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Questão de ordem

30 de Agosto de 2024, por José Antônio

Precisamos da falta de sentido para que o sentido não falte. Pode parecer que essa frase não tenha sentido... mas é o que tenho sentido.

Primeiro a vaguidão... Depois a organização.

É assim na mitologia maori, lá na Nova Zelândia. O deus Rangi e a deusa Papa viviam deitados havia milhões de anos num estreito abraço, no interior da escuridão. Rangi é o Pai Céu e Papa, a Mãe Terra. Dessa união, surgiram filhos. E todo mundo tendo que viver naquele espaço apertado e escuro. Até que a falta de sentido se impôs: Rangi e Papa foram separados, aparecendo então o céu e a terra. Aí tudo ficou organizado.

Na mitologia egípcia, no começo nada existia, exceto um caos nebuloso, do qual nasceu o deus Amun. De sua linhagem, surgiram Osíris e Ísis. Após algumas brigas com morte, a ordem passou a ser mantida pela deusa Maat. Antes o caos... Depois a ordem.

Nas tribos sioux e lakota, dos Estados Unidos, a mitologia diz que, antes da existência do mundo, Wakan Tanka jazia em um vácuo escuro e nebuloso. Dessa entidade, nasceu Inyan e demais deuses, estabelecendo-se a ordem do céu, da terra, do dia e da noite.

Para a mitologia grega, o início de tudo era uma divindade chamada Caos. Sem comentários...

Já para a mitologia africana, tudo começou com Oxalá e Odudua vivendo apertados dentro de uma grande cabaça. O espaço era pequeno demais para os dois deuses. Isso foi um dos motivos para a discórdia entre eles. Claro que a falta de sentido se instaurou e os dois se separaram. Foi assim que Céu e Terra se formaram. E tudo ficou em ordem.

Cá comigo, ando observando algumas coisas que a gente diz. Na verdade, elas escondem um certo caos dentro delas, uma certa falta de sentido... justamente para fazerem sentido. Acho que esse negócio de sair do caos para conseguir a ordem, que sempre acontece nas mitologias, também existe na linguagem.

Ontem eu ouvi um diálogo que parecia estar dentro de um caos nebuloso, pedindo ordem:

– E aí? Como você está? Melhorou?

– Pois, é... vou indo.

Comecei a pensar: vou indo... tem jeito de ir sem estar indo?

E quando você fala que o sujeito é semianalfabeto? Isso é grave, pois ele não chega a ser analfabeto... é menos do que analfabeto, pois é semi!

Sempre que alguém nos dá uma ajuda, o que a gente diz?

– Falou, cara! Valeu!

Falou o quê?

Dizemos essas expressões sem perceber a falta de sentido dentro delas. São ovos caóticos. Tenho medo de romper a casca deles e, então, nascer um sentido com penugem de avesso.

Como aquela vez em que, conversando com meu filho ainda pequeno, disse a ele que eu precisava trocar as lentes dos meus óculos, pois elas já estavam ficando fracas. O meu filho respondeu, numa lógica que arrebentou a minha mitologia oftalmológica:

– Não, pai! As lentes estão boas, elas estão a mesma coisa. Os seus olhos é que estão ficando fracos.

E do caos veio a ordem.

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