Os tapetes religiosos coloridos, feitos de areia, serragem, flores e outro materiais, fruto da participação popular, são a grande atração da procissão eucarística de Corpus Christi, que este ano acontecerá no dia 30 de maio. Essa tradição da arte colocada a serviço da fé e da devoção não está restrita ao Corpus Christi nem a Resende Costa.
Tanto que este ano, na mesma data, será criada, oficialmente, no Panamá, a associação latino-americana Lunarte – que reúne artistas de tapetes em areia ou “alfombristas” como são conhecidos em outros países. Os estatutos da nova entidade deverão ser aprovados em reunião, provavelmente em outubro, no México. A revelação foi feita pelo artista plástico e restaurador são-joanense Carlos Magno, em entrevista ao programa “Fala, São João!”, do jornalista Roberto Miranda, na Rádio São João del-Rei.
Carlos Magno participa, como representante do Brasil, deste movimento de divulgação dos tapetes de rua na América Latina. “É muito importante manter vivo esse trabalho porque ele, de certa forma, projeta a cidade para fora do país e também no país. Eu sempre mostro os trabalhos que são realizados não só em São João del-Rei como nas outras cidades.”
O objetivo da Lunarte é promover o intercâmbio entre as várias experiências latino-americanas, enfatiza Carlos Magno. De posse da documentação da associação, a ideia é buscar apoio político para obter recursos que permitam estimular o intercâmbio, “com as pessoas de outros países vindo participar em São João del-Rei da feitura de tapetes, trazendo novas técnicas, principalmente em épocas como a Semana Santa. E também, quem estiver envolvido com isso, poder sair do Brasil e ajudar fazer tapetes (em outros países)”.
Carlos Magno está otimista com o encontro no Panamá para finalizar o estatuto da Lunarte. “A partir de outubro (no México), teremos documentação suficiente dessa associação de alfombristas para tentarmos obter recursos – cada país vai tentar recursos com o seu Ministério da Cultura – para conseguir fazer esse intercâmbio, patrocinar a vinda de artistas de lá pra cá para participar de eventos nossos, levar artistas daqui para lá a fim de participarem de eventos fora. É um movimento importante.”
Até agora, a participação de Carlos Magno tem sido através de convites – nos quais os anfitriões custeiam as despesas (passagem, alimentação e estadia) – ou mesmo com recursos próprios. “Infelizmente, esse ano, no Panamá, eles estão sem recursos porque a fundação justamente não está concretizada. Eu irei por conta própria para participar do evento, assinar os documentos, uma vez que é muito importante termos efetivado de fato essa associação no intuito de conseguirmos, daqui pra frente, receber recursos para fazer esse trabalho.”
Diversidade
Carlos Magno ficou impressionado com os trabalhos desenvolvidos em outros países. “Nesses encontros, encontramos pessoas não só da América – também da Europa e até da Ásia – que participam, cada um com a sua técnica. São artistas maravilhosos. Você não tem ideia do que essas pessoas fazem com areia. Eles fazem pintura que dá vontade de tirar do chão e colocar na parede de um museu. É uma coisa impressionante a técnica que eles têm e o amor com que eles fazem esses trabalhos.”
Mas não apenas com areia, observa o artista são-joanense: “eles têm outros tipos de materiais: trabalham muito com sal, ou seja, tingem o sal e fazem os tapetes com sal colorido, que fica parecendo vitrais; também têm marmolina, que é um pó de mármore finíssimo. Você consegue um efeito estético parecendo que é pintura a óleo, não ficam os grãos, parece algo pintada na tela. Eles têm técnicas muito diferentes, cores muito bonitas… Esses países, principalmente o México, fabricam cores fantásticas para tingimento de areia e de serragem. Temos a oportunidade de ver coisas impressionantes”.
Década de setenta
Carlos Magno recorda que, até a sua infância, os tapetes eram feitos de uma forma muito singela. Cada morador jogava flores, fazia arranjos de flores em frente à sua porta, “mas não havia a ideia de se fazer alguma coisa artística”.
Até que, no final dos anos 1970, ele começou a participar de um movimento liderado por um grupo de artistas de São João del-Rei, o qual fazia os primeiros tapetes usando areia. “E isso foi muito importante porque essa técnica de trabalhar com areia facilitou muito o trabalho dos artistas. A areia é um material muito fácil de se criar com ele, misturar cores e fazer cenas, figuras humanas, coisas que eram muito difíceis de serem feitas apenas com flores.”
Foi assim que se começou a desenvolver uma técnica com material local – areia retirada das serras de São João del-Rei ou da antiga prainha do centro histórico da cidade, “porque na época ainda havia vestígios de areia branca na praia”. “Começamos a desenvolver uma técnica diferenciada, pelo menos para o Brasil, porque agora eu sei que isso acontece em muitos países da América do Sul, da América Central e agora estão usando muito isso também em alguns países da Europa.”
Na época em que “nós desenvolvemos isso em São João del-Rei, foi uma coisa muito mágica porque ninguém ainda tinha usado areia dessa forma, tingindo para poder fazer figuras humanas e cenas”, recorda o artista. “Eu sou fruto desse momento importante da cultura de São João, de um momento de resgate e de um olhar mais atento para o que realmente é nosso e é importante culturalmente.”
Patrimônio imaterial
Desde 22 de março, os tapetes de rua dos festejos religiosos, principalmente Semana Santa e Corpus Christi, são declarados patrimônio cultural imaterial de São João del-Rei. A lei nº 6054 (22/03/2024), sancionada pelo prefeito municipal Nivaldo Andrade, é de iniciativa do vereador Leonardo Henrique de A. e Silva.