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E o terno?

15 de Maio de 2014, por José Antônio

A Gata Borralheira não podia ir à festa porque não tinha roupa adequada. De repente, a fada madrinha rasga a cena: aparece do nada resolvendo tudo. E a Gata Borralheira virou Cinderela: deixou o borralho sem deixar de ser gata.

Virando as páginas das minhas memórias, salta de lá o Mário Márcio com os olhos arregalados de pavor:

– Pois é, cara! Me escolheram pra paraninfo do 3º ano do Assis Resende e a formatura é sábado que vem. Já escrevi o discurso, mas esqueci a roupa. Não tenho terno. E hoje é terça-feira. Como arrumar um terno pra sábado?

Situação difícil. Sugeri alugar.

– Alugar terno sem saber quem vestiu antes? E se já foi terno de defunto?

Em São João havia poucas lojas que vendiam ternos. E o pior: o Mário não agradou de nenhum que experimentou.

– Quer saber? Vou mandar fazer.

– Mário!!! Hoje é terça-feira e a formatura é sábado. Não dá tempo. Fazer terno vai levar mais de uma semana.

– Por favor, Zé! Você tem que me ajudar.

Resolvi ajudar, mesmo sabendo que aquilo não iria dar em nada. Amigo é amigo. Indiquei o alfaiate e o Mário comprou o pano.

O alfaiate ficou pálido e revoltado ao saber do prazo que teria. A proposta virou conversa e a conversa virou discussão O alfaiate tinha razão: como fazer um terno em poucos dias? E as encomendas dos outros clientes? Ele não tinha varinha de condão.

Por mais que o pobre alfaiate provasse a impossibilidade da tarefa, o Mário acreditava que abóboras viravam carruagens. Deixei o Mário lá, com seu pano, aviamentos, esperança, teimosia e um terno na cabeça. Não o vi mais.

No sábado, a cerimônia da formatura.

A sociedade de Resende Costa lotava o teatro. Olhei para os lados e não vi o Mário. De repente, lá no palco alguém começou a chamar a composição da mesa. Subiu a diretora, subiu o prefeito, subiu a professora homenageada...

– Convidamos também para compor a mesa o paraninfo da turma.

E o Mário Márcio rasgou a cena, vindo lá do fundo, desfilando entre as cadeiras do teatro. Exibia o seu terno bem cortado e bem feito. Era o terno. O alfaiate virou fada.

No fim da cerimônia, corri curioso para o meu amigo e lhe perguntei como aquilo fora possível. O prazo era muito curto. Mário estava envolvido numa interminável sessão de fotos com os formandos. Entre uma e outra, ele me puxou o braço e falou baixinho, num sorriso malandro:

– Eu falei que era pro meu casamento. Inventei que precisava casar às pressas.

Voltei para a nossa república, ali no beco da Dona Nhazinha do Geraldo Porteiro, mas não entrei. Sentei-me sozinho nas lajes e esbocei uma gargalhada. Ao longe, ouvia vozes e risos felizes vindo da praça da Matriz: eram os formandos saindo do teatro com o Mário. Gritavam cadenciadamente: “Mário Márcio! Mário Márcio! Mário Márcio!”

Depois, ainda pude ouvir – agora mais longe – os alunos gritarem três vezes: “Viva o Mário! Viva o Mário! Viva o Mário!”

Três gritos, um para cada tipo de Mário: para os alunos, vivia o Mário Paraninfo... Para o alfaiate, vivia o Mário Noivo... Para mim, vivia o Mário Cinderelo.

 

E, pelo que sei do meu amigo, esses três tipos de Mário conviveram felizes para sempre.

Comentários

  • Author

    Seus textos, Zé Antônio, são bons demais, sempre disse isso a você. Danado de engraçados e muito inventivos.O terno realmente existiu e o alfaiate, também. Mas o casamento... Só me casei 7 anos depois, e o terno nem me servia mais. Parabéns! Suas crônicas são pura literatura.


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