Voltar a todos os posts

Prazo de validade

12 de Junho de 2018, por José Antônio

Foi de uma vezada só.

Parei tudo e parti pro balanço. Já não havia espaço nem para mim mesmo no meu próprio escritório. É o que acontece quando a gente não guarda o que deve e guarda o que não deve.

No meio da fuzarca, achei uma rosa seca entre os meus papéis. Tão seca que o odor da memória se perdeu e eu já nem sabia mais de quem chegou aquela flor. Ou talvez fosse para alguém e acabou ficando. Triste rosa! Veio ao mundo para não ter jardim...

E o parafuso? Não tenho chave de fenda, mas parafuso tenho. A bagunça já começa aí. Deparei-me com uma página de dedicatória, separada do livro. O livro eu não tenho, mas a dedicatória eu tenho. A bagunça continua aí.

Porém, o que me chamou a atenção foi um pacote de biscoito fechado e com a data de validade vencida. O curioso é que a data da validade era no meu aniversário. Apertei o pacote e tudo se quebrou lá dentro. No meu aniversário, o farelo me lembrou que sou pó. Farelo e pó... resultados inúteis de uma existência com validade vencida.

Achei também uma garrafa de água. Estava pela metade. Olhei a data de validade. Pasmei: também era no meu aniversário. Pelos meus cálculos, já passei da metade do tempo que penso ter de vida. A cada aniversário, a metade vai se desfazendo em parte grande que se foi e parte pequena que resta. Tudo vai ficando cada vez mais raso até que a última gota se transforma em lágrima vazia e voa para brincar de nuvem que desaparece no primeiro vento.

Remédio pra dor de cabeça também achei. Vencido, é claro. Não sei por que o comprimido estava lá, pois quase nunca tenho dor de cabeça. Data de validade? Também no meu aniversário!

Aquilo já não era coincidência e sim três carimbos mórbidos em cima da data do meu nascimento. Remédio vencido... não há o que remediar. Senti um arrepio. Peguei o comprimido que na data do meu aniversário me dava uma dosagem de medo. Olhei o comprimido que na data do meu aniversário me dizia dos meus defeitos colaterais, embora fosse ele mudo.

Comprimido... comprimedo... comprimudo. Triste posologia de uma fórmula perdida no tempo. Validade vencida.

Foi aí que eu arredei mais papéis e percebi que caiu um envelope quadradinho no chão. Foi se alojar caprichosamente atrás da escrivaninha, rente à parede. Puxei o danado. Outro arrepio.

Seria demais aquilo vencer justamente na data do meu aniversário. Confesso que não tive coragem de verificar o prazo da validade. Além disso, eu nasci justamente porque aquilo não foi usado.

 Sei que meu prazo de validade é o certificado infalível de que um dia serei pó, nuvem e fórmula inútil. Mas enquanto não me esfarelo nem esfumaço nem me desformulo, por que não fingir que me esqueci do prazo da validade e viver a validade do prazo? Ainda tenho tempo.

Peguei o envelopinho sem olhar os detalhes e guardei aquele preservativo.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário