Foi só eu virar a esquina da avenida e lá vinha ela em minha direção. Ao me ver, fixou o olhar e abriu um sorriso discreto, mas alegre:
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Você sumiu. Por onde anda?
– Tenho saído pouco.
Era ela. Mais madura, penteado diferente, marcas sutis do tempo ao lado dos olhos... Ainda estava bonita.
– Hoje eu me lembrei de você.
Que bom que ela ainda se lembra de que hoje é o meu aniversário! Fingi-me de desentendido:
– Ah, é? Por quê?
– Li uma crônica sua ontem no jornal. Você falava da primavera e hoje é primavera.
Será que ela esqueceu o meu aniversário? Culpa da primavera. Por outro lado, seria pior se eu tivesse nascido em estação de chuvas. Não suportaria vê-la dizendo que toda vez que tem raio e trovão ela se lembra de mim.
– Na crônica, você falou tão bonito das flores... Fiquei encantada.
A primeira flor que dei a ela... Quanto tempo! Era começo de namoro. Depois, vieram muito mais flores, mas aquela primeira era a mais linda e a mais pura, justamente porque era a primeira. Lembro-me do primeiro presente de aniversário que ela me deu: uma camisa da cor daquela flor.
– Mas eu me lembrei de você por um outro motivo também.
Que alívio! Eu sabia que ela iria lembrar que hoje é meu aniversário.
– Há um momento engraçado na crônica. Eu ri muito. Você sempre me fez rir, lembra-se?
Como esquecer? Era gostoso vê-la alegre, ouvir sua gargalhada de menina sapeca, sentir seus tapas e beliscões carinhosos me mandando parar de fazê-la rir, pois já não tinha mais fôlego. Que saudade daquele meu aniversário em que a velinha não acendia de jeito nenhum. Depois de acesa, por mais que eu soprasse, ela não apagava nunca, o foguinho sempre voltava. Como rimos juntos!
– Parabéns!
Ufa! Lembrou.
– Parabéns pela crônica! Amei, apesar de ter uma passagem que me fez chorar.
Lembro-me das suas lágrimas quando não pude mais ficar. Escorriam como dois riachos sem destino e sem consolo. Minha passagem a fez chorar... passei e não fiquei quando ela queria que eu ficasse. Agora é ela quem passa e eu quero que fique sem ela poder. Tudo é passagem. Meu aniversário também é passagem. Daqui a algumas horas não será mais meu aniversário.
– Bem, já vou indo.
– Some não.
– Tenho saído pouco.
E desci a avenida como uma lágrima sem destino e sem consolo.
Hoje à noite, amigos e amigas irão lá em casa para o meu aniversário. Levarão presentes e eu abrirei cada um, com gratidão, alegria e carinho. Mas ficará, no canto da minha lembrança, um presente que um dia ganhei e jamais abri. Um presente que floriu, encantou, riu, chorou... e foi embora.