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O primeiro carro a gente nunca esquece

19 de Maio de 2021, por José Antônio

Foi um fusca. Creme. Quando ele chegou, confesso que tive vergonha. Velho, mas conservado (eufemismo cretino para tentar esconder a decrepitude). Tudo naquele fóssil de lata cheirava a baú. Mas, o que fazer? Não sabia dirigir, daí comprei o fusca para aprender.

O instrutor ia até minha casa e saía comigo: ele dirigindo e eu observando. Depois de dois dias assim, o instrutor disse, sempre resoluto:

– Agora é a sua vez.

Sentei-me no lugar dele e me senti guiando o planeta. Tudo era difícil. Inclusive contar com o carro. Sempre morria. E morria, de preferência, em vias públicas movimentadas, fazendo com que eu também morresse... de vergonha. Quem quer saber se você está aprendendo? O pessoal quer é passar. E o fusca nem aí. Não pegava e pronto. O negócio era empurrar, instrutor e eu. Mico geral.

Quando o danado não morria, era qualquer outra coisa: disco de embreagem patinando, freio no fim, pneu furado, vela fraca fazendo o motor trabalhar quase desmaiando, carburador sujo... Parece que o carro tinha o compromisso de sempre avisar que ele era velho, que não aguentava mais muita coisa.

Não sei quem era mais fiel: se o instrutor a mim, se eu ao fusca ou o fusca ao enguiço. E nessa complicada fidelidade, íamos os três sempre na mesma hora, nas mesmas ruas, na mesma teimosia de um ensinar, o outro aprender e o terceiro querer funcionar. Não saiu muita coisa daí.

Dois marmanjos dentro de um vetusto carro do povo. Talvez pensassem, quando nos viam: “Por que será que esses dois passeiam tanto nesse monte de lata velha?”

Pior era o gasto. Gastava com as aulas e com os consertos do carro. Cada aula terminava na oficina. Teve um dia que alguma coisa explodiu dentro do motor, tipo uma bomba. O estranho é que não saiu fumaça alguma. Nesse dia, o instrutor deixou de ficar preocupado comigo e ficou preocupado com o carro.

– É melhor não mexer. Eu sou instrutor, mas não sou mecânico nem desativador de bombas. Vamos lá chamar o Taturana.

Taturana era o mecânico. Aliás, nunca entendi por que todo mecânico tem apelido estranho. O Taturana veio, abriu o capô, apertou uns negócios, puxou outros e soprou o motor. Não respondeu a nenhuma pergunta que fiz. Resultado: o carro pegou novamente, a aula iria continuar e eu estava devendo o pagamento ao Taturana. Arrisquei mais uma pergunta:

– Por que o motor explodiu?

E o Taturana respondeu, numa filosofia de parafuso:

– Acontece!...

O tempo passou, consegui minha carteira e já podia comprar um carro melhor. Tinha que me desfazer do fusca. Consegui vendê-lo para uma moça que queria aprender a dirigir. (A gente sempre encontra alguém mais bobo do que a gente!) Mais uma que queria aprender a dirigir... no fusca. Bem que o fusca podia ser doado a um centro pedagógico, já que se prestava tanto ao ensino.

Foi-se o meu fusca. Quando a moça virou a esquina levando o fusca, senti um estranho vazio: saudade misturada com remorso. Era velho, irritante, gastador... mas me valeu muito. Porém, assim é a vida, nada fica.

De repente, ouvi de longe uma explosão forte.

Acontece!...

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