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À primeira vista

19 de Janeiro de 2022, por José Antônio

Não é à toa que a justiça é cega. Se ela enxergasse, iria julgar pelo que visse. E é aí que está o risco: julgar pelo que se vê.

As aparências não enganam: quem engana são os olhos. Você viu um boi de longe e pensou que fosse um cavalo. Será que o boi mudou a aparência para cavalo só para enganar você? Claro que não! Ele continuou boi o tempo todo. Os seus olhos é que viram um cavalo.

Daí, a justiça com a venda nos olhos. Ela julga apenas pelo que ouve. Ora, direis: Na certa, perdeste o senso... por que ela às vezes julga errado? Realmente não sei o que chega aos ouvidos da justiça. Talvez ela ouça estrelas... Mas isso já é outra história.

Há momentos em que precisamos colocar uma venda nos olhos. Não necessariamente para julgar melhor, mas necessariamente para não julgar porcaria nenhuma.

 Ano passado mesmo, não tem muito tempo: elevador cheio e quem eu vejo um pouco à minha frente? Maria José! Amiga de infância, andou sumida, apareceu, sumiu e agora ali, na mais inesperada coincidência, perto de mim e num elevador. Assim de costas, olhando bem, dava para comprovar. Seus cabelos, o formato da cabeça, o jeito de olhar para cima... Era a Maria José.

Abri o sorriso e rasguei o silêncio burocrático do elevador:

– Maria José!

Não era a Maria José.

Fiquei na minha, como se deve ficar numa situação dessas: idiotizado, sem cara e com vontade de sair correndo.

O pior é que não aprendo. Vivo proporcionando quadros lastimáveis que surpreendem os mais variados públicos. Não preciso de venda, mas de uma viseira. Semana passada, quis ser simpático com a moça que me atende na cafeteria. Enquanto ela preparava o meu café, eu a observava: olhos tristes, semblante cansado, mãos apressadas, cabelo preso, vestido baby-look, corpo cheio, barriga proeminente... Grávida!

Minha voz se enfeitou de simpatia, de vontade de alegrar a futura mamãe. E ornejei a pergunta:

– Pra quando é o seu bebê?

Ela retrucou, num misto de espanto e indignação:

– Eu não estou grávida!

Fiquei parado, sem falar, olhando pra ela. Foi a única vez em minha vida que consegui pensar em absolutamente nada.

 Depois de muitos segundos assim, virei as costas e fui embora, deixando a minha honra no coador.

Não volto lá nunca mais!

 Nem mesmo pra pagar o café... do qual acabei me esquecendo.

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