Em boa parte da década de 1970 e início dos anos 80, Ocacyr Alves de Andrade, o Cici da Candinha, e Antonio Pedro da Silva Melo, o Toninho Melo, formaram com padre Nelson o trio que dominou a política de Resende Costa. Com o fim do regime militar e a restauração da democracia no País, um “novo bipartidarismo” prevaleceu no cenário político do município.
“Folheiro” de profissão (produzia bacia, cafeteira, bule, lamparina de folha de flandres), Cici começou mesmo a ganhar dinheiro como pioneiro na fabricação de esquadrias de ferro, tornando-se fornecedor de São João del-Rei e região, recorda Toninho Melo. “Ocacyr era serralheiro numa época em que ninguém mexia com ferro. E assim ele foi se aproximando do padre Nelson para ajudar nas obras da igreja.”
Cici foi eleito prefeito pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA) para o mandato tampão de 1971-72 (invenção da ditadura militar), merecendo comentário elogioso de padre Nelson por ter “mão firme” e “cabeça criteriosa”. Nesta curta gestão, introduziu o calçamento de broquetes de cimento entre os Quatro Cantos e o prédio do Fórum, em substituição ao paralelepípedo que foi transferido para ruas mais afastadas do centro da cidade.
Foram melhorias como esta que determinaram o retorno de Cici à prefeitura em 1977, depois degestão incompleta de Geraldo Monteiro (foi substituído na metade do mandato pelo vice Aristides Coelho) do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Desta vez, Cici voltou para um mandato de seis anos (outra invenção do regime militar).
Toninho Melo entrou na política na eleição de 1976 pelas mãos do pai, José Augusto de Melo, e de Barbosinha (Antonio da Silva Barbosa), tradicionais políticos oriundos da extinta União Democrática Nacional (UDN). Afilhado de batismo de padre Nelson e de crisma do ex-prefeito Antonio Honório, Toninho foi eleito vereador pela ARENA e, em seguida, escolhido presidente da Câmara Municipal. “Fiz tudo, fui motorista do Ocacyr, advogado da prefeitura... tudo sem ônus para o município.”
Realizações
Padre Nelson foi homem público de primeira hora, sempre esteve à frente das conquistas de Resende Costa, resume Toninho Melo. “Liderou todos os momentos da luta pela conquista da rodovia asfaltada e inclusive cedeu o adro da igreja para a festa – um ato político - de inauguração da estrada.” Mas o pároco não apareceu na foto, preferiu ficar no fundo do palanque.
Toninho Melo guarda os principais documentos dos momentos decisivos da aprovação da nova rodovia. Em 07/06/1978, o empresário Pelerson Soares Penido solicitou por telegrama ao secretário de Justiça de Minas Gerais, Bonifácio Andrada, empenho junto ao governador Antonio Aureliano Chaves de Mendonça para que desse “prosseguimento aos nossos entendimentos no sentido de Sua Excia. autorizar o asfaltamento do acesso à cidade de Resende Costa, podendo contar para este empreendimento com minha colaboração como homem de empresa”. Em 15/06, o deputado José Bonifácio Filho enviou ofício ao governador, no qual reiterava solicitação anterior no sentido de pavimentar o acesso de 13 km de Resende Costa à rodovia São João del-Rei – Belo Horizonte, “visto que a firma Serveng-Civilsan S/A se propõe concorrer para conseguir a empreitada em bases excepcionais, se dispondo a fazer o financiamento da obra”. .
No segundo semestre de 1978, o deputado José Bonifácio Filho enviou telegrama a Toninho Melo, no qual manifestava a “certeza do asfaltamento do acesso a Resende Costa”, com base em garantia do então diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) João Cataldo. Ele falava de “final feliz do exaustivo trabalho”, envolvendo o então líder do governo na Câmara Federal, José Bonifácio; o professor Bonifácio Andrada; os líderes da comunidade local e o proprietário da Serveng-Civilsan, que resultou em êxito junto ao ex-governador Aureliano Chaves e ao vice em exercício, Ozanan Coelho, para o povo de Resende Costa, “recompensado depois de árdua campanha”.
Cici nunca compareceu a qualquer viagem de despacho com os irmãos Penido e o governador de Minas, sem a presença de padre Nelson, lembra Toninho Melo. Foi o caso do almoço na casa de Vicente Penido, em Aparecida do Norte, com o então governador mineiro Francelino Pereira. Presente, o vigário levava a tiracolo Cici e o então presidente da Câmara Municipal.
O dinheiro do orçamento estadual era suficiente apenas para a terraplanagem da estrada até a Fazenda do Rochedo, de propriedade do Zé Jiló, conta Toninho Melo. Vicente Penido soube que o governador Francelino Pereira iria a Aparecida receber a tradicional romaria de Três Corações que ocorre em setembro. Então, marcou o almoço com o governador em sua residência quando ele e Pelerson ameaçaram retirar as máquinas da obra e não mais retornar ao serviço. Pressionado, Francelino garantiu aos Penido, na frente de padre Nelson, que não faltaria dinheiro para a obra.
Uma das maiores dificuldades era a liberação de recursos para pagar as desapropriações. O DER não soltava dinheiro para indenizar os proprietários de terra, o que “trazia revolta muito grande”, lembra Toninho Melo. “Os proprietários ficavam ainda mais irritados quando ouviam que a estatal Engefer (que construía a ferrovia do aço) pagava boas indenizações.” Houve embargo, inclusive judicial, por parte de Mozart e de Zé Evaristo, que tinham propriedades na maior parte do trecho da estrada. Zé Manuel, do trevo, chegou a atacar os tratoristas. “Eu tinha de intervir para apaziguar... Advogava de graça para a Serveng que sempre ameaçava parar a obra quando enfrentava problema com indenizações.”
Essa má vontade do DER é explicada pelo fato de que a construção da rodovia foi uma decisão política de governadores, resume Toninho Melo. “Aureliano Chaves autorizou, Ozanan Coelho confirmou e Francelino Pereira pagou a obra. Teve gente que demorou 20 anos para receber indenização do DER porque caía no precatório.”
Além da rodovia, Cici resolveu o problema crítico da falta de água, diz Toninho Melo. “A COPASA assumiu o serviço graças a William Sebastião Penido, sobrinho do Pelerson, que era o presidente da empresa e homem de confiança do governador Francelino Pereira.” Também providenciou a iluminação rural dentro do programa “Minas Luz”, com dinheiro do Banco Mundial, “graças à interferência dos Andrada”. E estendeu a CEMIG até Jacarandira, mais de 40 km da sede do município, além de melhorar o sistema na área urbana (substituição de postes de madeira, troca de transformadores etc.).
Cici ainda revitalizou o entorno da matriz e da igreja do Rosário (construção das Praças Cônego Cardoso, Coronel Mendes e Dr. Costa Pinto) e calçou mais de 70% da zona central com broquetes de cimento – produzidos na fábrica que ele mesmo montou -, transferindo os paralelepípedos para bairros como os de Nova Resende, Conjurados e dos Expedicionários. O prefeito ainda instalou o sistema de alambrado e gramou o campo dos Expedicionários, além de construir a Praça Nossa Senhora de Fátima onde está a caixa d´água.
Joaquim de Paula Resende, o Quincas, e Miguel Eugênio de Resende, o Miguel da Nazaré, eram na época os dois únicos vereadores do MDB. “Eles nunca votaram contra o Ocacyr na Câmara Municipal, mesmo sendo de oposição”, conta Toninho Melo.
Por fim, Cici deixou negociado para o prefeito seguinte o programa MG2 (de implantação de infraestrutura na área rural), financiado pelo Banco Mundial, segundo Toninho Melo. “Resende Costa só chegou onde está hoje graças à gestão de Ocacyr. Ele conseguiu dar à cidade suporte para este segundo tempo que veio com a expansão do turismo e consolidação do artesanato.”
Volta da democracia
Na eleição de 1982, o voto direto foi restaurado para governadores e prefeitos de capitais, cidades históricas e estâncias hidrominerais. Desta nova safra, foram eleitos vários governadores de oposição, pelo MDB, como Tancredo Neves (MG), Franco Montoro (SP) e José Richa (PR). Um dos pontos fortes do programa desses governadores era a visão municipalista, de descentralização administrativa.
Na mesma época, Gilberto Pinto foi eleito prefeito de Resende Costa pelo MDB, com o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT), ainda em formação no município. Os ventos eram bastante favoráveis à oposição, lembra Gilberto. “A campanha foi muito acirrada e o padre Nelson me chamou várias vezes à casa paroquial.” O pároco reclamava do nível da campanha, especialmente dos panfletos anônimos.
O PT, que estava sendo organizado em Resende Costa, apoiou a candidatura de Gilberto, de acordo com o médico Luiz Antonio Pinto. A decisão de não lançar candidato foi tomada em convenção com a presença de cerca de 70 filiados. “Os quarenta e poucos votos de diferença de Gilberto sobre Toninho Melo foram do PT”, diz.
O sentimento da “virada” trouxe uma nova expectativa de administração mais moderna, em contraposição à visão antiga de fazer estrada, ponte e calçamento de rua, lembra Luiz. “Criou-se um movimento municipal, deixando para trás a velha política.”
Projetos como o MG2 do governo estadual e os planos de desenvolvimento municipal, relata Luiz, tinham o propósito de fortalecer o município, com a criação dos conselhos comunitários e ações de suporte ao meio rural. Então, surgiram escolas rurais, assistência à saúde, energia elétrica, apoio a pequenos produtores e à agricultura familiar, etc.
Mas o PT não apoiou a administração de Gilberto, conta Luiz. O partido começou a propor emendas populares para revitalização da Casa de Cultura, preservação da capoeira do Horto, etc. que não foram abarcadas pela Câmara Municipal. “Criamos um novo movimento cultural chamado Fundação Casa de Cultura; ocupamos efetivamente o Teatro Municipal e começamos a trabalhar na prática pela sua revitalização; trabalhamos pela criação do sindicato dos trabalhadores rurais.”
Apesar da decepção inicial de padre Nelson com a sua eleição, Gilberto conta que procurou, na sua administração, fazer parceria com a Igreja. “Eu tinha um relacionamento muito bom com ele.” O ex-prefeito guarda uma carta, de 4 de maio de 1987, na qual o pároco agradeceu “a participação e boa vontade de V. Excia., e da Prefeitura Municipal, nas comemorações do meu Àureo Jubileu de Ordenação Sacerdotal”. Padre Nelson destacou, ainda, “a grandeza de seu coração, aliada à ótima formação de homem público, e o desejo de sempre ir ao encontro dos sentimentos de nosso povo, qualidade que lhe é muito peculiar (...), o que faz cada vez maior credor de minha admiração”.
Nova configuração partidária
Com o multipartidarismo a partir de 1979, surgiu em Resende Costa, além do PT, o PDT (Partido Democrático Trabalhista. O antigo MDB virou PMDB com novos integrantes. O PDS (Partido Social Democrático), substituto da ARENA, perdeu expressão, transformando-se em Partido da Frente Liberal (PFL). Com o racha do MDB, surgiu o PSDB abarcando parte do antigo partido e alguns remanescentes do PDS.
Na sucessão de Hélio Garcia – que assumiu o governo de Minas em 1984 quando Tancredo foi disputar a eleição para presidente da República – Newton Cardoso derrotou Pimenta da Veiga na convenção do MDB, lembra Gilberto. “Como nunca senti confortável com a eleição do Newton, saí do MDB e fui para o PSDB com uma meia dúzia longo depois da fundação do partido. Fui o primeiro prefeito do PSDB em Minas Gerais.”
No novo quadro multipartidário, a eleição de 1987 foi vencida por Camilo Lelis de Resende Chaves (PMDB), com o apoio do PSDB, em disputa com Luiz Pinto (PT), Tião Melo (PDT), Ocacyr (PDS) e o médico Paulo Dias(PFL). “O Camilo saiu da política; foi o único político que achou a porta de saída; acho que ele nem entrou”, diz Gilberto.
Em 1992, o PT chegou ao poder em Resende Costa, pela primeira vez, com Luiz Pinto (João de Paiva Filho, Bita, como vice), derrotando Gilberto (PSDB), cujo vice era o médico Paulo Dias. O PDT, com Tião Melo, participou da eleição, tendo o antigo PMDB como aliado (Maria Luiza Cesconi, como vice). Nesta eleição, o PMDB debandou para o lado do PT, deixando Tião Melo com poucos votos, lembra Gilberto.
O partido introduziu o “modo petista de governar”, recorda Luiz, com maior participação da comunidade já na discussão do programa de governo. A gestão priorizou programas como habitação popular (hoje bairro do Tijuco); hortas comunitárias; descentralização da educação (criação da escola do Ribeirão); implantação do SUS e “verdadeiro funcionamento do Conselho Municipal de Saúde”; orçamento participativo; primeiro concurso público da prefeitura; e o surgimento da Associação dos Pequenos Produtores Rurais (embrião do Sindicato dos Trabalhadores Rurais) com 300 associados.
Apesar de 75% de aprovação, afirma Luiz, o PT com Paulo Cesar Daher Chaves perdeu a eleição de 1996 para José Rosário Silva (PSDB) que teve como vice Silvério Nilvaldo de Assis (PDT). Cristiano Moreira dos Santos concorreu pelo PMDB.
Na eleição de 2000, Gilberto Pinto (PSDB) voltou à prefeitura, em aliança com o PDT (Antonio Aparecido de Souza como vice). Ele foi reeleito em 2004 (Paulo Dias como vice), derrotando a coligação PT/PPS de Adilson Avelino de Resende e Emidio. Nesta eleição, concorreram ainda Totonho do Jandico pelo PDT e Pastor Pedro pelo PTB.
Entre as realizações das administrações tucanas, Gilberto cita introdução do asfalto na maior parte das ruas da cidade (menos a entrada, até a Praça Rosa Penido, que foi pavimentada por Cici); construção da nova sede da prefeitura, da biblioteca pública e do velório municipal; reconstrução do parque de exposição agropecuária (depois da desapropriação do espaço “detonado”); articulação de conselhos comunitários; construção de centros comunitários e quadras poliesportivas na zona rural; calçamentos de praticamente todos os povoados; telefonia em Jacarandira e os sinais de telefonia móvel.
Em 2008, o PT voltou ao poder com Adilson Avelino (Bita como vice), desbancando a chapa do PSDB de Paulo Dias e Aurelio Suenes Resende. Também disputaram a eleição Claudio Luis de Resende (PDT) e Antonio da Silva Ribeiro pela coligação PMDB/PPS.
Em entrevista ao JL (agosto/2012), Adilson enfatizou a discussão do plano de governo com diversos segmentos da sociedade e o resgate do orçamento participativo. Entre os resultados obtidos, citou calçamento de ruas; modernização da frota e do maquinário; ampliação do atendimento da saúde e implantação do SAMU; ampliação das escolas municipais; criação do ensino médio na Escola Municipal Paula Assis; construção da creche-escola; projeto Coleta Seletiva Modelo; obra da rede de esgotamento sanitário; programa Minha Casa Minha Vida; criação do Centro de Referência de Assistência Social.
Dois modelos
A disputa em Resende Costa nas décadas posteriores à ditadura militar reflete dois pontos de vista, de acordo com Luiz Pinto: o de gestão democrática e o de gestão centralizadora. “De 1982 para cá, passou a existir maior participação popular, os movimentos passaram a ter voz ativa. Com as gestões petistas, esses movimentos passaram a influenciar na gestão da coisa pública e outros movimentos surgiram para estimular a participação da sociedade civil.”
Por sua vez, Gilberto considera que “ser centralizador é uma qualidade”, pois “cumpro fielmente a Constituição, acompanho de perto meus secretários, cobro resultados, eficiência e disciplina”. Alega que municípios pequenos não dispõem de especialistas para assumir cargos, o salário de secretário é baixo para contratar um profissional e a estrutura da prefeitura é pequena. “Como não posso preencher os cargos com profissionais e tenho estrutura acanhada, acompanho de perto para ver se os recursos estão sendo bem aplicados, se as metas, por exemplo, de educação e saúde estão sendo cumpridas.”
Ele lembra que até 1988 tudo era concentrado nas mãos do prefeito. A Constituição aprovada naquele ano obrigou, por exemplo, o poder público a contratar funcionários por concurso. Já a criação do Fundef (ensino fundamental), em 1996, trouxe grande avanço na municipalização da educação. O município passou a receber mais recursos, mas também mais obrigações. Em 2006, o Fundef virou Fundeb (ensino básico), incluindo a pró-infância e a pré-escola. “Ficou mais eficiente e abrangente, atende universo maior e tem mais receita.” E o SUS também mudou.
Gilberto diz ainda que sempre manteve boa convivência com entidades como associações, sindicatos e conselhos comunitários. “Enquanto prefeito, nunca condicionei qualquer entidade a ter identidade com a prefeitura, nunca interferi nas suas escolhas.”
Na próxima eleição, as duas visões voltam a confrontar-se. De um lado, a dobradinha Adilson/Bita tenta a reeleição pelo PT. De outro, o PSDB de Gilberto coligado com o PDT de Cláudio Luis de Resende (vice), acrescido de dissidentes do PMDB que não queriam candidatura própria. E por fora corre o candidato Aurélio Suenes (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro-PRTB) em coligação com o PMDB, que indicou Toninho Ribeiro como candidato a vice, e o Partido da República (PR).
(*) Última reportagem da série sobre a história política de Resende Costa
Resende Costa vive “novo bipartidarismo” pós-ditadura militar (*)
Política
José Venâncio de Resende 11/09/20123

Resende Costa, ao longo dos anos, foi marcada por ações políticas e obras fundamentais para o seu desenvolvimento
Leitor do JL - 11/09/2012
Com tanta obra assim quem ficou mais rico?
Quem vendeu os paralelepípedos, as terras desapropriadas, ou a empresa que bancou a obra da rodovia em condições excepcionais para os cofres públicos.
Leitor do JL - 03/10/2012
Leitor do JL - 03/10/2012
Dolo comissivo por omissão? Nada disso! Um "lapsus calami" impede a justaposição linear dos textos publicados na "internet" e na edição ano IX, 113.V.matéria referente a 1992.