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Por acaso

16 de Fevereiro de 2022, por José Antônio

As casualidades são como estrelas cadentes. Têm origem desconhecida e enfeitiçam justamente pela sedução do acaso. Ver uma estrela cadente é sentir o privilégio de presenciar algo único; é imaginar-se escolhido para uma visão que se manifesta a poucos e por pouco tempo.

A graça da casualidade está no seu inesperado repente. O acaso não combina com preparações. Se for prevista, a estrela cadente vira estrela decadente.

E foi na graça do acaso que eu te reencontrei. Surpreendidos pela casualidade, ali estávamos. Por ironia do acaso (ou acaso da ironia), compartilhando a mesma mesa.

De frente para mim e ao lado de teu companheiro, conversavas polidamente com todos e comigo.

Discreta e bela.

Entre as muitas palavras trocadas à mesa, nossas frases íntimas – agora silenciadas – lutavam contra a mudez da conveniência, num esforço sutil de se fazerem lembradas.  

 O cardápio era variado, porém insuficiente para satisfazer um outro jejum, mais fundo, mais escravo da ausência.

O tempo passou, mudou algumas coisas em ti, porém não levou detalhes tão queridos para mim. Permaneceu o mesmo sorriso... o movimento da cabeça ao mexeres no cabelo... ainda os mesmos trejeitos das mãos...

Eras tu!

Acima da história e do discurso.

Poucas palavras trocamos, mas uma semântica secreta sussurrava sentidos codificados somente por nós dois.

Minha pele não abraçou a tua carne, porém nossos dedos se tocaram rápida e incidentalmente. Por acaso.

Não senti de perto o teu hálito, que sempre me trazia a fragrância lúbrica da tua língua. Eu que tanto invadi as tuas narinas com o meu desejo cítrico e prazer campestre...

Houve um momento, um momento só, em que consegui o travamento dos teus olhos na armadilha dos meus. Tu ficaste séria, porém meiga. Tuas pupilas pulsavam.

Na despedida, no meio de tantas pessoas e falas, ainda aconteceu um outro olhar. Teu sorriso conseguiu se esgueirar para um canto discreto de teus lábios.

A estrela cadente seguia a cadência do caso que há no acaso.

E saíste.

Sei que também fui embora contigo de algum modo. Peguei carona no teu aceno e me fiz passageiro de tua memória.

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