Sabe aqueles sonhos sem pé nem cabeça? Uma vez eu sonhei que o Dom Pedro I tomava mingau de fubá na minha sala. Também já sonhei com a Rainha Elizabeth cavalgando a mula-sem-cabeça. Semana passada, sonhei que o mecânico do meu carro era um dos Sete Anões.
Pior foi o Leovaldo, meu amigo crivado de grilos: sonhou que a mãe dele estava na cama com o Freud.
Se a arte imita a vida, o sonho também imita. Só que tem de saber imitar, senão fica ridículo. Vira surrealismo sem causa.
Tudo bem que a gente tenha um ídolo. É até aceitável que a gente tenha vontade de ser como o nosso ídolo. Faz parte da tietagem. Porém, está cheio de fãs por aí que saem da tietagem e assumem a colagem. Sabe o que acontece? Passam a se vestir como o ídolo, cortam o cabelo igualzinho ao ídolo, repetem o andar e os gestos, forçam até a voz.
E fazem isso sem levar em conta o contexto.
De repente, você vê celebridades nos lugares mais improváveis.
Ontem o Michael Jackson passou por mim empurrando um carrinho de mão. Só faltou a luvinha branca. Visão absurda invadindo o cotidiano.
Ano passado, fui comprar umas camisas. Adivinhe quem me atendeu: bem na minha frente, com cabelo vermelho e uma porção de penduricalhos nos braços, a Madonna me mostrava diferentes modelos de camisas. Depois que escolhi, a Madonna foi lá pra dentro e preparou um carnê pra mim.
Já vi o John Lennon dirigindo lotação. O beatle estava de gravata, óculos escuros e levava no peito um patuá. Imagine só...
Você se lembra daquela cantora alemã, uma doidona chamada Nina Hagen? Até hoje eu não sei se ela cantava fazendo careta ou fazia careta cantando. Pois a Nina Hagen tem uma padaria na pracinha onde moro. Um dia, ela me explicou como é que a rosquinha de canjica era feita. Puro show.
Ser igual ao ídolo... Ninguém é igual. Qualquer igual é mera tentativa. Cada um pode ser grande no seu próprio terreiro. Não dá certo um boi num aquário. Nem dá certo um cowboy dirigindo moto-táxi.
O non sense soltou sua fumacinha quando fui comprar frutas. Lá no mercadinho, eis que me atende o Elvis Presley. Costeleta, topete, camisa aberta no peito e voz empostada. O cara andava com o corpo mole, balançando os ombros. Parecia que queria se coçar, mas as mãos estavam amarradas. Assoviava o famoso Tutti Frutti. Pegou as laranjas, as bananas, os limões, o abacaxi e colocou tudo numa sacolinha de plástico, numa gesticulação que parecia caratê. Detalhe: o Elvis Presley do mercadinho era baixinho.
Sonhar não custa nada, já disse alguém. Sei lá, às vezes custa sim. Uma coisa é você sonhar pra você mesmo. Outra coisa é você tirar a roupa do seu sonho e mostrá-lo nu a todo mundo. Ninguém quer saber coisa alguma das suas taras.
O sonho e o absurdo são gêmeos. Talvez dois lados de uma mesma moeda. Ou ainda, sonho e absurdo são o mesmo lado da mesma moeda. O outro lado é mistério.