ou seja, realizariam fotografias de tapetes e colchas que tivessem desenhos, apresentando-as na aula. O professor ajudaria na identificação dos artesanatos de bico.

Na segunda etapa, haveria uma aula teórica sobre os conceitos iniciais da geometria, tais como: ponto, reta e plano. Uma abordagem sobre as características, definição e utilidades desse conteúdo, bem como o ensino posterior de formas geométricas planas e propriedades dos polígonos.

Na terceira etapa, seriam revelados os nomes dados aos desenhos pelos artesãos da tecelagem, questionando os alunos se eles conseguem visualizar essa outra perspectiva. Por exemplo: Qual é o olhar deles sobre os desenhos da colcha com “folha”, “estrela” ou “pirâmide”. “Onde tem ponto, reta e plano? Essas figuras se parecem com quais polígonos?”

Na quarta etapa, os alunos poderiam tecer e nomear as figuras presentes na tecedura, de acordo com as teorias de simetria utilizadas pelas tecelãs. Para isso, os alunos poderiam visitar uma oficina de tecelagem na comunidade para observar e filmar a confecção de um tapete de bico por uma tecelã ou tecelão. Assim, os alunos poderiam realizar novas produções manualmente, com o desenho de bico.

Segundo Cleisiane, estas etapas permitiriam o conhecimento da cultura tecelã resende-costense, a fundamentação de um conhecimento conceitual e a instigação de “um pensamento reflexivo sobre essa tecelagem”, bem como a percepção “se os alunos conseguem visualizar as propriedades primitivas da geometria e figuras planas na tecedura artesanal resende-costense para motivar e facilitar a aprendizagem desse conteúdo pela adequação da linguagem vivencidada por uma cultura”. As finalidades didáticas seriam identificação, classificação, medidas, simetria, ampliação e redução, criatividade, técnicas artísticas e construção de desenhos geométricos.

A atividade da quarta etapa poderia ser realizada juntamente pelos professores de artes e de matemática, diz Cleisiane. “Estima-se a necessidade de duas horas/aula para cada disciplina, ou poderia ser realizada em formato de oficina, numa atividade no ambiente escolar em período extraturno e monitorada pelos professores de artes e matemática.”

Para a professora, “a teorização desse artesanato tem uma importante implicação pedagógica em geometria, a qual valoriza as matemáticas culturais. Então, concretizar com os estudantes uma atividade interdisciplinar que valoriza um saber local na sala de aula é incluir princípios mais globais no currículo escolar e exercer com o aluno seu pensamento crítico.”

 

A dissertação

A dissertação de Cleisiane Silva, que é professora da Escola Estadual Assis Resende, buscou compreender a matemática empregada na construção estética das colchas e dos tapetes produzidos artesanalmente em Resende Costa e sua relação com a Etnomatemática, do autor Ubiratan D´Ambrósio. Para esse estudo, foi escolhido um grupo formado por pessoas do município que desenvolvem padrões decorativos no tear manual. Ao todo, 18 tecelãs e tecelões responderam a um roteiro de entrevistas e foi observada a confecção de tapetes realizada por duas tecelãs, com acompanhamento da elaboração do “tapete de bico”.

Os resultados indicaram a existência de um universo particular, tanto no que tange ao modo de tecer quanto à matemática utilizada, observa Cleisiane. “Nesse sentido, verificou-se que, para o exercício dessa atividade artesanal, há materiais e equipamentos próprios e as tecelãs e tecelões fazem uso de contagem de números, reta numérica, operações básicas, medidas, princípio de simetria, figuras espelhadas, noções básicas da geometria e geometria plana.”

Verificaram-se, ainda, as características dessa atividade “que se enquadram nas dimensões conceitual, histórica, cognitiva, epistemológica, política e educacional do Programa Etnomatemática, destacando, por exemplo, a preservação da identidade local e o conhecimento compartilhado dessa cultura que respondem questões de existência e transcendência.”

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