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A criança estuprada desde os 6 anos que, aos 10, engravidou do estuprador

13 de Setembro de 2020, por João Magalhães

Horrorizou e comoveu a população brasileira em sua maioria, no último mês de agosto, o chocante caso de uma criança de 10 anos, moradora no interior do Espírito Santo, grávida, que vinha sendo violentada por um tio dela desde os 6 anos de idade! O aborto, autorizado pela Justiça, foi realizado num hospital de referência em Pernambuco. O procedimento ao qual a criança foi submetida, assistido por equipe médica especializada, provocou manifestações grupais, contra e a favor, em frente ao hospital.

Extremistas divulgaram pela internet o nome da criança e o local onde seria atendida, ato de flagrante ilegalidade pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Consta ainda que grupos religiosos pressionaram, até com ameaças, a avó que cuida da menina para não permitir o aborto.

Estatísticas mostram a gravidade da situação. Em 2019, fizeram-se no Brasil 72 abortos legais de meninas de até 14 anos, 53,8% delas vítimas de estupro. Quatro menores de 14 anos são estuprados por hora no país e 75,9% das vítimas conheciam o agressor!

Esta coluna opinativa, cujo objetivo é estimular as pessoas a dialogar sobre acontecimentos e atos, tanto os de pouca contestação (o “verso”) como os polêmicos (o “controverso”), não pode se omitir sobre esse acontecimento de tamanha gravidade.

Lembrando o eficiente método da Ação Católica: VerJulgarAgir (VEJA), muito adotado nos anos já longínquos pela Juventude Universitária Católica (Juc), Juventude Estudantil Católica (Jec) e Juventude Operária Católica (Joc), resumo, para municiar o ver e o julgar do leitor duas falas-testemunho do Dr. Olympio Barbosa Moraes Filho.

Uma, em 2015, no debate sobre a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras semanas de gestação, promovido em audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. Outra, agora, pois é diretor do hospital que fez o aborto legal da menina.

Falas muito abalizadas, pois ele é vice-presidente da FEBRASGO (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), filiada à FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, ambas aliadas da OMS – Organização Mundial da Saúde). Dr. Olympio é também diretor do CISAM (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), que tem a segunda maternidade mais importante do Estado de Pernambuco.

É necessário retirar o aborto da esfera criminal, pois trata-se de um problema de saúde pública. Mulheres morrem ou ficam com sequelas, como esterilidade, infecção etc. Isto se dá quando o aborto é inseguro, clandestino, feito na ilegalidade e em condições precárias por curiosos ou agentes incompetentes e despreparados. Quando o aborto é seguro, ou seja, feito com assistência médico-hospitalar, isso raramente acontece.

Por que o Brasil não legaliza, deixando a decisão para a gestante, ou no caso de criança, para os responsáveis por ela, como já o fizeram uma maioria significativa de países desenvolvidos?

Psicólogos e psiquiatras que trabalham o problema afirmam que o maior dano para a mulher é tirar dela o poder de decidir. Quando ela sente que vai ser bem acolhida e legalmente atendida, poderá deixar a situação de vulnerabilidade em que se encontra.

O médico deve agir por práticas e evidências científicas e não por crenças e/ou convicções pessoais. Alegar objeção de consciência para não realizar (o aborto) é um direito do médico em sua individualidade, mas, por ética médica, é dever seu encaminhar para quem o faça. Por exemplo, sendo ele testemunha de Jeová, ao atender um necessitado de transfusão imediata de sangue, caso contrário ele morrerá, deverá fazê-la se não houver outro profissional que a faça.

Não se deve misturar religião com ciência, religião com assuntos de saúde, religião com Estado laico. Por exemplo, tem religião que proíbe métodos contraceptivos, sendo que eles evitam muitas mortes! 

Concordo com as opiniões do doutor. A teocracia direta – poder religioso exercendo também o poder legal ou o poder de mando – pratica inomináveis injustiças. Atualmente, além de teocracias diretas, crescem muito as teocracias indiretas, ou seja, crenças religiosas, igrejas, dogmas, argumentos de fé, acuando o Estado para legislar favoravelmente às suas pregações. Não é justo. A lei é para todos e todos não têm a mesma religião, os mesmos princípios, a mesma fé. As religiões são muitas e divergem substancialmente. Há muitos cidadãos que não têm religião, nem fé.

Infelizmente, o Brasil está caminhando para essa teocracia indireta. É o que penso. E você?

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