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A vez dos bichos

17 de Setembro de 2019, por José Antônio

Com o tempo, fui aprendendo que bicho também tem a sua dignidade. Lembro-me dos animais no circo, todos fazendo papel de Bobo da Corte. Era chimpanzé com touca na cabeça e um vestidinho ridículo... leão passando dentro de um aro em fogo... elefante chutando bola... cachorrinho dançando só nas patinhas de trás... cavalo rodando em volta de si mesmo no picadeiro... E tome gargalhada!

Se a plateia soubesse da trágica vida de cada um desses bichos nos bastidores... Unhas arrancadas, dentes cortados ao meio, choques elétricos para adestramento, dias sem comer como forma de punição, abandono à própria sorte (azar) quando já velhos, cansados e doentes...

Tempos difíceis para os descendentes da Arca de Noé.

Hoje os animais não fazem papel de bobo no circo. A bem da verdade, já nem estão lá mais. Porém, saltaram para outro lugar e, desse lugar, mostram aos homens onde é que dói a humilhação. Eles pularam para a linguagem e aparecem quando a situação fica complicada pra nós e nos tornamos ridículos. Vingança.

Quando passo vergonha em público, pago mico ou fico montado num porco. Já cumprimentou alguém e esse alguém não respondeu? Então... o que foi que você fez? Deu bom-dia a cavalo. Tem gente que fala coisas importantes e ninguém dá valor. Com isso, acaba jogando pérolas aos porcos.

Se nada sai como planejei e eu me ferrei, é aí que a porca torce o rabo, pois a vaca foi pro brejo: deu bode, deu zebra. Por causa disso, vou evitar os mesmos erros pra não me ferrar de novo, pois gato escaldado tem medo de água fria.

Fico com a pulga atrás da orelha, pensando naquelas pessoas empolgadas demais. Empolgadas com o trabalho, empolgadas com os colegas de trabalho, empolgadas com a lei, empolgadas com a política... empolgadas com a própria empolgação. Coitadas... passarinho alegre é comida de gato.

Já foi a uma festa em que você não conhece ninguém? Terrível! Pra lá e pra cá segurando um copo eternamente pela metade, distribuindo sorrisos constrangidos a pessoas que não correspondem, desfilando sem rumo pelo salão e atrapalhando garçons... Em baile de cobra, sapo não dança.

E velório de gente pouco conhecida? Dá os pêsames a quem não precisa, deixa de dar a quem deve, conversa por meio de monossílabos rápidos, está sempre saindo de um canto, pois está atrapalhando... você é um zero à esquerda, à direita, pra cima e pra baixo. O defunto é um número mais significativo que você. Você não passa de um peixe fora dágua.

Tem mais: exposição de arte pós-moderna, aquela porção de gente com cabelos estranhos, óculos esquisitos, roupas escabrosas... o encantamento intelectual frente a um quadro que não passa de uma tela com uma cor só... aquela babação toda em frente a uma escultura que mais parece algo que começou e não acabou... e a gente ali, sem entender nada, apenas buscando uma fagulhazinha de beleza ou, pelo menos, de lógica. Um burro em frente ao palácio.

Os animais estão atentos ao nosso comportamento. Quando o risível anuncia o próximo número, lá vamos nós ocupar o picadeiro da linguagem debaixo do chicote dos bichos e da gargalhada de uma plateia cruel.

Cá comigo, de uns tempos pra cá eu ando meio macaco velho. Pondero muito antes de meter a mão na cumbuca. Deixei de me encantar com o passarinho do rabo verde e aprendi que coelho astuto tem três tocas: observação, silêncio e estratégia.

Sei lá, em rio que tem piranha jacaré nada de costas.

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