Currupacopapaco!
27 de Setembro de 2023, por Regina Coelho 0
Zé Carioca é um personagem desenvolvido no começo da década de 1940 (durante a Segunda Guerra Mundial) pelos Estúdios Walt Disney como parte da política de boa vizinhança que os EUA promoveram para melhorar as relações com os países latino-americanos e obter deles apoio às suas pretensões políticas. Trata-se, na verdade, de uma criação com controvertida legitimidade por ser vista como o estereótipo negativo do carioca/brasileiro preguiçoso, malandro, mentiroso, trapaceiro e avesso ao trabalho, entre outras particularidades. Mas é também o sujeito, melhor dizendo, o papagaio alegre, festeiro, divertido, cantante e hospitaleiro, características essas que aqui nos interessam.
Outra criatura semelhante na postura irreverente era o Louro José (da Ana Maria Braga), o boneco de um papagaio que misturava artifícios de fantoches com a tecnologia de controle remoto e interagia com a apresentadora, saindo de cena em 2020 com a morte de Tom Veiga, responsável pela voz esganiçada e fala afiada do Lourinho e pela manipulação de seus movimentos. Herdeiro do “falecido” Louro José, Louro Mané, interpretado e manipulado por Fábio Canietto, segue firme no Mais Você em bem-humoradas aparições e intervenções matinais na Globo.
De recorrente presença, aliás, são os papagaios, também os de pirata, explorados com certa frequência em variadas artes. A propósito, a expressão “papagaio de pirata” é usada para designar ainda a pessoa que procura ficar à altura do ombro de quem aparece em primeiro plano, na tevê ou nos palanques, com o objetivo de aparecer também para as câmeras ou simplesmente aparecer. Assim, lembrando a ficção, ela é comparada a um vistoso papagaio sobre o ombro de algum pirata.
Bonitos, alegres e engraçados, os papagaios do mundo real são encantadores. Originários das Américas do Sul e Central, eles estão, ou melhor, sempre estiveram entre os pets mais populares, principalmente entre os apreciadores de aves. Além da chamativa plumagem de coloração verde, com variações de cores na cabeça, fronte e bochechas, esses bichos de estimação cativam seus tutores também por sua capacidade de imitar a fala humana.
Diferentemente dos cães e gatos, os campeões na preferência dos que curtem ter seus animais em casa e adoram levá-los para passear e/ou deixar que circulem livremente pelo espaço doméstico, os papagaios ocupam lugares mais restritos nas casas em que moram. Mas nem por isso são menos queridos. E, do local onde são instalados, geralmente nas imediações da cozinha, parecem observar tudo.Viram até ponto de referência e companhia para boas brincadeiras em comunicação interessante com os mais chegados, aqueles com quem aprendem, inclusive, a pronunciar certas palavras.
Li há alguns anos num jornal uma notícia, no mínimo curiosa, a esse respeito. Segundo a matéria, um papagaio foi apreendido pela Polícia Militar do Piauí, em Teresina. Tudo porque ele gritou “Mamãe, polícia!” quando os policiais atenderam uma ocorrência em um local que funcionava como boca de fumo. De acordo com o policial que tinha comandado a ocorrência, a tutora do papagaio, uma mulher conhecida como Índia, já havia sido presa duas vezes por tráfico de drogas. Naquela ocasião, estava acamada por ter sofrido um acidente. E o marido, que foi preso, despachava por ela. Além disso, a filha do casal (menor de idade) escondia porções de maconha nas roupas íntimas. E o papagaio?
__ Ele deve ter sido treinado para isso. Assim que nos aproximamos, começou a gritar “Mamãe, polícia!”, contou o PM à imprensa lá presente.
“Papagaio”! Por essa a PM PI não esperava. Papagaio, no presente caso, é uma gíria antiga que indica espanto. “Fazer um papagaio” pode ser contrair um empréstimo ou confeccionar uma pipa. Papagaiar (ou papaguear) é falar muito, sem refletir, tagarelar; falar ou repetir algo sem compreender o que é dito, como fazem os papagaios.
Em se falando deles, temos também em família um Papagaio. No caso e de especial estima, o nosso pedaço de terra.
Fernando, Hélio, Otto e Paulo
23 de Agosto de 2023, por Regina Coelho 0
“Conheci Hélio Pellegrino no jardim de infância, aos seis anos de idade. Fizemos juntos o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena.
Andamos separados durante o curso de admissão. Fiz o meu com dona Benvinda de Carvalho Azevedo, grande professora, famosa pela sua competência: até hoje sei de cor a lista das preposições e, a bem dizer, tudo mais que aprendi com ela. No Ginásio Mineiro Hélio e eu nos reencontramos e desde então não nos separamos mais. Mesmo ele tendo ido estudar Medicina e eu Direito.
Meu primeiro encontro com Otto Lara Resende se deu bem mais tarde. Era um rapazinho meio introvertido, que vi pela primeira vez na casa do Etienne (João Etienne Filho, escritor e jornalista mineiro) – o que me emprestava livros.
Ele me contaria depois que ficou impressionado porque eu conhecia marcas de automóvel, era campeão de natação e só falava futilidades. Nesse primeiro contacto não tivemos o que dizer um ao outro.
Mas à noite nos encontrávamos na Folha de Minas – onde eu já trabalhava, escrevendo reportagens sobre tiro aos pombos, coisas assim – juntamente com Hélio, de quem ele já se tornara amigo.
Eu o havia encontrado antes e não me lembrava. Foi no meu tempo de escoteiro. Ele também era escoteiro em São João del-Rei, e veio numa delegação nos visitar, na associação de Belo Horizonte. Na nossa sede havia um fio elétrico desencapado junto ao soalho, e a brincadeira era pisar onde dava choque e passar o choque para quem nos segurasse a mão.
(...)
A primeira vez que vi Paulo Mendes Campos foi na varanda da casa do cônsul inglês, durante uma festa em que eu havia entrado de penetra (provavelmente ele também) para ver a namorada. Eu já havia reparado naquele menino de cabelo caído na testa, que passava o tempo todo de lá para cá, empatando o nosso namoro. Não me lembro como começamos uma discussão sobre literatura, cada um querendo mostrar mais conhecimento que o outro. (...)
Morávamos à distância de um tiro de escopeta uns dos outros. (...) Andávamos dia e noite, conversávamos muito (...). Havia um banco na Praça da Liberdade, o nosso banco, primeiro da direita, onde invariavelmente encerrávamos a noite, às vezes já nascendo o dia.
(...) No que completei 17 anos, (o pai) conseguiu para mim um emprego de funcionário público na Secretaria de Finanças, que era em frente à nossa casa: eu precisava de uma colocação, como se dizia, fosse qual fosse. (...)
Meus amigos também já trabalhavam. Hélio Pellegrino, estudante de Medicina, distribuía amostras de remédio nos consultórios médicos. Eu vivia às voltas com uns relógios elétricos de parede que o representante em Belo Horizonte me entregava para tentar vender. Otto Lara Resende dava aulas e era funcionário da mesma Secretaria das Finanças. Paulo Mendes Campos era da Saúde Pública. Como em geral acontece, o emprego não tinha nada a ver conosco.
(...)
Eu ganhava salário mínimo, como funcionário. Fui promovido a oficial de gabinete da Secretaria da Agricultura depois que fiquei noivo da filha do governador (Benedito Valadares), aos 18 anos. Quando me casei, nomearam-me serventuário de justiça no Rio de Janeiro, para onde me mudei no mesmo dia.
(...)
Eu sentia falta dos meus amigos de Belo Horizonte, mas eles foram vindo em seguida – primeiro Paulo, depois Otto. Hélio só veio mais tarde.
(...)
Éramos e continuamos sendo, intransigentemente contra as convenções e conveniências, a começar pela institucionalização de nossa amizade. Tanto assim, que nunca conseguimos fazer juntos nada de útil, com a graça de Deus. Nunca fomos sócios em coisa alguma. Por isso mesmo, fazemos questão de não levar a amizade muito a sério. Exatamente por saber que assim é que ela foi e continua sendo fundamental para a nossa vida.”
O Fernando do título desse artigo é o autor dos fragmentos acima, compilados do exemplar de “O tabuleiro de damas”, que adquiri mediante a presença da Guinha (irmã) no lançamento desse livro em BH, com a seguinte dedicatória de Sabino, cujo centenário de nascimento se celebra neste 2023.
A Regina Coelho
com um afetuoso
abraço do
Fernando Sabino
12/5/88
Uma palavrinha só
26 de Julho de 2023, por Regina Coelho 0
certas palavras parecem se casar harmonicamente com outras e viram até um par, em alguns casos, um trio, quando as duas se unem através de uma preposição ou contração. E como já andam juntas com frequência, nem temos o trabalho de aproximá-las, pois já vêm prontas para uso comum dos falantes. Vejamos: arrepender-se amargamente, cabedal de conhecimentos, considerações iniciais (ou preliminares), céu de brigadeiro, chuvas torrenciais, denominador comum, derrota fragorosa, detalhes sórdidos, discussões acaloradas, fiel escudeiro, inverno rigoroso, leve (ou ligeira) impressão, manjar dos deuses, mar de lama (em sentido figurado, ambiente ou situação de grande degradação moral), morte trágica, mínima ideia, ódio mortal, palpite (ou ideia) infeliz, providências cabíveis, punição exemplar, requintes de crueldade, rigores da lei, sol escaldante (ou inclemente), viagem dos sonhos, vitória acachapante, entre outras construções linguísticas.
Mãos de fada, memória de anjo (ou de elefante = m. excelente), memória de galo (= m. fraca), memória prodigiosa, ouvido absoluto (de quem possui a capacidade de identificar a nota musical de qualquer som, musical ou não, sem precisar de uma referência prévia), ouvido de tuberculoso (= o. apuradíssimo) e voz aveludada (= v. macia) são mais alguns exemplos nessa lista, dessa vez, usados para ressaltar alguma característica ou condição do ser humano.
Ficaram de fora da relação acima, porém, algumas falas que, por hábito ou por desconhecimento, muitas pessoas usam de forma indevida, redundante, repetitiva em termos de significado. Então, se toda certeza é absoluta, se todo consenso é geral, se todo elo é de ligação e se todos detalhes são pequenos, fiquemos só com a certeza e entremos no seguinte consenso: o elo entre as palavras é importante, mas com detalhes a considerar, como o sentido dessa formação linguística, por exemplo.
Pode-se dizer, seguindo um outro caminho, que existem palavras enganosas, que provocam confusão em muita gente. “Luxúria”, que é um dos sete pecados capitais, significa o excesso de busca pelos prazeres carnais e, como se vê, não tem qualquer relação com luxo. Uma outra é “pernóstica”, de ligação zero com a palavra perna. Uma pessoa pernóstica é alguém afetado, pedante, petulante. O termo “reacionário” está ligado etimologicamente ao seu primitivo termo, reação, mas, diferentemente do que se pode pensar, ser reacionário é ser contrário às ideias voltadas para a transformação da sociedade.
Existem aquelas palavras também que, dependendo da situação, caracterizam o que muitos definem como “falar difícil”. São as usadas, seja por dever de ofício, gosto pessoal, conhecimento acadêmico mais conservador ou vaidade em demonstrar erudição. No grupo das difíceis somente na escrita e/ou na pronúncia, estão palavras como “competitividade, meteorologia e subliminarmente”. E há as que chegam a ser ainda um desafio de letras e sílabas corretas e um esforço para que não se comprometa a boa dicção, sem que a pessoa se enrole com a própria língua, como “transubstanciação”.
Das difíceis para as consideradas bonitas, são as palavras que pela aproximação de fonemas e letras (o seu significante, o seu lado material) ao conceito (o seu significado) se completam numa linda união. Encontramos, pois, beleza nas palavras pelo que elas significam: paz, alvorecer, luar, esperança... E o contrário ocorre na mesma medida quando determinadas formas de expressão da língua entram na lista do que não se deve falar, na verdade, por razões sem fundamento, como o de que pronunciar simplesmente certas palavras atrai coisa ruim e de que exemplo maior a palavra “câncer”. “Azarado”, “desgraça”, “maldição” são outras das quais muitos querem distância, nesse específico caso, uma questão de superstição.
Superstições à parte, não se pode negar o grande poder das palavras, mensageiras de nossos pensamentos e sentimentos. Bem a propósito são estes versos de Cecília Meireles: “Ai, palavras, ai, palavras,/ Que estranha potência, a vossa!”.
Os dons do Tião
28 de Junho de 2023, por Regina Coelho 0

Tião e o touro Atrevido (foto arquivo pessoal)
Pintura, Girafa, Mansinha, Fumaça, Linda, Suíça, Roxinha, Crioula, Serena e Cigana – esse é o time atual escalado pelo Tião do Neném para estar no campo com ele todo dia. No campo exatamente não, mas no curral onde era o retiro do Chicão Mendes, na Várzea, e hoje é do Marcos Paulo, que, assim como o pai fazia, aluga o terreno para o Tião. “E o movimento é meu”, afirma. E já que vaca desconhece fim de semana, feriado ou folga, de segunda a segunda, o nosso amigo retireiro também está lá no serviço, bem no começo da manhã,5, 5 e meia, pois é hora da primeira ordenha. A outra é à tarde, ambas feitas “na mão”. Dois também são os horários de alimentação, com o volumoso: capim picado na máquina com a mistura do fubá já nas cocheiras. Para as vacas em lactação é oferecido o farelo de soja. O Atrevido, correndo por fora e cumprindo sua função de touro, não faz jus ao nome que ganhou do dono, que até monta nele. “Apenas” mais ou menos 25 arrobas de compostura e mansidão.
“Comecei no retiro com 12 anos, no retiro do Chicão. Estudei até a 5ª série. Saí da escola e fui trabalhar. Larguei o serviço no Chicão e fui trabalhar numas firmas aí pra fora. No Rio das Mortes (distrito de São João del-Rei), na Alcindo Convap (Construtora), depois, na mesma firma, fui pro Rio de Janeiro, em Resende. Lá trabalhava como ajudante de cozinha, fichado. Não deu certo porque o dom é vaca. E voltei pra Resende Costa”, resume o Tião seu começo de vida profissional.
E voltou também para o retiro, dessa vez, trabalhando perto daqui, na zona rural de Coronel Xavier Chaves, especificamente na Fazenda Esperança, dos mesmos proprietários da Fiação e Tecelagem João Lombardi, da vizinha São João, onde ficou por 18 anos.
Definitivamente em Resende Costa, uma outra etapa em sua trajetória teve início no ano 2000 quando começou a trabalhar por conta própria ao alugar o mesmo terreno dos seus tempos de menino já na lida. E veio em 2016 a sua tão aguardada aposentadoria. Com ela, uma resolução importante: fazer uma doação diária de 10 litros de leite ao Hospital Nossa Senhora do Rosário em agradecimento a Deus por ter se aposentado. Na época, a Diretora do nosso Hospital era a Irmã Aparecida, que não recusaria aquela oferta, no entanto, teve de achar um jeito de fazer o leite chegar ao destino que o Tião queria ao ouvir dele que não tinha condições de levá-lo pessoalmente. Probleminha solucionado. A salvação veio através do Dudu da Vanilde, que é funcionário da instituição camiliana, e desde então carrega nos braços as duas latas compradas pela Irmã Aparecida para buscar o leitinho precioso de cada dia. Às vezes, o Sidney do Camilo do açougue, na moto, se reveza com ele. E aos domingos, de carro, o trabalho é das Irmãs.
Sobre o que representa para o Tião a doação desse leite, não poderia haver satisfação maior: “pra mim é minha realização de vida, sai do fundo do coração, me sinto gratificado com Deus”, declara com entusiasmo. Da mesma forma, diz ser uma pessoa feliz por se sentir “realizado, realizadíssimo” e arremata com estas palavras seu sentimento: “tô cumprindo meu papel na Terra, graças a Deus!”.
José Sebastião de Oliveira, o Tião do Neném, 66 anos, é casado com Sildes Aparecida Fernandes, do Ribeirão. Tem 2 filhos, o Zé Nélson e a Mônica (Moninha), considerados orgulhosamente pelo pai como “maravilhosos”. E é com naturalidade que ele afirma frequentar o A.A. há 26 anos, pois teve problema com bebida, e acrescenta ter largado o cigarro há 12. Muito sábio, ensina que “o ser humano não pode viver com raiva, egoísmo, preguiça e inveja”. E que “a vida tem que ter um sentido”.
Para o Tião, que adora pescar, sua saúde é mexer com criação. E o trabalho, uma terapia para a mente. A doação diária do leite ao Hospital, uma alegria. Alegria nossa também é ver alguém levar a vida com dignidade e praticando a generosidade.
“Amo Resende Costa, meu berço de vida”, finaliza ele, embalando boas realizações por aí no ritmo desse seu alegre coração resende-costense.
Agradeço ao meu irmão José Celso a sugestão para a produção da presente matéria.
Hora de parar
24 de Maio de 2023, por Regina Coelho 0
Fui uma das mais de 50 mil pessoas presentes no Mineirão no último 26 de março para assistir ao show do Skank, o último da carreira vitoriosa do quarteto, agora desfeito. Juntei-me ao grande coral de vozes afiadas e nem tão afinadas, em certos momentos, ao cantar os maiores hits da banda mineira. “Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser. Estou no meu lugar, você já sabe onde é. Não conte o tempo por nós dois, pois a qualquer hora posso estar de volta, depois que a noite terminar...” Vi muita gente reunida em grupos de amigos. Ou turmas formadas, aparentemente, por gerações de pais, avós e netos em alegres reuniões embaladas pelas músicas dos artistas mineiros, em despedida à altura do trabalho desenvolvido por eles ao longo de seus 32 anos de carreira. E se teve o Garota Nacional, um dos primeiros e grandes sucessos de Samuel Rosa e companhia, não poderiam faltar, é claro, os fãs declaradamente apaixonados, uma legião deles, a maioria vestida com camisetas alusivas ao evento, ostentando bandanas, faixas, cartazes e canecas idem. Posicionados, evidentemente, na fila do gargarejo, pois fãs de carteirinha só admitem ficar bem perto dos seus ídolos, bem na frente, ainda que levantando o pescoço pela pouca distância do palco, os fanáticos pelo Skank fizeram um espetáculo à parte. Indefectíveis eles! E mesmo os desacompanhados ou em duplas foram só curtição naquelas três horas de uma noite única.
Com a emoção e a animação correndo soltas e ao mesmo tempo misturadas, foi difícil segurar as lágrimas quando, sinalizando o que seria o início do fim do show, Henrique, Lelo, Haroldo e Samuel saíram momentaneamente de cena. “Eu não vou embora não! Eu não vou embora não!!”, essa foi a manifestação da plateia num grito uníssono diante do cenário principal vazio. Como resposta em forma de surpresa para quase todos, trazida pelos quatro integrantes do grupo, eis que surgiu para um público em delírio a figura impagável e emblemática de Milton Nascimento, homenageante e homenageado, marcando ainda mais aquele momento já histórico simplesmente por estar ali presente. Mas Bituca, mesmo fragilizado fisicamente, cantou e, pelos poucos minutos em que esteve diante do público, roubou o protagonismo dos donos da festa. “Sem mais eu fico onde estou. Prefiro continuar distante. Em paz eu digo que eu sou o antigo do que vai adiante...”
Em novembro de 2022, também no Mineirão, Milton já havia feito a sua despedida dos palcos. Seguindo caminho parecido, os rapazes do Skank, porém, radicalizaram, pois, com o perdão do trocadilho, pediram a Saideira, desfizeram-se como conjunto, seguindo cada um o seu caminho. Mas, como a saideira do bar quase nunca é o último copo de chope ou a última cerveja da noite, bom seria que esse desconforto pelo fim da banda responsável por parte da trilha sonora da vida de tanta gente fosse também apenas a primeira saideira. Um até logo talvez.
A hora de parar. Descontração à parte, cabe aqui uma brevíssima reflexão sobre esse tempo que chega para todos nós. Deixar o trabalho, abdicar de uma atividade prazerosa e ter de adotar uma nova rotina, dar um novo rumo na vida, nada disso é fácil; seja pela necessidade imposta pela idade e/ou pela fragilidade da saúde, como parecem ser os casos de Milton Nascimento, Rita Lee e tantos outros, famosos ou não, seja pela inquietação revelada pelo desejo da mudança, do crescimento, do novo, como parece ser o que ocorreu com o Skank.
“O fracasso às vezes está em continuar. Muitas vezes a longevidade não é sinônimo de êxito (...). E eu acho que o Skank parando ou acabando, ele se preserva de não virar uma banda velha, requentada, que está ali pela comodidade”, pondera Rosa, então vocalista e guitarrista do grupo hoje já na nossa saudade.
De qualquer maneira e para todos, a hora de dar adeus a uma vida que não é mais possível ter ou que se entende ter se tornado insatisfatória é, sem dúvida, um momento determinante em nossa caminhada. Importante ainda é enxergar outro bom destino pela frente.