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“Os Fios de Ícaro”: um testemunho

10 de Agosto de 2017, por João Magalhães

Evaldo Balbino, amigo e colega do jornal, falou-me, tempo atrás, que concorrera ao prêmio Saraiva com um romance. Havia ficado em 3º lugar e por isso a editora o publicaria.  Criou-se em mim uma grande expectativa, já que acompanhava com muita apreciação sua poesia, de modo particular seu primeiro livro de poemas: “Moinho”.

Ausente na noite de autógrafos em Resende Costa, 28/11/2015, só posteriormente recebi o livro. Agradou-me a edição, o título “Fios de Ícaro”, a ilustração e foto da capa. E muito, o texto da orelha e contracapa.

Num meneio de olhar, vi o sumário: Parte 1- “Bailando sob as luzes...” Parte 2 – “Dos dois lados do Atlântico”. 40 capítulos curtos, todos intitulados. E aqui vai um elogio. Evaldo é um especialista em títulos. Alguns com um tanto de poesia, por exemplo: “De igrejas e de serpentes...Sob luzes acesas” (10); “Toda ovelha sabe balir” (25); “Missivas: à procura do amor” (34); Máscaras diante de mim” (36); “Lábios de mim” (40).

Depois li as três epígrafes, encaminhando o leitor pelos veios principais da narrativa. A do livro: “Ariadne e Minotauro, dois fios tecendo um homem” de Fernando Paixão. A da parte I: “Acordei, reuni pedaços de pessoas e de coisas, pedaços de mim mesmo que boiavam no passado confuso, articulei tudo, criei o meu pequeno mundo incongruente” de “Infância” do grande Graciliano Ramos. A da parte II de “Dom Casmurro”: “Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimi-la; era jarretar [amputar, decepar] a verdade. Nem só os apalpei com essa ideia, mas ainda senti outra cousa; achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar”.

Ao ler o capítulo inicial – “O tempo escrito...[para mim não foi tempo escrito. Foi tempo dolorosamente vivido] Aquele ano de 1978” -  percebi que não estava numa fase apropriada para a leitura, pois exigiria de mim uma abordagem a conta gotas, detalhada, anotando as repercussões em mim. Por isso, só agora li o romance e partilho com o leitor minha apreciação.

E o faço por dois motivos: a qualidade literária e a homenagem que Evaldo faz a nossa cidade natal, Resende Costa, no romance com o nome de Conjurados, transformando numa bela ficção os locais, as lendas, os costumes, sua história e estórias.  Enfim, suas paisagens geográficas (Povoado do Ribeirão, barranco da vargem), culturais (assombrações, luz da pedra, buraco do inferno) e humanas.

Evaldo é um excelente arquiteto/pintor com a palavra. Com vocábulos moldados em substantivos, verbos, adjetivos, advérbios, ora cinzelados e encaixados, ora com a argamassa dos conectivos, ergue um imenso condomínio literário em curto espaço, 240 páginas – o ato de escrever, a palavra como construtora de mundos - onde acontecem nas “ruas e avenidas” conflitivos fatos políticos, religiosos e da vida em conjunto, como os acontecimentos de 1978, o suicídio coletivo induzido pelo fanatismo de Jim Jones, o atropelamento, que faz lembrar João Bosco e Aldir Blanc: “Tá lá um corpo estendido no chão” etc.

Nas “casas” e “povoados”, pensamentos vivenciais, reflexões beirando o filosófico e o psicológico, detalhes recordativos, sofrimentos de amor não correspondido, conflitos homoafetivos e muito mais, como a personagem-narrador, tentando sair do “cale-se” (Chico Buarque: “Cálice”) que a vida e a ditadura lhe impõem.

Pelo que tenho visto, é frequente agora trabalhar o cotidiano, o histórico pessoal, as vivências do escritor como ficção. Caso, por exemplo, de João Anzanello Carrascoza (“Aos 7 e aos 40”), Joca Terron (“Noite dentro da noite”), Veronica Stigger (“Sul”). Quanto ao Evaldo, não há dúvida e o efeito foi muito bom.

 O próprio Terron diz: “Atualmente o gênero biográfico é uma extensão do romance naturalista do século 19, onde vidas têm começo, meio e fim. Ao contrário, o autobiográfico é pura ficção não realista pois busca a verdade pelo caminho da autoinvenção”. No caso de “Os fios de Ícaro” se não for autobiográfico, é no mínimo autorreferencial. O leitor logo perceberá que o personagem-narrador é um alterego do autor.

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