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A centenária Semana de Arte Moderna: um testemunho

16 de Marco de 2022, por João Magalhães

Nosso jornal não se omitiu frente ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, graças ao texto de nossa colega, colunista como eu, do JL: Regina Coelho. Artigo muito bom e elucidativo.

Como, nesta coluna, acho útil, de vez em quando, entrar em assuntos memorialísticos e até testemunhais que, talvez, possam contribuir, por exemplo, para a história da cultura em nosso município, acrescento ao texto da Regina a vivência que tive com os resultados da Semana de 1922.

No cinquentenário da Semana – 1972 –, eu cursava Letras Português/Inglês na Faculdade de Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira, dos padres jesuítas, recentemente transferida do Rio de Janeiro para o Colégio São Luís, de São Paulo, também dos jesuítas, na Avenida Paulista. Foi meu primeiro contato com a obra de Mário de Andrade, pois tive dois meses de aula com a professora Telê Ancona Lopez, que acho a maior especialista, no Brasil, sobre Mário.

Antes, 1967, eu estava sob o impacto da montagem teatral de José Celso Martinez Corrêa de O Rei da Vela, que foi um marco no teatro nacional. Primeira obra teatral do modernismo. Peça de Oswald de Andrade de, quem eu conhecia quase nada. O elenco, em minha memória até hoje, sobretudo a saudosa Dina Sfat (1938-1989).

Após a leitura de obras de Mário, fixei-me em Macunaíma, a meu ver um dos maiores romances da literatura brasileira. A histórica montagem teatral de Macunaíma, em 1978, no teatro São Pedro, fez a fama de Antunes Filho. Impressionou-me tanto que algumas cenas estão na minha memória até hoje.

Citando a Folha on-line: “Macunaíma ainda está aí, em toda parte, nos textos, nas músicas e nas ruas. Seus desdobramentos reaparecem no teatro de José Celso Martinez Corrêa, nas ideias de Darcy Ribeiro, na Refavela de Gilberto Gil, no discurso de Roberto da Matta, em todas as falas que percebem na miscigenação brasileira e nas contradições de nossa história não somente um problema a resolver, mas uma dinâmica a aproveitar, em nosso próprio benefício”.

Mário de Andrade: um dos maiores vultos da cidade de São Paulo. Poeta, romancista, músico e professor de música, crítico literário e musical, folclorista, ensaísta, epistológrafo, promotor cultural. Homem plural, múltiplo, poliédrico, como diz Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima). Poliglota: falava espanhol, italiano, francês e alemão. Mapeou o Brasil da época com suas viagens. Visionário, foi o primeiro a mostrar a importância de documentar e preservar o patrimônio cultural, tão debatido hoje em dia. Criador da primeira biblioteca circulante. Seu projeto Brasil naufraga (para variar!), com a ditadura Vargas.

A revista de cultura Vozes, da Editora Vozes, de Petrópolis, dos frades franciscanos, em minhas mãos até hoje, publicou uma edição comemorativa do cinquentenário. Na capa: 50 anos de modernismo brasileiro e uma citação de Alceu Amoroso Lima: “Tenha acabado ou esteja se renovando o ciclo do Modernismo, podemos afirmar que sua herança representa o patrimônio mais rico de toda a nossa evolução cultural”.

Nessa mesma edição, a revista parece antecipar as páginas amarelas da Veja. Publica em páginas azuis uma entrevista com Alceu, fundamental para o estudo do Modernismo propugnado pela Semana.

Mais tarde, matriculando-me na PUC/SP para um mestrado em Teoria Literária, foi meu professor, Décio Pignatari. As aulas de Décio despertaram-me para a estética da poesia concreta, da qual ele era um dos mais famosos representantes.  Um contato bem próximo com os irmãos Campos, Augusto e Haroldo, ensaístas teóricos e poetas do Modernismo, abriu-me para os “ismos” da época da Semana de Arte Moderna de 1922: surrealismo, cubismo, dadaísmo etc. Um mergulho nas águas revoltas da arte daquele tempo.

Aí, o ponto forte foi Oswald de Andrade. E, segundo Tristão de Ataíde na entrevista acima citada, ao contrário de Mário de Andrade e do seu poliedrismo, foi Oswald de Andrade, um monoedro mutável com seu radicalismo total e unilateral, embora com atitudes sucessivas contraditórias.

No entanto, foi sem dúvida a figura mais importante e mais influente do Modernismo sobre a geração de artistas posteriores.

É o que penso. E você?

 

*Vida ida que faz falta: Arnaldo Jabor. Aqui comigo sua crônica no Estadão, 11/5/2004: “A morte não está nem aí para nós. Ela nos ignora, ignora nossos méritos, nossas obras. Ela é simples, uma mutação da matéria que pouco se lixa para nós. Só nos resta viver da melhor maneira possível até o fim”.

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