Tão longe... De mim distante?


José Antônio*


fotoMaria da Penha Pinto

Coloquei minha lembrança num barquinho e o barquinho na palma da minha mão. Soprei de leve a vela para o meu barquinho singrar. Ele singrou... e sangrou.

A saudade tem dessas coisas. Ela navega ferindo. Quanto mais a vela se apruma, mais a proa corta.

E lá vai o meu barquinho nas vagas do teu mar, MARia da Penha...

Com a minha embarcação tão simples navego em ti, pois já viraste mar na plenitude do eterno.

O mar é mistério líquido, assim como a memória da gente: ondas vêm, ondas vão... imagens surgem e se transformam em mais outras inúmeras imagens no inconstante teatro de Netuno. Aos poucos, a espuma cristalina e pura desenha formas que emergem do passado. Chegam sons de conversas antigas, sempre tão longas e tão amigas. Causos caprichosamente contados e recontados ainda boiam teimosos para não se afundarem no redemoinho do esquecimento!

Risos... As tuas gargalhadas gostosas e contagiantes ecoam pelos sete mares de cada coração que conviveu contigo, MARia da Penha. Alegrias bordadas no tecido sincero do olhar que recebe os amigos.

Se por um lado agradavas com a tua simpatia, também encantavas com a tua inteligência. Sabias tudo de matemática num raciocínio límpido e rápido. Eu? Pobre de mim! Apenas um reles grumete que não passa das quatro operações fundamentais. No entanto, somo os nossos bons momentos, subtraio a distância que nos separa, multiplico as boas marcas que deixaste em mim, divido esse meu texto com quem quiser ler.

Ao longe, uma canção sobre as águas. Sei que és tu, melodiando o mar, MARia da Penha. Sopro o meu canto e, soprano, tu me respondes: Tão longe, de mim distante... onde irá, onde irá teu pensamento?

Os acordes de tua voz vêm trazidos pelo vento e escoam pela areia da orla. Tua voz inesquecível se faz correnteza e invade cada rua e esquina de Resende Costa, deságua nas lajes, nas praças e jardins, respingando lembranças e saudades. A cidade sempre será a praia para a tua lembrança fazer porto.

Tão longe, de mim distante... Gostavas dessa canção. Mas longe tu não estás, pois a praia não abandona o mar, MARia da Penha.

Tão longe, de mim distante... é o coral agora tendo que cantar sem ti... é a banda que agora não pode contar com o teu clarinete... é a igreja que agora não te vê mais no catecismo, nas coroações, nas missas das crianças da catequese...

O coral se reúne para cantar e os nossos olhos te procuram naquele lugar em que sempre ficavas, no naipe dos sopranos. Mas não te encontram mais.

As coroações de Maria e do Sagrado Coração de Jesus continuarão a acontecer, porém sem a tua presença que pincelava maio e junho com as cores do entusiasmo.

 A banda ainda tocará, no entanto teu clarinete estará soando na clave do silêncio.

Na igreja, a missa das crianças da catequese continuará na pauta dos domingos, mas sem a tua querida presença.

 Tão longe, de mim distante... é Resende Costa que suspira uma saudade doída e doce, cantando afinada a partida de alguém que se foi, mas que de algum jeito ficou. Por isso é doce. Por isso é doída.

               

 

                 

Quis o privilégio que tu vivesses em Resende Costa. Quantas vidas passaram por ti... quantas mentes ficaram ainda mais brilhantes por causa do teu ensino... quantas inteligências despertaram para realidades ainda não pensadas por causa de tuas orientações...

Hoje, essas vidas se juntam e, com os corações iluminados, formam um imenso farol em teu mar, MARia da Penha. E lá no horizonte, onde céu e mar se completam, o farol projeta no céu para refletir no mar: “Gratidão!”

A última vez que te vi, minha querida amiga, tu estavas serena e imóvel, rodeada de flores, lágrimas e orações. Embalada pelo amor dos que ficaram na praia.

Eras lagoa tranquila, descansando de esforços que pediram os teus sacrifícios.

Aos poucos, as flores, as lágrimas, as orações e o amor abriram sulcos celestiais na praia e tu, MARia da Penha, foste transmutando em mar. Revigorada, forte, liberta e alegre, foste ser mar na geografia de Deus, onde as águas da felicidade jamais se extinguem.

As ondas vêm... as ondas vão... Tu partiste, porém estarás sempre voltando na lembrança que manterá vivo o movimento do teu mar, MARia da Penha.

 

*JOSÉ ANTÔNIO OLIVEIRA DE RESENDE é professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei.
Membro da Academia de Letras de São João del-Rei
e-mail: [email protected]  / [email protected]

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