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Menino lembrando uma noite de junho

16 de Junho de 2021, por José Antônio

Foi numa daquelas noites de junho, daquelas em que o céu já começa a se vestir de noite lá pelas seis da tarde. As nuvens ficam cor-de-rosa enquanto pelo chão as sombras se mostram compridas, longas iguais à solidão que gosta de acompanhar a gente por toda a vida.

Era uma dessas noites de junho. O vento cortava gelado as costas dos meninos e as pernas das meninas... queimava de frio os dedos finos das moças e as mãos ásperas dos moços. O vento vinha do morro e virava a esquina. Pegava todo mundo de surpresa.

Mesmo assim, com tanto vento e com tanto gelo, o pessoal da vila não se fez de rogado. Saiu todo mundo pra ir às barraquinhas da quermesse. Música tocando no alto-falante, vestidos estampados indo e vindo, rodinhas de rapazes conversando e rindo, meninos e meninas correndo pra tudo quanto é lado, um homem gritando números em uma das poucas barracas, cheiro de quentão embriagando a alegria simples de um povoado que se contentava com a simplicidade das poucas coisas.

Uma das barracas vendia salgados. A outra, doces e canjica. A última, perto do coreto e também cheia de luzinhas acesas, vendia bebidas quentes e fazia jogos de víspora e pescaria. Praça cheia, alegre e aconchegante. Acho que por isso ninguém tinha ficado sozinho em casa. As casas estavam frias e a praça quentinha. Havia vento, mas tinha quentão.

Resolvi tentar a sorte num dos jogos. Na verdade, eu queria era tirar um prêmio na pescaria e entregar pra Ana Clara, que estava na praça havia meia hora, mas no meu pensamento um montão de tempo. Ana Clara caminhava, passava perto da barraca e nem me via. Que vontade de pegar a sua trança e pescar com ela o seu coração...

Levei a mão gelada no bolso e achei lá uma solitária moeda. Fiquei por ali, encarapitado na cerca da barraca, atento à minha pescaria. Pescador de sonho... de sonho mergulhado na serragem e que não precisa de isca pra ser capturado. Fisguei o peixinho e o peixinho escorregou. Fisguei outra vez e o danado voltou pro chão. Na terceira vez, o peixinho veio pra mim. Não é que tinha um anel pendurado nele?

Peguei o anel, soprei a poeira e fui procurar a Ana Clara. Já imaginava sua trança sem Rapunzel, seu sorriso de princesa sem castelo, perdida ali naquele povoado sem grandes perspectivas, porém única e preciosa nas minhas vertigens de infinito.

Lá estava ela! Cheguei perto e... Ana Clara já tinha anel. Não só anel, mas também um namorado. Rapaz que eu nunca tinha visto na vila. Era gente da cidade. Garanto que foi ele quem deu o anel pra ela. O anel que Ana Clara ganhou do namorado não era de pescaria nem tinha poeira de serragem.

Desci os olhos, fechando as cortinas da minha esperança. Voltei pra barraquinha da pescaria. Joguei o anel na serragem, a serragem no meu sonho e pus meu sonho num balão que estava subindo pra sumir.

O vento continuava soprando frio.

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